499. Apontamento

Brasilino Godinho

06/Setembro/ 2020

 

Escrito em data imprecisa

Mas como se fosse hoje

Republico

 

TENHO VONTADE DE MUITO GRITAR

MAS DÁ-ME VONTADE DE MUITO RIR

 

01. Vontade de muito gritar de indignação pelas continuadas agressões que diariamente são feitas: à língua portuguesa; à dignidade dos cidadãos; à inteligência dos portugueses, mesmo daqueles detentores de mínimas faculdades de alma; ao bem-estar das populações, na sua maioria muito carecidas de meios de subsistência; à bem-aventurança das ingénuas criaturas que pouco enxergam para além do nariz e com a vista a toda a hora fixada no umbigo ou na lua; à integridade física dos agentes de autoridade; aos valores que dão sentido à vida e regulam a harmonia social: Moral, Ética, Justiça, Direito, Fraternidade, Igualdade, Liberdade, Democracia, POLÍTICA (não confundir com política, praticada em Portugal, sob regime de Partidocracia).

 

02. Vontade de muito rir pelo que se passa no actual tempo da sociedade portuguesa.

Muito rir pelas muitas palhaçadas exibidas no circo político.

Muito rir pelas ridículas cenas e incríveis tropelias dos protagonistas do teatro de inúmeras comédias que se vem expandindo pelos grandes centros urbanos, com especial destaque em Lisboa, Estoris, avenidas novas e arredores saloios da capital alfacinha.

Muito rir pelas touradas que, não sendo reais nem aprontadas nas Praças do Campo Pequeno e de Algés, têm realização assegurada e festejada nos redondéis desportivos; nos quais os animais bravios, as moscas domesticadas, as cavalgaduras, os cavaleiros de tristes figuras, as desinibidas amazonas, os peões de sombrias bregas, se confundem com os desajeitados bandarilheiros e estes, conjuntamente com o inteligente, director da corrida e os espadas, se envolvem numa grande confusão e são pegados de cernelha pelos ousados e atrevidos moços de forcado. O que, diga-se de passagem, é grandioso festim patético e um vistoso e emblemático cartaz turístico de Portugal.

Muito rir por a malta se ter excitado com a descoberta de um dono disto tudo, Ricardo Salgado, e se ter convencido que era exemplar único da espécie e que ele iria de cana. Vem a propósito referir que há mais donos disto tudo encobertos não pelo manto diáfano da fantasia de que falou Eça de Queirós, mas de real existência como a do astuto e insaciável aproveitador Jardim Gonçalves.

Aliás, o ex-Ministro das Finanças, António Sousa Franco, quando em conferência no Porto, uns meses antes de morrer, referiu-se aos senhores cinzentos que efectivamente tomaram conta da Quinta Lusitana em que está convertido Portugal. Antes e depois do malogrado político ter feito tal afirmação me tenho referido ao assunto. Só que a maioria dos jornalistas de Lisboa não deram importância ao ex-ministro das Finanças e ao cronista da província… No caso de Brasilino Godinho, exercitando convergência de sensibilidade e de pretensa objectividade - uma coisa e outra configuradas na atitude de desprezo tida para com ele - visto que consideram que a inteligência, por artes mágicas, se concentrou em Lisboa. E sendo Brasilino Godinho uma criatura nada, criada e vivendo na província… três vezes nove, coisa nenhuma.

Muito rir por essa ideia da inteligência estar sitiada em Lisboa, quiçá nas avenidas novas, cercanas da Praça do Areeiro, na Linha de Cascais e nas redondezas do Casino Estoril, presumidamente sustentada em jogadas fortunas; estas, tidas nas roletas e máquinas da jogatina.

Muito rir por bastante gente, dada a prodígios de imaginação, admitir que os donos disto tudo irão, quando o rei fizer anos, gozar férias nalguns estabelecimentos prisionais. Está enganada!

Basta raciocinar um pouco. A conclusão é elementar. E tem fácil explanação, numa singela observação: Se eles são donos disto tudo, nada, nem ninguém os poderá obrigar a esse devaneio prisional. Aliás, seria uma intolerável e desprestigiante negação desse inquestionável direito de propriedade, que eles - mesmo com todo o espírito de colaboração que lhes é reconhecido pelos portugueses(…) - não se podem permitir a si próprios. Ainda, por cima, porque tal recusa, ofensiva da sua peculiar condição, representar uma inaceitável violação do articulado da Constituição da República Portuguesa, a que o governo deve opor-se firmemente e com a mais deslumbrante solicitude…

Muito rir e até exceder-me nas gargalhadas com as condecorações distribuídas por presidentes-tipo Soares, Sampaio e Cavaco, pelos amigos, compadres, irmãos fraternos e correligionários, celebrando os secretos serviços altíssimos prestados à pátria… de todos eles! Por sinal, distinta da pátria portuguesa de Brasilino Godinho.

Vale a pena realçar neste texto a excepcional relevância nacional que concita o maior tom e mais elevado som do gargalhar de Brasilino Godinho.

Uma reacção que é desperta quando lhe ocorre a lembrança da extraordinária condecoração atribuída pela presidencial cavacal figura ao jovem costureiro que teve a seu cargo a sublime, trabalhosa, artística, complicada, estupenda e patriótica tarefa de, com trapos de fina textura, confeccionar as vestes com que se esmerava em alindar a senhora que era, à época, a primeira-dama da república portuguesa.

Presume-se que tal gesto do presidente Cavaco visou apresentar aos portugueses o galardoado como um exemplo de abnegação e perseverança no trabalho por mais árduo que ele seja.

Porém, naquela altura, o presidente foi censurado nos meios mal informados e bisbilhoteiros de Lisboa, por também não ter agraciado a atenciosa dama de companhia, o disciplinado oficial às ordens, o atento secretário, os solícitos medico e enfermeiro, o prestimoso motorista de serviço, a desembaraçada criada de quarto, a proficiente cabeleireira, o gentil cozinheiro, o prestável jardineiro – pois que, provavelmente, bem mereciam ser apresentados à Nação como meritórios servidores de Portugal e constituírem exemplos de dedicação e capacidade altamente honrosos para o País…

Enfim, convenhamos que se as agressões, de que é vítima a Nação, provocam gritante protesto e revolta a Brasilino Godinho; a ele não faltam pretextos, ocasiões e motivos para se rir.

Tudo isto, em sede de brasilina expressão, faz sentido…