08 de Setembro de 2020
É FREQUENTE OUVIR-SE:
- “QUEM SOU EU PARA JULGAR OS OUTROS”?
Apetece responder: PESSOA INSIGNIFICANTE!...
01 - “Quem sou eu para julgar os outros” é uma expressão corriqueira sem qualquer sentido de ordem prática e vazia de subjectividade relacionada com sérias preocupações de higiene mental, de rigor formal e de aptidão ética.
Também, prova da incultura que grassa nos tempos actuais em que tudo se manifesta pela rama, numa linguagem de quase total impropriedade de termos e significações; quase sempre apoiada em expedientes idiotas e cínicos - muitos deles, reveladores de uma total fuga às responsabilidades, de negação dos comportamentos cívicos e de desprezo pela língua pátria.
Igualmente, uma observação que, nalguns casos, releva de três equívocos. O primeiro, o da pessoa julgar que assim preserva ou afirma a sua humildade. Pela certa, que evidencia um complexo de inferioridade; quiçá, falsa modéstia que há que denunciar e condenar. O segundo, o de supor que, deste modo cauteloso, ao formular apreciação aparentemente neutra e inconclusiva sobre as questões em discussão, impõe aos interlocutores a sua (pretensa) superioridade moral. O terceiro, que consegue ficar de bem com Deus e com o Diabo…
Quer dizer: existe uma generalizada tendência para os indivíduos não tomarem, sobre si, as responsabilidades pelos seus actos. Agem como se fossem seres amorfos determinados pelo oportunismo e pelo jogo dos interesses julgados mais acessíveis ou favoráveis. De maneira que tais sujeitos constituem-se medíocres actores espalhados pelo imenso teatro das nossas trapalhadas, através do qual se entretém a representar papéis de fingimento em desconformidade com valores importantes da esfera individual e da vida colectiva. Valores que incorporam a transparência e lealdade nos relacionamentos e a aplicação das normas de civilidade implícitas num salutar convívio em sociedade.
E são tantos (aos milhares) os maus actores espalhados pelo território nacional que, por tão desclassificados, negligentes e fastidiosos, induzem a ideia de serem a causa da crise que atravessa o nosso teatro (de comédia, de revista, de pantomina, de farsa e… de natureza política). É que, antigamente, havia um reduzido escol de actores profissionais, formados no Conservatório Nacional e no Teatro D. Maria II, que faziam escola e se impunham pela sua arte – o que também se alicerçava na exigência de qualidade no exercício da profissão, ao tempo, prevalecente no meio artístico. Agora, com a globalização da mediocridade e da facilitação, o bom teatro perdeu espaço e influência e os “artistas” amadores, ignorantes mas atrevidos e astutos, rapidamente ocuparam a cena teatral... apesar do repúdio generalizado dos portugueses que vão abominando os deploráveis espectáculos que se sucedem numa cadência diabólica.
No entanto, há boas peças de programas ideais para preencher reportório de uma época de grande êxito. Mas faltam os mestres de cena e os excelentes actores. Daí, o regabofe, o destrambelhamento e o descalabro do teatro amador, exibicionista e obsceno, que está aí para sujar e durar…
02 - Sem dúvida que, pela habituação aos espectáculos da nossa decadência, muitos de nós, portugueses, estamos conformados com a situação. Não ocorrem notórias reacções.
Tão arreigadas estão a apatia e a disfunção no tecido social e disso tendo a arreliadora experiência, que nem houvemos surpresa face a uma observação de uma pessoa amiga que - preocupada pelo eventual não reconhecimento, por parte dos leitores, do serviço cívico atribuível ao trabalho da escrita para o público - nos advertia: Nem se arvore em juiz para castigar todos os infractores, pois como muito bem diz o ditado popular “cada povo tem o governo que merece”
Esta observação suscita alguns comentários. Começamos pela parte final. Aqui, a citação referindo “ditado popular” peca por defeito… e erra clamorosamente. Não se trata de sentença popular. Mas sim da tradução avulsa da célebre frase do filósofo francês, ultramontano, Joseph-Marie Maistre: “Toute nation a le gouvernement qu’elle mérite” (Toda nação tem o governo que merece).
O autor da frase, arreigado idealista do ultramontanismo, embora filósofo, ao conceber tal frase, teve em vista o imediato alcance político que, da sua divulgação, adviria em hipotético benefício da causa ultramontana que advogava com o maior empenho e publicidade. Porém, deixou-se levar pelas aparências e pela facilidade de aproximação ao que é superficial e primário.
Pela parte interpretativa que em sede portuguesa a ela se lhe pretenda atribuir a simplista aplicação, desde logo, sobressai a total inconsequência e nulidade. Pela simples razão de que ainda hoje o povo não tem capacidade para analisar e ir ao fundo das questões. Muito menos, poder, força e meios para inverter as situações a seu favor – o que é da suprema conveniência dos poderes que dominam Portugal. Por isso, o Zé-Povinho não deve ser responsabilizado pelas consequências das políticas que desmesuradamente o atingem. Ele não merece os incompetentes governos que se vêm sucedendo, nem aquilo porque estamos passando. Não lhe coube a ele ser fautor do actual estado de coisas.
Sim, ele é a grande vítima. Num estádio que ultrapassa o seu entendimento e transcende a sua, ainda, intransponível condição de subproduto cultural da nossa sociedade. O povo nada alcança para contrariar a situação. Que pode ele contra as poderosas forças (partidos, seitas, organizações secretas, alta finança, multinacionais, mafias, “donos disto tudo” etc,) que o mantém confinado nos vários analfabetismos: primário, funcional e cultural?
A propósito, intercalamos um reparo. Escusam certos intelectuais de Lisboa fazerem exercícios muito elaborados sobre esta matéria. Porquê? Certamente, porque não conseguem iludir a essência do problema em causa.
Pessoas desligadas da alma popular, sem o profundo conhecimento do assunto e afastadas do convívio com o Zé-Povinho, não absorvem os fundamentos desta questão que, levianamente, abordam de forma superficial, de todo incompatível com a sua grande importância. Também nem ousam ultrapassar o diletantismo. Nele se contemplam. Talvez com proveito próprio. Seguramente, sem utilidade para o povo sofredor; mas para agravamento dos males a que ele está continuamente sujeito.
03 - Quanto ao Brasilino Godinho se arvorar juiz e uma vez que há longo tempo mantém diálogo com os leitores, ele anota, sem prosápia, com pleno sentido da realidade, que nem se arvora… porque, desde que se conhece como ser pensante, tem sido toda a vida um juiz exigente e rigoroso. Primeiro, como juiz dele próprio, a todos os momentos ajuizando dos seus comportamentos; desta forma, respeitando-se na qualidade de cidadão consciente e responsável. Depois, ao formular críticas e opiniões, juiz dos outros no cumprimento dos deveres de cidadania e de respeito para com o próximo e ao serviço da comunidade que integra. É um direito e um dever de que não abdica, consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Claro, que não é juiz de beca e toga. Muito menos, produz sentenças de amarração ao pelourinho, de prisão e de morte. Sequer, move processos de intenção a quem quer que seja. E esta maneira de estar em sociedade não colide com a liberdade dos seus leitores discordarem das suas apreciações. Aí, seus contraditores ditam as suas “sentenças” que, naturalmente, aceita como expressão da prerrogativa que lhes assiste de pensarem de maneira diferente.
O articulista, Brasilino Godinho, preocupa-se em comentar políticas, factos, procedimentos. Sobretudo, referenciando figuras e eventos públicos, sem se determinar pelas cores partidárias, pelos credos religiosos e pelos conceitos de segregação racial.
E isso é inevitável. Nem se deve estranhar. Quem anda à chuva molha-se. Pois quantos exercem cargos que, de algum modo, interferem com as vidas e os legítimos interesses de terceiros, têm que se sujeitar às avaliações dos seus semelhantes.
Por isso, igualmente, Brasilino Godinho, que emite juízos por várias áreas, é julgado. Julgamento, mesmo consequência derivada de se expor na praça pública. É o ónus a pagar pelas actividades literárias e pelas intervenções cívicas que vem exercendo.
04 - Aliás, desde a infância, no seio da família, na escola, no emprego, na comunidade, a todos os instantes julgamos os outros e estamos a ser julgados. É a ordem natural das coisas. Todos, julgam todos. Aliás, se assim não houvesse sentido, nem se justificavam as eleições para os governos centrais e locais. Nem se atribuam classificações qualificando estudantes e funcionários candidatos aos desempenhos das funções estatais ou dos cargos empresariais.
As diferenças de juízes e dos julgamentos dos cidadãos decorrem da sensibilidade de cada um e dos melhores ou piores desempenhos individuais. Uns expõem-se, pegam os bois pelos chifres, vão à luta por uma sociedade melhor estruturada; outros, retraem-se, vacilam e (ou) acomodam-se. Porém, estes últimos não têm autoridade moral para se pronunciarem sobre as situações boas ou más que existam no seio da sociedade. Porque, comodistas, medrosos, impotentes ou oportunistas, nada fazem para inverter o mau rumo dos acontecimentos em curso ou para garantir o sucesso daqueloutros que seguem uma regular via de percurso.
05 - Para terminar, registe-se que não temos veleidades de endireitar o País e o Mundo. Temos os pés bem assentes na terra aveirense que pisamos. Mas não nos demitimos de cumprir, em plenitude de força e determinação, os direitos e as obrigações do vínculo jurídico-político da cidadania; embora cientes do nosso modesto contributo para a formação de um mundo melhor em todos os sentidos que concorram para a elevação dos padrões de vida dos portugueses e dos outros povos.
O que, voluntária e gostosamente, por vocação intelectual, devoção cívica e obrigação de cidadania, fazemos graciosamente…
Brasilino Godinho
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