SARAIVADAS…
Ou as confissões do Arq.º Saraiva…
Brasilino Godinho
Tema: Saraiva, deu uma grande queda…
Introdução - Ao Arq.º José António Saraiva, com toda a consideração que nos merece, transmitimos uma singela advertência: Cuide-se! E sem querermos assustá-lo, dizemos-lhe: Dá-nos a ideia de perseguir um destino de azarado. Mais, ainda, de a incómoda fatalidade se ter acentuado a partir da saída do "Expresso". Até parece "mau-olhado" lançado pelo Dr. Francisco Balsemão. Nesta coisa de feitiços anónimos nunca se sabe de onde eles partem. Se estivéssemos em condições de dar conselhos sobre matéria tão delicada, arriscaríamos recomendar-lhe que fosse à bruxa…
Não há dúvidas quanto à continuação das ocorrências desagradáveis que têm atormentado o cidadão José António Saraiva. Dessa certeza estamos sabedores. Por alta mercê do conhecido jornalista para com os seus leitores; a quem vem prestando regulares informações de natureza pessoal na sua coluna "Viver para contar". O que induz a existência de um drama interior de alguém que sente estar vivendo para contar as suas desditas, ao ponto de insinuar que a sua vida já não tem outros horizontes que não sejam os de partilhar mágoas e desgraças que afectam a sua vida.
Assim, estamos confrontados semanalmente com os seus relatos que designámos por "SARAIVADAS" que, apesar de alguns traços dramáticos, inserem uma ou outra nota picaresca; certamente destinada a amenizar a leitura.
Se bem nos lembramos de tudo que lemos em sede de desgraças de Saraiva no período de um ano, o rol é extenso e elucidativo.
A sucessão dos desagradáveis acontecimentos terá começado com a saída de José António Saraiva da direcção do "Expresso". Depois, veio a excitante aventura do relançamento do "SOL". Este sucesso de Saraiva teve consequências desconfortáveis: colocou-o no regaço da banca da Opus Dei e submeteu-o à tutela da seita fundada por Josemaria Escrivá de Balaguer y Albás. Situação que para ele não será fácil gerir sem se tornar engolidor de sapos bem vivos… Outra vertente desalentadora da má alimentação a que se sujeita Saraiva… (Assunto que citaremos mais adiante, nesta crónica).
A seguir, Saraiva viu-se envolvido na trapalhada de um cartão de crédito não solicitado – o que lhe trouxe amarga desilusão com o banco. Este; pregou ao Arq.º Saraiva uma desaforada partida. Entretanto, o famoso arquitecto-jornalista passou, um tanto imprevistamente, as passas do Algarve para levantar uma encomenda postal.
E quase sem tempo para respirar aliviado de bastantes tensões e chateações teve um desastre de automóvel nas vésperas do Natal. De que resultou a viatura ter ficado muito maltratada – o que obrigou a que fosse enviada de urgência para tratamento operatório na clínica mecânica de estabelecimento digno de crédito, sito algures em Lisboa. Com a agravante que houve peripécias relacionadas com o seguro que Saraiva entendeu não divulgar.
Por outro lado, o Paco embora seja um bom companheiro do Arq.º Saraiva e lhe faça gracinhas, prega-lhe sustos pouco compatíveis com o clima de repousante amizade que deveria permanecer inalterável para benefício mútuo das duas criaturas. Também um pouco incómodo, senão desagradável, a circunstância de Paco causar várias preocupações a Saraiva. É que o Paco não fala e está por descobrir porquê? E há que apurar qual é o modo de Paco articular os raciocínios. Mais: Qual é o nível dos seus sentimentos – uma questão importante porque o Paco já não lhe merece tanta confiança e o arquitecto Saraiva teme que, por milagre, um dia ele, cão fiel, comece a dar opiniões; e, provavelmente, Saraiva passaria a desgostar-se dele, Paco.
Como se tudo isto não fosse suficiente para trazer em sobressalto qualquer cidadão bem comportado e nem desse azo a noites mal dormidas, José António Saraiva, em data recente, deu uma grande queda… Revelando invulgar estoicismo e desusada humildade, ele – no seu relato - não menciona as mazelas sofridas no físico e na alma; mas deu para perceber que ficou bastante combalido.
A grande queda… De todas as peripécias registadas nos últimos tempos em que tem sido fértil o quotidiano viver de José António Saraiva, já tratámos, desenvolvidamente, em crónicas anteriores. Exceptuando a última apontada: a grande queda. Esta, é o tema central do presente artigo.
O texto descritivo da insólita ocorrência que caiu na rifa da pouca sorte do Arq.º Saraiva, consta da sua coluna "Viver para contar" inserida no órgão Tabu. Mas antes da descrição da aziaga queda, Saraiva dá a pequena nota de que não segue à risca o preceito de o pequeno-almoço ser constituído por variadas substâncias alimentícias nas quantidades adequadas a uma nutrição saudável. Saraiva limita-se a tomar um chá e a comer uma torrada. Sentado, a ler o jornal numa pastelaria. Pouquíssimo para uma refeição que deveria ser um acto cultural, de concentração, de mãos livres para a tarefa alimentar e olhar colocado nos produtos comestíveis, com natural dispensa do periódico e de qualquer outro elemento ainda que relacionado com a Cultura. É de considerar que o pequeno-almoço deve ser a segunda refeição mais substancial do dia. E nela, a atenção dispensada em termos de exclusividade anímica. Talvez por essa falta de cuidado na alimentação o conhecido jornalista apresenta o rosto pálido, aquela expressão de tristeza e um certo ar de moléstia.
Aconteceu que, feita a pequeníssima refeição para enganar o estômago, Saraiva parecendo ignorar o facto de se estar alimentando mal e a prejudicar, desnecessariamente, a saúde, dirigiu-se à oficina com o intuito de reaver o carro. Só que este não estava lá: "tinha saído sem ser, sequer, reparado"! Extraordinário! Para além de nem ter sido reparado, o carro tinha saído em viagem (de passeio?) – deduz-se que sem condutor, pelos seus próprios meios, embora avariado. Provavelmente deslocando-se em voo com recurso a artes mágicas. Uma conclusão se tira: é um carro fabuloso a fazer inveja ao concorrente prestidigitador Luís de Matos. Na informação prestada por Saraiva sobressai uma referência interessante à recepcionista da loja. A prestante senhora não atinando com a informação a dar ao cliente, dirigindo-se a Saraiva, "tirou então a única conclusão lógica: - "Então telefone à sua secretária". Tão evidente ou lógica que Saraiva, desconcertante, confessa: "conclusão a que eu, aliás, já chegara". Formidável intuição de Saraiva. Extraordinária reacção tardia, igualmente de Saraiva.
Prosseguindo a descrição o Arq.º Saraiva refere que se dirigiu a outra oficina e que foi difícil localizá-la. Porquê? "Porque os nomes das ruas não são visíveis" e teve de "andar às apalpadelas". Convenhamos: uma estranha forma de caminhar. Incómoda. Aborrecida. Perigosa. Quanto à invisibilidade dos nomes das ruas, trata-se de uma novidade. Um índice de modernidade da cidade alfacinha. Lisboa já tem ruas com nomes invisíveis. A quem se deve tão surpreendente invento de natureza urbanística? A Santana Lopes? A Carmona Rodrigues? O Arq.º Saraiva regista o facto, mas não fornece quaisquer explicações.
Chegado à oficina localizada numa "floresta de portões, barracões, rampas, letreiros", deparou-se com o automóvel em situação de repouso: estacionado à entrada. Foi um encontro algo comovente. Não tanto "como seria com o Paco". Deu para Saraiva ficar consolado.
E vamos à queda… Uma grande queda… Saraiva caiu no conto do vigário!
Como? Ele explica: Decidido a meter gasolina no carro, parou numa estação de serviço. Acto contínuo, estacionou ao lado um Mercedes cujo condutor o interpelou pelo seu nome. Estabeleceu-se um diálogo com uma certa vivacidade, grande eloquência e poder de persuasão da parte do interpelante, enquanto Saraiva "assistia a tudo, atónito". Mais grave e deveras circunstância embaraçante para o interlocutor Saraiva: "não percebia o que estava a acontecer". E enquanto o diabo esfregava um olho, Saraiva viu-se na posse de um casaco de homem e de outro de senhora, ambos depositados na bagageira do seu carro. Casacos fornecidos a título gracioso e por amizade, mediante a simples oferta de "qualquer coisa para liquidação do IVA". Mal-grado seu, "alguma relutância, estranhando e escandalizado", Saraiva, generoso quanto bastou para afirmar o seu espírito de pessoa condescendente e afável, pegou na carteira, tirou cinco notas de 20 euros e passou-as para as mãos do seu amigo da onça "antes de ele se meter no carro e arrancar velozmente". Diz-nos o Arq.º Saraiva que, nesta altura, suspeitou "de que poderia ter caído no conto do vigário". Também, não despiciendo o facto de Saraiva, no trajecto de regresso ao lar ter pensado maduramente no caso até chegar ao apropriado ponto de vista, tal modo conclusivo que, lá chegado, "já não tinha dúvidas de que fora enganado". Momentos depois teve "uma surpresa: os casacos eram mesmo casacos!"; cujos preços de venda serão 15 euros cada. "A imitar pele. A etiqueta, porém, revelava o pecado original: a origem chinesa".
A concluir, Saraiva escreve: "Embora mantenha grande estima pelo meu automóvel, tenho de reconhecer que ando azarado".
Certo que Saraiva tem razão: anda azarado. O que não percebemos é o tom enigmático com que evoca o seu estado de espírito de "manter grande estima pelo meu automóvel" e o anteponha como factor de reconhecimento do seu percurso de azares. Mistério… do misterioso Saraiva.
Fim
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