As
inundações em Lisboa
Urge
conhecer as causas
Brasilino
Godinho
O
que se passou ontem em Lisboa, o clima de aflições, e os prejuízos
provocados pelas inundações ocorridas entre as 14 e as 15 horas,
obrigam-me a interromper o meu jejum de escrita.
E
a razão é que as ocorrências das cheias em Portugal sucedem-se
sempre com os mesmos efeitos destruidores e não se encara seriamente
a problemática que as envolve e o desleixo das entidades oficiais a
quem cumpre zelar pela coisa pública.
Mais
acrescento a nota pessoal da indignação que sinto sempre que se
verificam tais situações dramáticas.
É
que já perdi a conta ao número de anos decorridos desde que, pela
primeira vez, escrevi uma crónica sobre o grave problema das
inundações. Desde então tenho escrito bastante sobre o tema.
Num
telejornal da noite de ontem, passou uma peça de reportagem que,
sendo caricata, também era elucidativa da incúria das autoridades.
Na imagem de uma via pública onde a massa líquida teria quarenta
centímetros de altura e o caudal atingia alta velocidade, via-se um
homem que, empunhando uma vara, tentava, em atitude aflitiva,
desentupir uma sarjeta submersa – a jornalista deu mesmo essa
informação de natureza operacional.
Pois,
assim se fez a elucidativa demonstração do cerne da questão das
inundações citadinas. Uma eloquente peça televisiva sobre a
incompetência e incúria de certos serviços da administração
pública.
Vejamos.
Sabemos
que as variações climatéricas propiciam fenómenos de extrema
gravidade. A natureza está frequentemente a surpreender-nos. E se
não podemos prever e enfrentar em segurança de vidas e de bens as
tempestades, cumpre às autoridades e aos serviços de protecção
civil prepararem-se para nas horas dramáticas actuarem com eficácia,
minimizando os estragos.
Mas
no que concerne ao grande problema das súbitas e devastadoras
inundações nas povoações, tem faltado a competente e diligente
actuação das autarquias nos domínios da previsão, da
permeabilidade dos solos e da elaboração dos projectos, da
construção e da manutenção das redes de saneamento básico.
De
facto, a gravidade das causas do problema não se circunscreve
somente aos efeitos devastadores das chuvadas
críticas que acontecem
imprevistamente. Ela
radica num tempo anterior e dependente
da seriedade e competência com que se procede nas fases de projecto,
construção e manutenção das redes de esgotos. Ou seja, quando se
elaboram os projectos das redes de esgotos de um aglomerado e se deve
aplicar nos cálculos de dimensionamento dos calibres dos colectores
os valores das previsões dos caudais admitidos como os mais elevados
que ocorrem numa situação extrema e tendo em conta os índices de
pluviosidade apurados pelo Instituto Meteorológico nas respectivas
bacias hidrográficas Depois na construção deve haver o cuidado e
rigor no cumprimento do projecto. A partir da entrada em
funcionamento da rede de esgotos deve haver a prática continuada do
desentupimento das sarjetas e das acções de limpeza e desobstrção
efectuadas nos colectores a partir das câmaras de corrente de varrer
e das câmaras de visita.
É
precisamente na aplicação destas básicas regras aqui enunciadas
que têm falhado os serviços públicos relacionados com o saneamento
básico das populações. O que geralmente acontece por vários
motivos que podemos elucidar sucintamente.
Em
primeiro lugar, por incompetência ou cedência dos projectistas
sujeitos a pressões das autarquias para reduzir os orçamentos das
obras - o que é feito com perdas de qualidade e deficiência no
funcionamento das redes que acabam por serem projectadas e
construídas com manilhas de menor calibre do que estaria indicado e
dando azo a que em situações de chuvadas
críticas não dão escoamento aos
caudais que a elas afluem – vejam-se as reportagens televisivas em
que as ruas mais parecem rios caudalosos.
Depois,
já em tempo de construção, sucedem-se alterações nos
dimensionamentos dos colectores e na distribuição das câmaras,
quer por falta de fiscalização, quer por imposições de natureza
económica – procurando-se fazer muito com pouco dinheiro.
Após
a data de entrada em funcionamento da rede de esgotos, por via de
regra, nem serviços técnicos, nem presidente da autarquia, nem a
câmara de vereadores, se preocupam com a manutenção periódica do
sistema de esgotos.
Outro
factor importante tem a ver com a intensa impermeabilização dos
solos que se vem processando nas cidades e vilas de Portugal. As
autoridades municipais mostram-se alheadas da gravidade desta
situação que um dia, como sucedeu ontem em Lisboa, surge em toda a
sua enorme dimensão.
O
que deixo expresso nesta crónica é o quadro impressivo de uma
realidade sempre escamoteada pelos poderes públicos e pela
comunicação social.
Por
último, formulo três observações:
-
No final dos anos cinquenta entidades superiores de Lisboa afirmavam
que estava em curso de elaboração o projecto das redes de esgotos
da Av. 24 de Julho, de Alcântara e da baixa pombalina e que, dada a
amplitude do seu dimensionamento, estava garantido o regular
escoamento das águas pluviais. O que vemos quando há uma chuvada
não muito exagerada naquela zona lisboeta? Cheia, pela certa.
-
Há cerca de dez anos aconteceu o incrível em Aveiro: uma inundação
na zona alta da cidade. Escândalo, convenientemente abafado…
Os
serviços responsáveis mantiveram-se impávidos, sem tugir, nem
mugir. Comentei o facto numa crónica. Os dirigentes camarários
assobiaram para o lado…
-
Para que não se diga que falo por falar, devo afirmar que foram
construídas em diferentes localidades deste país redes de
saneamento básico projectadas sobre a minha orientação, que têm
funcionado com regularidade. Jamais (e com muitos anos de
existência), nos respectivos locais, houve ocorrência de inundações
devidas a deficiente funcionamento dessas redes de esgotos.
Para
que conste!...
Fim
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Página Principal