Estimadas damas,
Caros senhores
Se não resultar num incómodo para todos vós, que prezais a boa disposição e a leitura em paz e sossego, façam o obséquio de receber mais uma edição de “SARAIVADAS”.
Estas, focando a criação de um novo ramo da Medicina. Estamos a referirmo-nos: à “Obstetrícia Literária”.
Cordiais saudações.
Brasilino Godinho
SARAIVADAS…
Ou as confissões do Arq.º Saraiva…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
Tema: Saraiva cria a obstetrícia literária…
E dá a primeira lição…
A referência: “Como nasce um livro”
Todas as semanas o arquitecto-jornalista José António Saraiva nos surpreende com manifestações da sua fértil imaginação. Nele, possuído e devidamente explorado pelo próprio, um manancial inesgotável de ideias fantásticas que nos deslumbram. Facilmente nos quedamos pasmados. Rendidos ao fulgor criativo da simpática – embora tristonha - criatura.
Desta vez, na passada semana, de forma muito engenhosa e revelando alguma modéstia, trouxe-nos a revelação (meio encoberta) de ter criado a disciplina de obstetrícia literária. E servindo-se de um caso verídico em que foi parte interveniente, Saraiva, numa comunicação ao mundo dos seus leitores, sob o título de “Como nasce um livro”, faz a demonstração dos princípios e das normas do novo ramo da ciência médica por si criado. Extraordinário feito que releva a importância de José António Saraiva ter alcançado a simbiose entre a medicina e a literatura.
Antes de desenvolver o tema chamamos a atenção do leitor para a subtil relação de alteridade estabelecida pelo Arq.º Saraiva ao escrever “Como nasce um livro” e não escrevendo “Como nasceu um livro”. Na versão inserida em título do seu artigo publicado sob a rubrica “Viver para contar” o autor, assumindo o papel de mestre-escola, ensina os leitores de “Como nasce um livro” - o que constitui uma lição de obstetrícia literária ministrada pelo obstetra Saraiva, subentendendo-se que ora especializado na nova modalidade da arte medicinal. Neste quadro, estamos perante uma dissertação científica demonstrativa dos conhecimentos do especialista na matéria. Se tivesse escrito como nasceu um livro Saraiva limitar-se-ia a descrever como decorrera o acto de nascer. Certamente, um parto reportado à sua experiência pessoal. Sem qualquer outro sentido.
Hemos de nos cingir ao relato para melhor ajuizarmos da importância de se saber “Como nasce um livro”.
A crer na sua exposição não foi tarefa fácil nem de breve gestação. Nada mais, nem menos, que vários anos, como acontece com as mulheres que têm de passar longos meses de cama para ficarem em condições ginecológicas de parir.
Saraiva elucida-nos: “Durante anos a fio, deitado na areia da praia do Barril, pensei no enredo de um livro de ficção”. Repare-se nas perturbantes diferenças: elas, as mulheres, ansiosas parturientes, retidas na cama, por largos meses, a pensar no filho que querem gerar; ele, Saraiva, anos a fio, de corpo estendido na horizontal, espalmado que nem um bacalhau a secar ao sol, sobre a areia da praia do Barril e com alma em transe a cogitar sobre o nascimento de um livro.
Safa! Que aflição... Como foi possível ao Arq.º Saraiva aguentar anos a fio deitado no areal da praia do Barril? Teremos de concordar que terá sido um desgastante exercício de autogamia. Também um grande exagero na superação do ego. Terá atingido os limites da capacidade de sofrimento em suportar tão incómoda posição. Acreditamos que, no mínimo, deu cabo dos rins. Daí, o ar cansado e o aspecto doentio evidenciado na foto que acompanha o descritivo.
Por outro lado, a nossa surpresa. Melhor dizendo: nossa desilusão! É que estivemos convencidos que o jornalista Saraiva, durante os tais anos a fio e nas horas do expediente dos dias úteis, estava instalado no seu posto de comando no “Expresso”… Afinal, puro engano da nossa parte… Motivo para comentarmos: no melhor pano do fiel leitor de um jornal pode cair a horrenda nódoa de ter sido enganado pelas boas aparências gráficas do periódico e pelas suas melhores suposições acerca de um celebrado director. Acontece!...
Também parecendo que o infortúnio na areia da praia do Barril não era suficiente para pôr à prova a sua capacidade de resistência, Saraiva deu-se a certo desplante. E descreve-o da seguinte forma: “Durante anos, Verão após Verão, fui inventando histórias – e fui-as deitando fora. Este velho hábito de Saraiva consumir tempos que somados atingem o tamanho da vida de um vulgar cidadão, denota que teve dificuldades acrescidas na escolha da maternidade onde se acolheu para gerar o nascituro que ingloriamente perseguia no seu imaginário. Primeiro, pensou na velha casa dos pais, a tal “de dois andares com uma certa dignidade e um quintal murado, onde pontificavam duas imponentes palmeiras”…. Mas, infelizmente, nem os andares com dignidade, nem o facto das célebres palmeiras pontificarem, terão reunido condições de inspiração e transpiração propícias á concepção do ser programado. Depois, a culminar profunda reflexão, Saraiva resolveu voltar à praia do Barril. Logo, ali “como por encanto – a história nasceu”. Terá sido assim a modos de um: “Abre-te sésamo!”… Aleluia!
Só que ainda no momento do nascimento da história surgiu a angústia desvendada no texto aqui posto
Francamente não percebemos que um livro mais literário tenha de ser menos directo e sem história que capte o interesse dos leitores. Ao invés, os bons livros (e as maravilhosas histórias) não sendo mais ou menos literários, limitam-se a ser obras que valem – ou não - pelo seu intrínseco valor literário. Surpreende esta imprecisão de Saraiva. Logo ele, que faz gala em ser candidato ao Prémio Nobel de Literatura. Precisamente, um galardão destinado a contemplar os escritores pela valia literária das suas obras.
Falando da textura do livro. O enredo (palavra que Saraiva tem relutância em usar por julgá-la banida da linguagem corrente) engloba uma sucessão de acontecimentos trágicos em que estão envolvidas três personagens que formam um complexo triângulo amoroso. Trata-se na apreciação de Saraiva de “um equívoco devastador para as personagens principais”. Admita-se que sendo um equívoco, ainda por cima devastador, a sua leitura será de difícil absorção e não recomendável às pias almas filiadas na prelatura espanhola singularmente inserida na dependência directa do Papa. Igualmente de recear, dispersos na trama, alguns pungentes trechos descritivos de enormes destruições e avassaladores despovoamentos, quiçá decorrentes do famigerado equívoco…
Por aquilo que nos apercebemos o autor Saraiva viu-se em palpos de aranha com aborrecidas interrogações, difusos receios e estranhas conclusões. Anotamos alguns exemplos, tais como:
- A interrogação: “Se umas cegonhas pequenas serão garças”?
-O desconhecimento: “Cegonhas muito brancas, que não se percebe como conseguem conservar-se tão brancas no meio daquele lodaçal da Ria Formosa” (ignorância que, para Saraiva, é uma frustração).
- A esquisita conclusão: “O encanto de todas as zonas de transição – que convidam à meditação e encerram um mistério”. Com que então todas as zonas de transição convidam à meditação e… encerram um mistério? Assim, neste caso e de forma imprevista, se confirma a sabedoria contida na expressão: Estamos sempre a aprender até à hora de irmos repousar para o “jardim das tabuletas”. E como dizia a espevitada saloia Maria das Afortunadas Dores, natural e residente na respectiva região lisboeta: “Para onde iremos se Deus nos der vida e saúde”…
Inclusa na parte final do livro a mais sombria descoberta de Saraiva aplicável à remissão dos pecados: “o acto “purificador”. Segundo o impressionante postulado de Saraiva quem pretender praticá-lo limitar-se-á “a pôr fim à vida num manicómio”. O leitor lê e não atina com a resposta para a inquietante dúvida: A pessoa vai cometer suicídio no manicómio? Ou passar os seus últimos dias asilada, acentuando-se a demência ao compasso do tempo e morrendo lentamente? O autor não dá pistas para uma ou outra coisa. Igualmente doentio e horripilante é o “acto purificador” indicado por Saraiva. Haja misericórdia…
A parte final do relato é consagrada à amargura sentida pelo Arq.º Saraiva por - não se apercebendo da natureza lúgubre da sua obra - ter recebido a generalizada e fria apreciação: “as pessoas que leram o livro acharam-no muito triste”. Mais: “tão trágico”.
Não escondemos que experimentámos alguma compreensão quando lemos as magoadas palavras de Saraiva: “Confesso que a minha intenção não foi escrever uma história que convidasse à tristeza”.
Confessa. Mas convidou…
E não adianta chorar sobre o leite derramado. Exactamente o que fez ao escrever: “Mas nem por isso deixei de ficar surpreendido quando me disseram que tinha escrito um livro triste, muito triste”.
Azar, dos azares… O Arq.º Saraiva nem se deu conta da tristeza estampada no livro. Porquê? Está na cara que o seu estado desinteressante é de cansaço após a complicada gravidez expandida por aqueles “anos a fio, deitado na areia da praia do Barril”… Tanto se expôs e tanto persiste em manter-se sob o SOL; e tão demasiado pensou, pensou, pensou, que… agora, possuído de modorra, rosto amarelado, olhar perdido no vácuo, não repara nas coisas e bastante se distrai…
Não obstante, no fim de contas e apesar das agruras, aí está, resplandecente, a suprema glória da criação de nova especialidade médica: a obstetrícia literária.
Mais um marco na carreira do Arq.º Saraiva. Carreira que, como é do conhecimento geral, está apontada ao Prémio Nobel da Literatura…
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