Ao compasso do tempo…
TRÊS PERSONALIDADES
DISTINTAS E INCÓMODAS…
Brasilino Godinho
brasilino.godinho@gmail.com
http://quintalusitana.blogspot.com
01 - Em continuidade da nossa anterior crónica “Cuidado com o talento… Ele quer-se em “boas mãos…” hoje, aqui, e sob esta rubrica, vamos ilustrar as considerações nela formuladas com o registo de três personalidades que marcaram posições de destaque nas suas respectivas áreas profissionais. Qualquer delas com a particularidade de não possuírem formação universitária. Enquanto a primeira, natural da Suíça, não teve grandes dificuldades em singrar na sua profissão; a segunda, negra, sul-africana teve um doloroso percurso de vida, devido às restrições impostas pela segregação racial estabelecida pelo regime do apartheid; e a terceira, portuguesa, enfrentou dificuldades até que a partir de 1966 encetou a carreira de escritor que a guindou a uma elevada posição na literatura portuguesa contemporânea.
02 - Começamos por Charles-Édouard Jeanneret-Gris, mundialmente conhecido pelo pseudónimo de Le Corbusier. Nascido na cidade La Chaux-de-Fonds, na Suíça, frequentou a escola de artes e ofícios da sua terra natal. Mais tarde aos 29 anos de idade transferiu-se para Paris. Nunca frequentou uma escola superior de Arquitectura. Por isso se tornou um homem muitíssimo atrevido e escandaloso para todos quantos ciosos dos pergaminhos académicos não o consideravam digno de se apresentar como arquitecto. A valia das suas actividades nas áreas da Arquitectura e Urbanismo impôs-se tão categoricamente que, no século XX, era consagrado como o pai da arquitectura moderna.
Vem a propósito sublinhar um aspecto relevante: precisamente, o da ventura do famoso arquitecto Le Corbusier não ter nascido em Portugal - o país de tão “brandos costumes” e tacanhas mentalidades que nele cabem as maiores intolerâncias, as esplêndidas segregações e… as absurdas doutorices devidamente certificadas, muitas vezes com o brasão da estupidez e o selo de garantia da ignorância. Se nascido e criado aqui, nesta malfadada parcela do continente europeu, Le Corbusier teria ido à vela…
Veja-se só o terrível desacerto formal: um não arquitecto guindado a lugar cimeiro do panorama arquitectónico mundial, em plena época da modernidade.
03 - Prosseguimos com a referência ao sul-africano, negro, Hamilton Naki, médico cirurgião de extraordinária categoria. Integrou como n.º2, a equipa de Christian Barnard que efectuou o primeiro transplante de coração, em Dezembro de 1967; do qual beneficiou Louis Weshkanky.
Ele, Naki, frequentou a escola até aos 14 anos. Empregou-se como jardineiro da Escola de Medicina da cidade do Cabo. Durante o regime do apartheid a sua actividade de médico clandestino no hospital foi ocultada do grande público. Era o melhor professor, dava aulas a estudantes universitários brancos, mas por ser negro ganhava como técnico de laboratório. Com a mudança de regime foi condecorado e a Escola de Medicina atribuiu-lhe o diploma de médico honorário.
Hamilton Naki, um médico sem diploma académico, morreu aos 78 anos de idade, no mês de Maio do corrente ano. A imprensa internacional não deu notícia do seu passamento. Percebe-se o alcance da omissão. O seu exemplo é susceptível de desestabilizar sistemas de desgoverno e de exploração do ser humano.
04 - Terminamos com a referência ao escritor José Saramago. Nasceu na aldeia de Azinhaga, concelho da Golegã, no seio de uma família humilde. Tirou um curso industrial e não frequentou qualquer universidade. Conseguiu a proeza de alcançar o Prémio Nobel de Literatura. Em Portugal, o facto pareceu escandaloso e ainda hoje causa engulhos nos sectores retrógrados da sociedade portuguesa.
E os zeladores das prerrogativas académicas, considerando-se humilhados e ofendidos, não se conformam. Interrogam-se: Como foi possível atribuir o galardão Nobel a um autodidacta português? Quando havia por aí tantos doutores que ficaram a chuchar no dedo.
Pela nossa parte, para fazer pirraça àquela gente despeitada e invejosa e sem menosprezar os apoios dos numerosos e influentes amigos do escritor, admitimos que o respectivo sucesso terá sido conseguido através dos meios próprios de divindade com grande poder sobrenatural e de âmbito universal… ou seja fora das leis naturais.
05 - Observação final
Todas, as três personalidades, se identificam com um traço comum: suscitaram invejas e aversões que muito lhes complicaram as vidas.
Mais: Le Corbusier, Naki e Saramago, fizeram a demonstração que a “Universidade da Vida” – desde que bem frequentada por seres inteligentes, com superior aproveitamento cultural e elevada apreensão do Conhecimento em diversas áreas, num cúmulo de predicados adquiridos pelo labor, pelo estudo e pelas experiências praticadas ao longo dos tempos de suas existências – é, seguramente, uma excelente escola de formação e ombreia em pé de igualdade com as universidades do modelo clássico e oficial de Ensino. A propósito, interroguemo-nos: Nalguns casos, não suplantará?
No nosso país – ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos da Europa (por exemplo: Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia) - as universidades e o Estado não valorizam as pessoas capazes e sabedoras. Quanto julgamos saber só a Universidade dos Açores acolhe no seu meio os idosos de relevantes méritos que desejam qualificar oficialmente seus saberes com a aquisição do grau de licenciatura. Também, por este prisma se aquilata dos atrasos sociais, culturais e cívicos, que medram em Portugal.
Daqui saudamos e aplaudimos a Universidade dos Açores!
(Esta crónica foi publicada na edição de terça-feira, 02 de Setembro de 2008, do “Diário de Aveiro”, no blog http://quintalusitana.blogspot.com e distribuída pela Internet).
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