Ao
descompasso no tempo...
Viver,
também é recordar...
Brasilino
Godinho
A
nação portuguesa vive atormentada num estádio de degradação
geral.
Infelizmente,
a dolorosa vivência do quotidiano das pessoas é tão sentida que se
lhes enraíza a noção, melhor dizendo, a convicção de que se
trata de um pesadelo continuado ao longo do percurso de sucessivas
gerações oprimidas. Porém, com a agravante de, nos tempos actuais,
serem mais refinadas, extremamente perversas, muito abrangentes e
impostas com a maior violência, escandalosa impunidade e despudorado
arbítrio, as politicas exercidas em sede de governação do país e
da administração da cousa pública.
Daí
que possamos admitir que no dia-a-dia estamos enquadrados num devasso
sistema destrutivo da nação, porque em Portugal vigora, em obscena
permanência, uma prática política desagregadora do tecido social e
dos próprios alicerces da nacionalidade.
Isto
equivale a que, sem hiatos de alívio retemperador de energias e de
ânimos, estejamos, por força das circunstâncias que nos dominam,
sujeitos a viver vergados ao peso da recordação dos tempos passados
em que, por algumas semelhanças com os descalabros do presente, o
povo português passou por vicissitudes mui difíceis de suportar.
Só
que, velha pecha dos portugueses, inúmeros cidadãos não reagem
vigorosamente face aos autoritarismos dos governantes; pior,
acomodam-se e resignam-se a amochar, aguentando todas as agressões e
imposições que aqueles lhes fazem continuamente.
A
título de ilustração do que acabamos de escrever vamos recuar ao
século XIX e reproduzir as sábias palavras de Antero de Quental
que, no ano de 1862, em sua plena juventude e em época de frequência
da Universidade de Coimbra, já fazia o certeiro diagnóstico do
doentio estado crónico da socidade portuguesa.
Antero,
no artigo A INDIFERENÇA EM POLÍTICA escreveu:"Um
dos piores sintomas de desorganização social, que num povo livre se
pode manifestar, é a indiferença da parte dos governados para o que
diz respeito aos homens e às coisas do governo, porque, num povo
livre, esses homens e essas coisas são os símbolos da actividade,
das energias, da vida social, são os depositários da vontade e da
soberania nacional".
Assim
é, de facto! A desorganização social está instalada. Mas, pior
ainda! Agora, encontra-se em avançado estado de degeneração,
porquanto já configurada no formato de instrumento destrutivo do
próprio tecido social e até da nacionalidade portuguesa.
Por
isso, os portugueses têm que assumir os deveres de cidadania; os
quais, necessariamente, implicam a obrigação do exercício da
rigorosa, persistente, crítica dos actos dos governantes e das
medidas governamentais e legislativas. Outrossim, aplicarem o mais
elevado grau de exigência quanto ao cumprimento das obrigações
concernentes às funções dos detentores dos lugares dos órgãos de
soberania, com enfoque especial na Presidência da República,
Governo, Assembleia da República e Magistratura Judicial.
Este,
deveria ser um desígnio nacional, perfeitamente intuído e activado
pelo povo.
A
tal suceder, talvez despontasse a esperança em futura regeneração
da lusa Pátria e a consequente reintegração de Portugal no
conjunto de países civilizados em que existe o Estado de direito.
Nota
não dispensável - Para afirmar: Sim! Não há engano! É mesmo como
leram: Estado de direito; visto e entendido (pelos portugueses de boa
visão que, normalmente, fazem regular uso das faculdades de alma)
que temos o Estado de torto... - o que se traduz num penar colectivo
e numa opressiva dor de alma para cada indígena que não tem assento
à mesa do Orçamento, nem frequenta as capelinhas, as boémias, os
divertimentos, dos membros de certa classe política; nem é atreito
às venerações, aos salamaleques, às bajulices, da especial
predilecção dos medíocres actores do circo/teatro político; os
quais, embevecidos, se contemplam no poleiro da hierarquia estatal.
Fim