Muito
consideradas e atentas leitoras,
Mui caros e atentos leitores
Juntamos
uma crónica de relevante teor sociocultural, incluso na actual conjuntura
nacional.
A Bem da
Nação desejaríamos que as leitoras e os leitores se dessem conta de que o povo
não se sacrificou. Os cidadãos são livres nas suas opções de vida. Não
se sacrificam a mando do governo.
O povo, sim, foi e continua sendo agredido e violentado pelo governo. Ou
seja: forçado, coagido, obrigado, constrangido, humilhado, escarnecido e
chantageado pelo governo. Nas últimas linhas da nossa crónica aprofundamos a
explicação.
Com os protestos do maior apreço e os melhores cumprimentos.
Brasilino Godinho
Ruy
de Carvalho, acordou?
Não,
estremunhou!
Ruy
de Carvalho, contemplando-se, embevecido, no esplendor dos galardões atribuídos
por mercê da poderosa família cavacal que administra, mal e porcamente, a
‘Quinta Lusitana’
Brasilino Godinho
01. Ruy de Carvalho é um grande actor. De longa carreira progressiva em
ascendente sucesso.
A
seguir à Revolução de 25 de Abril de 1974, passou a acompanhar com algum fervor,
tipo futebolístico, a equipa cavaquista que, em dada altura, ocupou
extensivamente o campo político. E ao compasso do tempo foi-se deixando afectar
por uma patologia oftalmológica que lhe cerceava a visão das coisas e loisas
mais obscuras dispersas no alaranjado espaço governamental, associada a um
estado de torpor decorrente de uma crónica sonolência que dir-se-ia ser própria
de alguém que está ‘dormindo na forma’.
Em Ruy de Carvalho tem sido manifestada uma irregularidade mais complicada pois
que, pela natureza da sua própria circunstância, dá azo a que ele permaneça
distraído e alheio ao espectáculo que se desenrola mesmo à frente do seu nariz ou
ao seu lado direito (não por ele atendível na ala esquerda por, decorrência de
incómodas condicionantes de morfologia interna, lhe ser impossível virar-se
nessa direcção…). Se casos idênticos de mórbida sonolência passados com
qualquer indígena são tristes, tratando-se de um credenciado actor é bastante
penoso e deveras lamentável.
02. Actualmente circula pela Internet uma carta aberta de Ruy de Carvalho,
dirigida aos “Senhores Ministros” que
alguém inseriu sob o título; «Ruy de Carvalho, acordou!» Acrescentando: «Esta
carta revela um grande HOMEM.» Nós afirmamos: Nem uma coisa, nem a
outra. Porquanto, ele, estremunhou! E a carta revela um sujeito ressabiado, vulgar
pequeno homem de espírito mesquinho, metido de permeio no corpo e faculdades de
alma de um grande actor de teatro. A seguir, faremos as inerentes
demonstrações.
03. Ao depararmos com tal introdução bajuladora de Ruy de Carvalho, assim
tão apressadamente posto nos píncaros da lua, é de elementar obrigação cívica
reflectirmos sobre o insólito caso.
E,
desde logo, contrapormos: Ruy de
Carvalho acordou? Não! Estremunhou!
Se
podemos todos estar de acordo que Ruy de Carvalho tem dormido bastante, havemos
de admitir que algo o acordou de súbito e incompletamente. Ainda meio
entontecido com o sono que não o larga em alternância de oportunidade de lhe
refrescar as ideias, pegou na caneta e escreveu uma carta aberta: não a um, mas
a vários e indeterminados ministros, esquecendo-se
do primeiro – e mais responsável - entre eles (Passos Coelho), de quem teria
sido mandatário para os idosos (sorte azarada: para os idosos) em eleições não
muito distanciadas no tempo.
04. A carta aberta de Ruy de Carvalho foi motivada pelo facto do Fisco lhe
ter dirigido um ofício a comunicar-lhe que «já não é “artista” e passou a ser
apenas “prestador de serviços”, deixando de ter direitos conexos e de
propriedade intelectual.»
Isto
e nada mais que isto.
Se
tal facto desgostoso não acontecera e conhecendo o andamento da carruagem do
comboio que a Ruy de Carvalho tem servido de cómodo, utilitário, proveitoso e
agraciado transporte nos rumos prosseguidos pelos governantes do PSD, diremos
aqui e agora que ainda hoje o veríamos a apoiar essa gente que tão
desastradamente tem mal governado Portugal. Esta iniciativa da carta aberta é
um acto menor de – repetimos - indivíduo ressabiado. Que o desacredita.
Deprecia. Façamos a síntese apropriada: desautoriza o seu autor.
05. Na carta dirigida aos “Senhores Ministros”, Ruy de Carvalho começa por
dizer que tem 86 anos e a pôr a modéstia à parte. Mais acrescentando que
representou o seu país em todos os palcos, portugueses e estrangeiros.
O
início do texto é bem demonstrativo do tom da extensa exposição que se segue à
introdução que referimos no precedente. Uma carta aberta que enferma de alguns
equívocos, certamente justificados pela excitação provocada pelo sobressalto do
autor e que a este deu pretexto de consumação do recado para os “Senhores
Ministros”.
A
nota da idade tem cabimento.
Já
quanto a Ruy de Carvalho ter posto a modéstia de parte, ela até seria
desnecessária; porquanto, festejado actor, contempla-se muito no seu qualificado
exercício profissional e interroga-se: ”para que servem as comendas, as
medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito? Nossas
singelas observações: estranha-se que nunca lhe tenham pendurado sequer um
colar ao pescoço e que anteveja (repare-se na expressão: quando me penduram) a
continuação das penduradas ao peito. Sem dúvida que o fizeram (e talvez que
continuem a fazer…) com seu regozijo. Agora se percebe que esses galardões
foram acolhidos por Ruy de Carvalho como instrumentos que, futuramente, lhe
proporcionariam estatuto de membro privilegiado do clã social-democrata em que
se integra e para obtenção de quaisquer coisas ou regalias de que não dá
referência ao público. Isto se infere da interrogação formulada por Ruy de
Carvalho – o que é bastante elucidativo dos tráficos de influências e de
parentescos partidários que prevalecem em Portugal.
Mais
de notar que Ruy de Carvalho não se terá apercebido de que estava sendo
assediado ou recompensado pela dedicação às figuras do núcleo cavaquista e ao
partido PSD. Tão-pouco se lembrou do ditado: ‘Quando a esmola é grande o pobre
desconfia.’ E Ruy de Carvalho: moita-carrasco! A sonolência crónica produz
estes efeitos entorpecentes.
Mas
quando Ruy de Carvalho diz ter representado o país há que fazer-lhe sentir que
é demasiada presunção da sua parte. Representou (pôs em cena e actuou) sim, com
elevada arte muitas e diversas peças de autores nacionais e estrangeiros (sem
preconceito ou depreciação, por esse mérito, tiramos-lhe o chapéu, saudando-o).
Jamais encarnando com ênfase na sua pessoa a pátria portuguesa. Há que
distinguir os planos da arte teatral e da simbologia e identidade nacionais.
Outra
interpretação errada: representou o país em todos os palcos, portugueses e
estrangeiros. Em todos os palcos nacionais e do estrangeiro? Como tem essa
certeza? Que exagero! Não lhe terão escapado muitos em Portugal? E em
incomensurável número os existentes por esse mundo, além-fronteiras?
E
nos palcos portugueses também estaria a representar Portugal face aos
indígenas? Que mania das grandezas em pequena sede pessoal!
06. Outra desconformidade de Ruy de Carvalho: «Vivi a guerra de 38/45 com
o mesmo cinto com que todos os portugueses apertaram as ilhargas.». Guerra de
38/45? Só se terá sido a do Raúl Solnado. E mesmo essa nem terá tido tão longa
duração. A História tem registo diferente da versão de Ruy de Carvalho: a
Segunda Grande Guerra, decorreu no período contado entre 1939 e 1945.
«Todos
os portugueses apertaram as ilhargas com o mesmo cinto?» Aqui evidente um
exemplo do desacerto das grandes generalizações. Sempre o termo “todos”
repetido na citada peça escrita até à exaustão. E o exagero da faixa de couro.
Igualmente a desconformidade do aperto das ilhargas. O cinto serve para apertar
as calças. As ilhargas estão bem firmes nas suas posições acima da anca de
qualquer criatura, seja homem ou mulher. E quanto às mulheres, naquele período
de 1939 a 1945, limitavam-se a usar calcinhas e sem cinto…
O
cinto, A enormíssima peça inconcebível para as mentes mais criativas que se
possam imaginar. Aliás, naquela época milhares de portugueses usavam
suspensórios e, claro, (como já referimos) não apertavam as ilhargas, por
sinal, em muitos deles, bem esqueléticas.
Também,
evidente que Ruy de Carvalho não viveu a guerra de 1939/1945. Não consta que
tenha combatido nas frentes de combate ou suportado os ataques aéreos nos
locais onde trabalhava e residia. Viu-a por um canudo, a partir do observatório de Lisboa. E a guerra não
se estendeu a Portugal, embora lhe tenhamos sentido os terríveis efeitos.
07. Actor exímio, Ruy de Carvalho, não resistiu à tentação de fazer um
melodrama; no qual concentra, num fantasioso cenário, o silêncio(?) do
Primeiro-Ministro e os olhos baixos do Presidente da República. A peça atinge o
clímax quando o protagonista, Ruy de Carvalho, emerge a proclamar: «Tenho 86
anos, volto a dizer para que ninguém esqueça o meu direito a não ser incomodado
pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças.»
Deveras
interessante esta composição dramática. Todavia, de textura surpreendente. A
começar pelo suposto silêncio do chefe do governo. O que é dito em
contraposição com a fama e mau proveito para a nação portuguesa, de Passos
Coelho ser um incorrigível fala-barato. Bem observados os olhos baixos de
Cavaco Silva; os quais, a este ser, patrono do Cavaquistão, causam
confrangedora miopia e um descompassado e titubeante andar pela calada da noite
sombria do seu reservado feudo - o conhecido Palácio de Belém.
08. Outro aspecto dual a realçar: a sorte de Ruy Carvalho ser incomodado
pela “raiva miudinha de um Ministério das Finanças”. O que não lhe aconteceria
se fosse incomodado pela raiva grossinha do assustador Ministério das Finanças,
por demais municiado com todo um arsenal bélico muito destruidor para o comum
dos indígenas? Provavelmente (e usando linguagem terra-a-terra) Ruy de Carvalho
não se aguentaria nas canetas.
Por
outro lado, Ruy de Carvalho teve o azar de não ter sido incomodado pela raiva
miudinha da senhora ministra das Finanças. Decerto, que o aborrecimento seria
mais suave. Talvez de agradável aceitação.
09. Na carta Ruy de Carvalho barafusta e indigna-se pela forma como o
governo trata a cultura e os artistas. Também dá a entender que é uma suprema
heresia que a senhora Ministra das Finanças seja uma ignorante em Direitos
Conexos – o que lamenta.
10. Quase a terminar Ruy de Carvalho, dirigindo-se aos “Senhores
Ministros” escreve: «(...) o que mais me agride(…) É sobretudo o nojo pela
forma como os seus serviços se dirigem aos contribuintes, tratando-os como
criminosos, ou potenciais delinquentes(…)». Esta observação respeitante ao mal-afeiçoado
nojo agredir Ruy Carvalho sem dó nem piedade, é um achado algo metafórico, que
nos deixa perplexos pelo atrevimento da náusea (manipulada pelos serviços
ministeriais) em praticar tão feia, violenta e condenável acção sobre a pessoa
do ilustre actor. Dá vontade de gritar: Cadeia, já, para o malvado agressor
Nojo. Some-te, bandido!
Ressalta
do teor da carta aberta e do precedente trecho que Ruy de Carvalho tem a
precaução de se dirigir aos indiferenciados “Senhores Ministros” e não ao maior
responsável do governo (Passos Coelho) - nem uma única vez ousa interpelar este
dirigente máximo da governação. Esta, é uma anotação que tem especial significado
e releva de linear apreensão do sentido de afectividade pessoal e de harmonia ideológica
de Ruy de Carvalho, relativamente ao grande chefe Passos Coelho e ao PSD.
11. De reter a impressão de que Ruy de Carvalho tem andado adormecido e
distraído ao ponto de jamais ter reagido contra a desgovernação em curso e suas
dramáticas consequências para a maioria da população.
Agora,
tardiamente reage como um vulgar, pequeno homem, por ter sido beliscado nos
seus interesses pessoais e da corporação teatral que integra. Todo o conteúdo
protestativo da missiva de Ruy de Carvalho se concentra nas defesas do seu
estatuto profissional e da classe teatral. Para ele os sofrimentos do povo e a
campanha de destruição do país são dados factuais marginais, quiçá
inexistentes. Na carta aberta aos “Senhores Ministros” estão ausentes
referências explícitas sobre esse dramático quadro existencial da nação
portuguesa.
A
este ponto chegados importa assinalar que um grande HOMEM é coerente, isento
nos seus juízos e, necessariamente, solidário com o povo, em quaisquer
circunstâncias.
12. No último parágrafo da carta aberta Ruy de Carvalho anota: «(…)quando
um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é digna do maior respeito.» Uma
pergunta, para Ruy de Carvalho: só quando, na sua opinião, o povo se sacrifica
é que é digno de respeito? Deduzimos que nessa ligeira, primária e falaciosa avaliação
radica a permanente falta de respeito do governo em relação ao povo.
Explicitando:
Tal
como fazem muitos expeditos, fastidiosos, comentadores que gravitam na alaranjada
galáxia governamental portuguesa, igualmente Ruy de Carvalho quis insinuar que
o povo se vem sacrificando “pelo seu país”.
É
preciso deixar bem claro esta verdade insofismável: o povo português não se tem sacrificado.
Pelo contrário: Tem sido maltratado com requintes de violência, malvadez e
desumanidade.
Os cidadãos não se sacrificam
a mando do governo.
É um imperioso dever cívico que esta
verdade seja assumida pela gente honesta deste país. E divulgada por todo o
território nacional.
O povo, sim, tem sido explorado e
agredido com violência pelo governo actual.
O governo vem agindo autoritariamente.
Por acinte: Ordena! Explora! Decreta!
Impõe! Penaliza! Agride!
À atenção do leitor:
O sacrifício, sendo privação, renúncia,
sofrimento, é sempre acto de opção voluntária do ser humano expressa num
contexto de liberdade e de fruição dos direitos de cidadania ou de afirmação da
qualidade de devoto.
É intolerável e indecente – diríamos,
mesmo, criminosa - essa falácia dos sacrifícios do povo
na presente conjuntura da repulsiva austeridade e na vigência da
governação actual.