Um texto sem tabus…
O NEXO E O DESCONEXO ENTRE SOARES E MARCELO…
DUAS FACES DA MESMA MOEDA…
Brasilino Godinho
Num curto período de um ano - e relacionados com a eleição para a presidência da República e a tomada de posse do novo presidente Aníbal Cavaco Silva - assistimos a episódios que bem reflectiram o clima político vigente no país e melhor evidenciaram as peculiares características das personalidades intervenientes; quer se tratasse dos candidatos, quer de quantos se envolveram directamente (ou na penumbra) nas acções de propaganda e promoção de cada uma das cinco candidaturas.
Quem tivesse acompanhado toda a evolução do citado processo eleitoral ter-se-ia apercebido de duas coisas:
- Primeira, foi o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa a pessoa que há dois anos lançou publicamente o nome do Prof. Cavaco Silva como futuro candidato à presidência da República. A partir desse anúncio frente às câmaras da televisão todo o mundo entendeu que, por isso mesmo, aquele antigo primeiro-ministro seria candidato. Aliás, correspondendo à demonstração desse propósito denunciado pelo próprio, durante os derradeiros dez anos.
Depois, Marcelo continuou afincadamente empenhado na promoção do “seu candidato” com tanto merecimento que, após a tomada de posse do novo inquilino do Palácio de Belém, este o recompensou nomeando-o conselheiro de Estado.
- Segunda, que Mário Soares candidato assumido um tanto ou quanto intempestivamente - se considerarmos a sua anterior afirmação de recusa de cargos com responsabilidade política feita no jantar comemorativa dos oitentas anos de vida – pela sua idade, prestígio, anterior exercício das funções de presidente da República, passado de lutador e intervenção pós 25 de Abril de 1974 era, no conjunto dos intervenientes, certamente a figura mais em foco.
Quis o destino - e os dois, Marcelo e Soares, se esforçaram no deplorável sentido – que ambos fossem protagonistas de eventos desconformes da coerência que, afinal, se impuseram como inequívocas demonstrações de atropelos aos princípios democráticos: do civismo, da tolerância, da transparência dos actos e das intenções e do respeito que nos devemos mutuamente.
Assim, ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa aponta-se a enorme incoerência demonstrada na sucessão dos anos. Começando no Congresso do PSD, na Figueira da Foz, por tomar a iniciativa e manobrado para ser conseguida a escolha do Prof. Cavaco Silva para a chefia do partido. Depois, quando este foi substituído como primeiro-ministro, lançou-lhe uma violenta acusação de incompetência e ignorância política. Jamais, em Portugal, um político de topo, foi tão incisivamente acusado de nulidade política. Há dois anos empenhou-se deliberadamente no lançamento da candidatura presidencial de Cavaco Silva. E foi dos apoiantes mais persistentes e ousados. Um caso emblemático que nos leva a inquirir: Onde se acolhe a coerência do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa? Ponderando os seus ziguezagues, interrogamo-nos: Qual a credibilidade do inteligente mestre de Direito, que na vida política mostra uma tão grande desorientação e imprecisão nas análises que vai fazendo sobre a política e os políticos, na sucessão dos tempos? Certo que, conforme veio a público nos jornais, Marcelo Rebelo de Sousa está a perder audiências nas suas perorações domingueiras na Televisão do Estado, a que não será alheio o juízo que os portugueses fazem sobre a sua pessoa.
No que concerne ao Dr. Mário Soares poderemos assinalar a devastadora incoerência logo evidente quando há dezoito meses convidou o Prof. Cavaco Silva para proferir uma conferência sobre Política, nas instalações da Fundação Mário Soares, sitas em Cortes, concelho de Leiria. E não ficando por essa deferência para com um político que tanto criticara (ele e o Partido Socialista) enquanto chefe do governo, foi mais longe na incongruência ao responder à pergunta de um jornalista do seguinte modo: “O Prof. Cavaco Silva tem capacidade para ser um bom presidente da República”. Sem dúvida, que com esta declaração Mário Soares perdeu credibilidade política por dar uma prova de grande incoerência política. Mais: assinou a sua certidão de óbito como político de grande importância no contexto nacional. Pois, a partir do momento daquela afirmação Mário Soares comprometeu irremediavelmente qualquer hipótese de vir a ser ocupante do cadeirão presidencial do Palácio de Belém. O que se confirmou com o resultado da recente eleição presidencial.
Face ao alarido que se continua a fazer sobre a recusa de Soares a cumprimentar o presidente Cavaco Silva após esta personalidade ter tomado posse do cargo, deve ser referido que não houve coerência nenhuma na atitude de Mário Soares. Eventualmente, isso seria admissível se, porventura, Soares não tivesse praticado aquele deslize dos Cortes. Antes do convite e para Mário Soares, Cavaco Silva não valia nada. À data da conferência, o professor Cavaco, segundo Soares, era homem de mérito bem credenciado para ser presidente da República. Depois, enquanto decorreu a campanha eleitoral Mário Soares assevera que o homem era mesmo um cavaco sem qualquer préstimo. Pelos vistos, a transformação do bom candidato Cavaco a Belém, no mau candidato Cavaco ao mesmo cargo dever-se-ia à circunstância de haver o candidato Mário Soares. Quer dizer: a magnífica circunstância Soares teria gerado a péssima consequência Cavaco.
Porém, não fora esta ofensa à firmeza de convicções e à racionalidade exigíveis a qualquer cidadão, aconteceria que, obviamente, noutra posição de autoridade moral, Mário Soares até poderia ter feito da fragilidade de Cavaco Silva estandarte eleitoral, bastando apoiar-se nas depreciações avassaladoras de Marcelo Rebelo de Sousa já citadas. E só não o fez porque nos Cortes dera um desajeitado e inconcebível tiro que lhe saiu um ano depois pela culatra.
Ainda sobre a cena de cumprimentos do Palácio de Queluz, qual beija-mão ao novo presidente, tratou-se – no mínimo considerando - de um gesto deselegante. Não o seria se correspondesse a um percurso rectilíneo de cultura política e de procedimentos cívicos. Todo ele irrepreensivelmente balizado pela coerência. Não era o caso do Dr. Mário Soares. Aliás, para quem tem um passado de encenações protocolares ficou-lhe mal a desconsideração; sobretudo para si próprio. Até porque, naquele momento, Cavaco não era o rival. Ele já estava investido nas altas funções de Supremo Magistrado da Nação. Seria ao presidente da República que Mário Soares cumprimentaria. Isto respeitante à (i)lógica estabelecida: quanto ao sistema e ao protocolo.
Claro que nos podemos interrogar quanto ao interesse que pode existir nas cerimónias protocolares de apresentação de cumprimentos aos empossados, Bem vistas as coisas tais actos são reminiscências dos hábitos da monarquia que não fazem sentido no nosso tempo. Cenas revestidas de uma solenidade exagerada e grotesca, igualmente, de pompa e circunstância, como soe dizer-se, são confrangedoras manifestações de vaidades, de hipocrisias avulsas e, nalguns casos, de subserviências repulsivas Também, exibições de narcisismo do actor principal. Naquela ocasião, durante algumas horas, a apertar quatro mil mãos mais ou menos limpas… Outrossim, uma inconveniente prática ritual anti-higiénica em que uns e outros ficam com as mãos lambuzadas de suor. Ninguém fica bem no retrato.
É por estas formas menores de expressão pública e outras semelhantes, adoptadas pelos republicanos admiradores dos reais faustos e das soberanas grandezas que a pia criatura, considerando-se despojada dos seus majestáticos atributos e vendo-os usados pelos actuais detentores do Poder, ainda alimenta o sonho de vir a ser Rei de Portugal… Abrenuntio!
Concluindo: Marcelo e Soares são as duas faces da moeda que tem a desagradável designação de INCOERÊNCIA.