Um texto sem tabus…
DÉFICE DEMOCRÁTICO NA MADEIRA?...
E NO CONTINENTE?...
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
1 - Quando esta crónica for publicada já se conhecerão os resultados das eleições na Região Autónoma da Madeira. Não se esperam novidades. Decerto, ficará “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Igualmente, vamos conservar a recordação do tempo perdido com querelas partidárias. Também, a memória e as consequências dos gastos de milhões de euros que deveriam ser aproveitados em real benefício da sociedade madeirense.
Tratou-se de um invulgar desatino que teve um responsável: Alberto João Jardim.
O caudilho madeirense quis mostrar que possui força, prestígio e poder de decisão pessoal, dispondo da faculdade de arrastar atrás de si tudo e todos: amigos, companheiros, lacaios subservientes, devedores de atenções, beneficiários de mordomias e adversários. Outrossim, obter o reconhecimento do povo da Madeira pela onda de progresso registado nos últimos decénios.
E se isto parece linear, no entanto tudo aquilo que caracterizou o desenrolar da campanha eleitoral configura uma prática inqualificável de desvirtuamento do exercício democrático por parte da força política instalada no Poder, com relevância especial para o chefe da secção regional do Partido Social Democrático, o inconfundível Alberto João Jardim.
Com o expediente autoritário que se lhe conhece o presidente do Governo Regional não regateia meios para atingir os seus fins eleitoralistas e de apropriação legal do Poder.
Contrariado pelos estrangulamentos orçamentais impostos pela política do governo nacional, Alberto João Jardim alegando exagerada limitação de meios financeiros para continuar implementando o desenvolvimento da Madeira, demitiu-se para provocar novas eleições. Às quais se candidatou com o propósito de alcançar uma esmagadora vitória. Na sua perspectiva, uma vez ela alcançada, ficaria com mais espaço de manobra e maior autoridade para se opor aos “cubanos” de Lisboa.
Uma grande contradição de Alberto João Jardim resulta do facto, revelado na imprensa, de ter gasto milhões de euros com a propaganda da sua candidatura a uma eleição provocada sob pretexto de falta de recursos financeiros na Madeira. Este aspecto não passou despercebido a Paulo Portas durante a sua estadia no Funchal, em pleno período da campanha eleitoral.
Para além dos espectáculos de folclore, das diárias inaugurações de obras em que o governante se confundia com o candidato segundo um registo de transgressão do princípio ético de separação de funções e dos excessos de linguagem ofensivos para os adversários locais e políticos de Lisboa, houve um episódio bastante elucidativo da forma como Alberto João Jardim entende o exercício da chefia do governo regional. A modos de: Quero! Posso! Mando! A vontade dele é soberana. Aliás, ilustrada com a provocação das eleições.
Foi o caso reportado pelas televisões em que, sem qualquer embaraço, informou os circunstantes de estar no momento e naquele lugar a inaugurar “o caminho da Maria”. Uma via rodoviária com duzentos metros de extensão. Para servir de acesso à residência da Maria que fora sua empregada doméstica e que lhe ajudara a criar os filhos. Ela pedira-lhe a construção do caminho e ele, em gesto de reconhecimento, acedera ao pedido e… portanto, ali estava a obra. Vejam só: o governante Alberto João Jardim paga as dívidas de gratidão e os laços afectivos com os dinheiros do Erário. No antes, durante e depois do inusitado evento, ninguém fez reparo ao aspecto insólito do facto relatado. Também nenhuma entidade objectou. Dir-se-ia a coisa mais natural do Mundo. O Zé-Povinho da Madeira já interiorizou (e as autoridades regionais e do Estado aceitam passivamente) que Alberto João é o dono da Quinta Madeirense. Se esta lhe pertence, pois faça dela o uso que bem lhe aprouver. Bonito de observar a olho nu… Reconfortante de ouvir… Lição magnífica de uma coisa que evidencia o ilimitado patamar até onde pode chegar a desfaçatez…
O que aquela inauguração representou? Que Alberto João Jardim confunde as funções oficiais de chefe do governo regional com os interesses afectivos e familiares. Perante as câmaras de TV o disse. Sem papas na língua. E a segurança de quem é dono e senhor da administração pública. Podendo, até, utilizar discricionariamente os dinheiros dos contribuintes em aplicações do género: “caminho da Maria”.
Ora por gestos destes e pela intempestiva realização do sufrágio directo se pode concluir que há um défice democrático na Madeira. Exibido pelos detentores da governação. À vista de toda a gente. Sem receio de nada, nem de ninguém. Sem pudor. Com muita falta de ética. Associado a bastantes abusos de autoridade. Reflexo de inúmeros usos de exploração de situações de dependência económica. Nem esquecendo as constantes prepotências. Quase tudo visto, lido, comentado. Referido nos jornais, nas rádios e nas televisões.
Com uma surpreendente ressalva citada na Televisão. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, veio agora dizer que não há défice democrático na Madeira. Porquê? Porque o Partido Comunista Português está obtendo mais votos dos eleitores madeirenses à medida que vão sucedendo as eleições. Conclusão brilhante… A nota de pluralidade em falta na Madeira, há muito tempo… Que terá cativado o Alberto João Jardim…
2 - É assim na Madeira. E aqui, no continente, como é?
Sejamos objectivos. Neste território que abarca a grande Lisboa e o resto da paisagem para aquém da região alfacinha, sucede algo semelhante em todo o vasto sector político-administrativo.
Certamente, com algumas diferenças, outros desencontros e manifestos desencantos da malta sofredora.
Enquanto na Região Autónoma da Madeira há um senhor todo-poderoso que tudo se permite porque é ele que, na prática, detém o Poder e é, de facto, que não de direito, o dono da Quinta Madeirense; neste nosso rincão pátrio existem várias entidades que, igualmente, recolhidas nos templos das suas devoções, escolhem, mandam e impõem o modus faciendi de fazer política, gerir o Estado e regular a Nação. Precisamente, formulam orientações e implementam práticas em harmonia com os seus obscuros interesses.
Porém, de cada um dos demoníacos mentores e de muitas personalidades envolvidas na dramática política da governação em curso, não há notícias, nem se lhes conhece o rosto e a identidade. Embora, proliferem os testas-de-ferro, os capatazes e os jagunços… por demais conhecidos e badalados os primeiros e incógnitos os últimos referidos.
Mas se o Jardim da Madeira é truculento, exibicionista, demagogo, obstinado, incontinente na linguagem, esbanjador no exercício das funções oficiais, praticante de nepotismo, abusador do clientelismo e será responsável pelo famigerado défice da vida democrática na região; os “Jardins” continentais andam por aí escondidos, disfarçados e incólumes. Assim procedendo, mostram-se cobardes – uma falha de carácter que não cola na imagem pública de Alberto João Jardim. Esses imitadores envergonhados do madeirense Jardim são responsáveis por idêntico défice democrático no continente. Só que manhosos e discretos fazem o mesmo e pior, com recurso a refinadas e complexas artes de censura, de encobrimento, de hipocrisia e dissimulação. No contexto da sociedade portuguesa são mais perigosos e causam mais danos à Democracia e à Nação. Porque agem sem espalhafato e acutilam pela calada com extrema agressividade. O povoléu apanha pancadas a torto e a direito sem perceber de onde elas caem e sem conseguir identificar os agressores. O Jardim da Madeira leva-lhes vantagem no protagonismo. É frontal. Não se refugia no anonimato. E apesar da barafunda em que se tem envolvido… fez obra. Verdade que com muitas lacunas na qualidade de vida das gentes mais humildes da Madeira.
Por isso, é que clamando contra Aberto João Jardim os políticos da praça alfacinha vão disfarçando o incómodo de aturarem o “rei da Madeira” e assobiam para o lado sempre que ele aponta os “tiros” de pólvora seca sobre a rapaziada de Lisboa.
Enfim, lá e cá os fados do desconforto e do infortúnio são análogos e… convergentes nos consabidos resultados.
Todavia, aqui, neste pequeno rectângulo da península ibérica, as desgraças e os estragos, para além de diversificados, acumulam-se… como os resíduos nas lixeiras - tornando-se muitíssimo mais incómodos e complicados…
3 - No quadro das relações entre o continente português (talvez melhor considerar Lisboa) e a Madeira está latente a velha questão da autonomia ou independência, suscitada pelos madeirenses. É uma realidade. Não vale a pena ignorá-la. Tão-pouco, fingir que não existe. Sequer, adiar indefinidamente a solução do problema. Urge encará-la de frente. Com rigor e determinação.
É imprescindível que a população do arquipélago tome uma decisão. E faça a opção que julgar melhor servir os seus legítimos interesses: manutenção do fraterno laço a Portugal como região autónoma ou a independência.
Os governos central e regional que se entendam quanto à realização de um referendo. Este, exclusivamente aberto ao eleitorado madeirense.
Acabe-se com este jogo de acusações, disputas mesquinhas, recriminações e ressentimentos. Chega de confusões, de balbúrdias e hostilidades mais ou menos abertas ou encapotadas.
Vive-se uma situação dúbia que mina a coesão nacional e é, a todos os títulos, prejudicial às respectivas populações.
Por uma vez, em definitivo, neste sensível domínio da maturidade cívica, os madeirenses façam livre escolha.
Fim
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