Um texto sem tabus…
UM MEU PROBLEMA DE
FALTA DO CONHECIMENTO...
E, TAMBÉM, DE MUITA GENTE…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
A sociedade portuguesa debate-se com graves problemas de ordem política, de natureza social e de âmbito cultural. Eles são muitos, variados, difíceis e todos causadores de grandes preocupações, de sofrimentos e de carências que, sobremodo, afectam as camadas mais desfavorecidas da população. É uma situação que constitui um fardo pesado e que se está tornando insuportável para bastante gente. E a muitos, já arrastou para estados de desespero e de colapso total.
Porém, como se isso não bastasse no atormentado viver quotidiano dos portugueses surgem, de quando em quando, factores novos, imprecisos, que - conjugados com temores ancestrais e experiências mal sucedidas, que deixaram profundas marcas no tecido social - põem em sobressalto as consciências dando origem a momentos de confusão, mesmo de choque. E não só. Dir-se-ia que tudo converge numa permanente angústia, onde nem cabe qualquer pequeno alívio ou descontracção que liberte o vulgar cidadão do pesadelo.
Aqui e agora, trazemos à colação mais um factor perturbante que surgiu no meio futebolístico, se expandiu ao campo da política e ameaça alastrar a outros sectores da comunidade. Estamos a referir-nos ao surgimento da “atitude”.
A este ponto chegados, ousamos perguntar à leitora e ao leitor:
Nalgum tempo passado você já teve atitude? Hoje sente que tem atitude? Não descarta a hipótese de amanhã ter atitude? Prevê que nos próximos tempos necessitará de ter mais atitude? Ponderou a hipótese de, normalmente, ter menos atitude? Onde está o impedimento de manter atitude? Ou será que dispensa a atitude? Qual ou quais atitudes? Atitude? Sem outra indicação, a atitude que lhe é exigida não a/o deixa pendurada/o, sem atitude? E a pensar: mas que raio de atitude? Como vou ter atitude? Porquê? Quando? Onde? Em que circunstâncias terei atitude? Qual o modo de actividade motora a que recorrer se lhe pedirem atitude? Se num dado momento tiver convicção, duvida, surpresa, medo, audácia, qual destes tipos de atitude (mental) vai escolher para ficar melhor na “fotografia”? Pessoa de aptidões várias e necessidades muitas tende para que atitude? O que a/o tornará vulnerável à atitude? Que cuidado, vacina, mezinha, tomar para adquirir imunidade à atitude? Haverá possibilidade de liquidar, à nascença, a endemia da atitude? Poderá viver sem “atitude? Ou, pelo contrário, inquieta-se com a possibilidade de morrer por causa da atitude? Como nem reconhecer que coisa chata é a atitude?
Por mero acaso, a leitora e o leitor saberão o que é atitude?
Pela nossa parte, humildemente, confessamos a nossa ignorância sobre aquilo que é a atitude que anda por aí, disponível, na boca da malta; qual projéctil disparado à queima-roupa a qualquer momento e nos mais diversos sítios, pelos homens do futebol e seus compadres da política. E porque, desligada se apresenta da classe morfológica constante da Gramática, parece ser um misterioso agente, talvez um novo vírus que ameaça a saúde física, a paz de espírito, o bem-estar e a segurança de cada cidadão. Com a agravante de nem se saber se esse obscuro elemento ataca o conjunto das componentes da vida do ser racional que somos ou se apenas algumas delas. Nós suspeitamos que atitude seja uma doença semelhante à sarna… Um mal que dá muita comichão. Pessoa atingida, forçosamente, não se aquieta. Enfermidade contagiosa, rapidamente se propaga.
Se calhar é isso… Desportistas, políticos e cidadãos precisam de sarna para se coçarem. Espevitarem. Produzirem algo de útil e agradável à vista e ao paladar… O que, para cépticos e amigos da onça, deixa algumas dúvidas quanto à compreensão do fenómeno e à sua eficácia no domínio das prestações profissionais, quer nos futebóis, quer noutras actividades. A menos que nela, sarna (a reclamada atitude), se busque o antídoto ou a desculpa para os maus resultados das pugnas desportivas, dos combates políticos e das lutas quotidianas da vida. Um pouco à semelhança de quem cura doença de cão com o pelo do dito.
Falando-se de atitude trata-se de um problema sério que urge conhecer nas suas minudências…
Se bem nos lembramos quem descobriu a atitude e afoitamente a lançou na ribalta do teatro mundano dos nossos infortúnios actuais foi o seleccionador nacional de futebol, Scolari, ao tempo do último campeonato europeu de futebol. Então, ele começou por afirmar que os jogadores da selecção nacional tiveram atitude. Alguns indígenas ao ouvirem o “palavrão” ficaram a ver navios e a fazerem conjecturas. Depois, em várias ocasiões, o Scolari referiu que alguns seleccionados não tiveram atitude. Nessas alturas, a compreensão do empolado termo ficou mais difícil, porque apresentado em circunstâncias diferentes. Recentemente, um treinador de futebol, numa pequena entrevista, utilizou a palavra (atitude) cinco vezes. Transcrevemos algumas passagens: “quero que os jogadores tenham ambição, atitude, querer, garra”; “a equipa tem apresentado mais atitude, mais garra, mais determinação”; “que a turma adversária não ganhe por ter corrido mais que nós, por ter mais atitude, mais garra e mais vontade de vencer”.
A gente ouve e lê estas referências à atitude e não consegue assimilar o que se pretende indicar. Que atitude, eventualmente e de forma imprecisa, pudesse induzir que o jogador se empenhava com pertinácia no jogo, ainda estaria, com algum esforço mental e boa vontade, ao alcance do entendimento da malta. Porém, não será essa a interpretação visto que a atitude está destacada com algum sentido próprio, na proposição. Nesta, seleccionou-se metodicamente: a vontade de vencer, a garra e a determinação. Por outro lado, nalgumas das falas, expressas em letra de forma, atitude está associada ao advérbio de quantidade mais o que faz supor que se tratará de algum medicamento ou suplemento vitamínico potenciador de mais fortaleza física, melhor destreza atlética e maior força de ânimo. Quiçá, alguma misteriosa droga que escapa aos ensaios laboratoriais de detecção de substâncias estimulantes proibidas…
Assim, atordoados com tantas dúvidas, pesquisemos a Semântica e vejamos quais são os significados que a palavra atitude encerra:
1 – posição do corpo; postura; jeito.
Então, se a atitude é isso teremos de nos interrogar qual será a posição, a postura e o jeito que se exige aos jogadores quando se diz que devem ter atitude. E, naturalmente, indagar se devem jogar sentados, deitados, a rebolarem-se no chão, portando-se mal, fazendo gestos obscenos, insultando tudo e todos, jogando com requebros de passos de dança. Se devem tomar atitude de protesto, incorrecta, violenta, indisciplinada, irreflectida e indecente. Ou, pelo contrário, se a atitude deverá ser civilizada, de contenção, de resignação e de alegre confraternização com o adversário.
No fim de contas, algo diferente do que se vê nos campos desportivos em que os jogadores actuam de pé, esbracejam, dão cabeçadas e recorrem a todos os expedientes não só para manter a virgindade da baliza do seu reduto defensivo mas, também, para desflorar desavergonhadamente e à má-fé, se possível, a outra, do adversário. O mesmo se pode afirmar dos políticos que não olham a meios para atingirem os seus fins de aproveitamento pessoal e de exploração da boa-fé e ingenuidade do Zé-Povinho. Por aqui iríamos dar ao espectáculo burlesco e à grosseria e à correlativa depreciação dos profissionais da política. Todos, do futebol e da política, ficavam desclassificados. Nem haveria atitude (qualquer que ela fosse) que lhes valesse em propósito de remissão.
2 – maneira de significar um propósito.
Será que jogadores e pessoas deverão adoptar alguma desconhecida maneira de significar um propósito. Qual propósito assim fervorosamente instigado?
3 – modo de proceder.
Questão posta: Que outro modo de proceder num jogo de futebol, senão jogar com entusiasmo, arte, disciplina, respeito pelo adversário e acatamento das regras?
Ocorre apurar como é possível extrair destas significações do termo (atitude) concordâncias de sentido quando se diz que os jogadores e as pessoas tiveram ou deixaram de ter atitude?
Esta abordagem semântica confrontada com os desvarios linguísticos, acima focados, evidencia várias e graves lacunas no uso da Língua. Também serve de confirmação dos hábitos permissivos da facilidade, da falta de rigor, do desleixo e da lei do menor esforço, que estão na moda. Infelizmente, abrangendo as áreas da aquisição dos conhecimentos e formas de expressão oral e escrita. Outrossim, da prestação de serviços e do exercício profissional.
Enfim: Pedir ou exigir atitude é um disparate. A merecer uma atitude de repúdio.
O uso do substantivo atitude implica que se lhe associe explicitamente a determinante que lhe dará sentido de objectividade e orientação do procedimento. Geralmente, uma coisa e a outra, associadas e concretizadas na forma de estar em sociedade, definem a personalidade da criatura humana.
Fim
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