Ao compasso do tempo…
“NÃO BAIXEM OS BRAÇOS”…
NEM AS PERNAS,
TÃO-POUCO A CABEÇA…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
01 - Há a convicção generalizada a todo o país que os órgãos da Comunicação Social, jornais, revistas, rádios e televisões, ditos nacionais, convivem em promiscuidade com os detentores do Poder e os comparsas do mundo político. Daí que apesar de todas as reservas que, às vezes, se põem relativamente às notícias transmitidas, umas tantas destas são facilmente aceites; tais como as referências de realidades mais ou menos evidentes. Por exemplo: quando jornais e televisões nos querem convencer que Aníbal Cavaco Silva é um presidente da República atento e obrigado, a malta acredita. Diz: Ámen! Expressão apropriada porque até se ajusta à componente religiosa da alma do antigo professor da Universidade Católica, Aníbal Cavaco Silva.
Nas últimas semanas o presidente Aníbal Cavaco Silva tem dado provas de acompanhar com desvelo a situação do País e o estado de espírito da maioria dos seus compatriotas. Percebe-se que não lhe escapa a apatia, a desilusão e os transtornos de vida de tantos milhões de portugueses e o que isso pode redundar em descrédito da classe política e em perigoso agravamento do actual clima de repúdio e indignação. E tão preocupado parece estar o presidente que veio a terreiro proclamar: Portugueses, portuguesas, não baixem os braços! (Aqui, entre nós: Cavaco Silva terá sido instrutor de ginástica?...).
Pois é à luz do conhecimento desta inquietante situação de desgaste económico-social – uma das várias que temos sujeição de convivência - e à claridade da subtil mensagem contida na solene advertência presidencial, que hemos diligência de melhor a interpretar, para dela extrairmos ensinamentos e proveitos. Se bem compreendemos a mensagem da presidencial figura ela quis, com a magnífica agudeza de espírito que caracteriza o seu discurso habitual, que os portugueses se mantenham de braço erguido saudando os mandantes do País e os executores políticos. Por certo, Cavaco Silva lembrando-se dos desgraçados que, no Coliseu de Roma ao serem lançados às feras, se dirigiam ao imperador em termos de reverência: Ave César! Os que vão morrer te saúdam!
Claro que nem é muito linear a analogia com a situação dos modernos lusitanos. Mas lá que muitos de nós estamos sendo atirados para o largo mar dos grandes tubarões onde ficamos expostos à sua voracidade, não surgirão dúvidas ao gentio do caseiro meio ambiente em que nos movemos. Todos temos consciência de tal tragédia. E o presidente Cavaco parece insinuar que devemos sorrir e recomenda elevarmos os braços em saudação aos nossos carrascos que, ostensivamente, nos fazem a vida negra. Isto referido pelo lado do trágico que nos amarfanha e nos arrasta para o abismo da perdição.
Mas por outro lado - a outra face benigna da moeda - ainda bem que o presidente teve a feliz ideia e suprema gentileza de convocar os portugueses a não baixarem os braços. Antes isso do que baixar as pernas, arriscando a esquisita posição de cócoras. Certamente ficávamos paralisados. Já não podíamos correr atrás dos políticos nas feiras e nas romarias a apanhar as canas dos foguetes que são atirados ao ar, nessas festivas ocasiões que divertem e descontraem o povo e, sobremodo, animam as soberbas individualidades assim idolatradas. Sobretudo, era uma pena não se poderem bater palmas, muitas palmas, com grande desenvoltura e frenesi. Igualmente, estaríamos impossibilitados de rapidamente nos afastarmos sempre que surgisse por perto o ministro mal-encarado, patrão das polícias. De nada nos valeria gritarmos: Ó da guarda, acudam! Vem aí um mafarrico que traz consigo o mau-olhado da nossa desgraça…
Também se entenda que o presidente luso sabe que as pessoas com os braços descaídos nada podem fazer. Perspicaz o presidente já se deu conta que os braços das pessoas dispõem de mãos providas de dedos nas extremidades, com que se agarram as coisas e que sem os movimentos daqueles membros superiores é impossível fazer algo. Deveras impressionante a percepção do presidente de que braços pendentes, relaxados, são um empecilho que não favorece o desenvolvimento sustentado do indígena, a inoperacionalidade do (des)Governo, a satisfação dos políticos e - eureka! - as acções das polícias, principalmente quando os respectivos agentes se passeiam de giro nos bairros problemáticos de Lisboa e Porto ou investem contra assaltantes de bancos.
Outra faceta relevante do alerta presidencial tem a ver com o expediente de muitos figurões que dantes metiam o pé na poça fedorenta e, agora, nela já vão metendo ambas as mãos. Trata-se de uma prática nojenta que, naturalmente, repugna à mente do alto magistrado da Nação. Portanto, sem dar ênfase à questão para que em Bruxelas não se pense que somos uma nação de corruptos, desavergonhados e malcheirosos, o presidente Cavaco disfarçou o melindre da abordagem, limitando-se a recomendar: Não baixem os braços! Tão simples! E eficiente! Está salva a honra do convento lusitano. À maneira de uma cajadada que mata vários coelhos…
No entanto, houve grave lacuna na intervenção do presidente Aníbal Cavaco Silva: esqueceu-se de dizer que os portugueses não devem baixar a cabeça… imitando os cavalos ao fazerem cortesias na arena da praça de toiros. Acima de tudo, seria pura precaução. Mas justificava-se: para evitar que alguém encurvasse mais a coluna, tendo-a já torta… e chafurdasse a tola na repelente trampa.
02 – Esta crónica prossegue um sério, embora discreto e complexo, objectivo: O de pôr a malta de sobreaviso para a necessidade de habituarmo-nos à linguagem cifrada do presidente Cavaco Silva. Sua Excelência expressa-se de maneira muito pessoal. Tão distinta é a linguagem que exige dos portugueses esforços de apreensão dos sentidos das interessantes falas presidenciais e redobrados trabalhos de interpretação dos significativos gestos e programadas (quiçá, ensaiadas) atitudes do chefe do Estado.
Deve assinalar-se que a exigência presidencial, aqui focada, releva importante e profundo alcance pedagógico num tempo de sorte malvada em que tudo se determina pela facilidade e a cujo compasso mais se acentua a tendência para dispensar as criaturas portuguesas de lerem com vagar e atenção, de saberem ouvir, de melhor pensarem, de trabalharem com afinco, de estudarem com diligência, de discutirem os temas com real interesse, de serem rigorosos nas avaliações das políticas adoptadas pelo (des)Governo e de adquirirem o espírito crítico alicerçado no Conhecimento, na Cultura e na Educação.
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