Leitor,
Pare!
Leia!
Pondere!
Decida-se!

SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

ESTÁ SITUADA NA PROVÍNCIA...

QUEM TE AVISA, TEU AMIGO É...

e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

sexta-feira, abril 24, 2020


A BRASILIANA CRIATURA FACE AO
MAGNIFICENTE ETERNO FEMININO
(Continuação)

Parte III  
Por Brasilino Godinho

Continuando a narrativa do episódio havido com a professora Luísa que me lecionou de Português no ano lectivo de 1943/44, menciono que ela teve uma única reacção ao ler a peça escrita do Brasilino (a última, das redacções, de que fez leitura em aula): foi ficando ruborizada e concluindo o acto, pronunciou: “Parece impossível! - Podem sair!”

Não mais tocou no assunto. Nem depois trocou palavras com o aluno Brasilino. Este, para passar de ano precisava de ser classificado com 29 valores no fim do ano lectivo. Teve a nota final de 28 valores. E o ano de Português foi um ar que lhe deu, Foi à vela!

No ano lectivo seguinte (1944/45) o menino Brasilino repete a disciplina de Português, então lecionada pelo Professor Bretes.
Durante o decorrer do ano assistiu-se à consagração do aluno Brasilino por parte do Professor Bretes; o qual, não perdia as oportunidades para realçar a capacidade do aluno. Ele que até tinha fama de ser parco a dar notas de classificação.
Acontecia que interrogava os alunos e sempre que eles erravam virava-se para o Brasilino e dizia: o Brasilino sabe e vai responder. Ora, tal expediente gerou em mim um sentimento de grande responsabilidade para não desiludir a confiança do Professor Bretes.

O que precede, ora relatado, para destacar o contraste de passar dois anos votado ao ostracismo por um professor e uma professora e, no terceiro ano consecutivo, ter tido a satisfação de ser justamente avaliado por um professor, Bretes, bem compenetrado da sua missão educativa e pedagógica,
Esta referência, primeira que, publicamente, apresento tão explícita sobre o Professor Bretes é uma justa homenagem que presto à sua memória; a qual, anoto, peca por ser tardia.

Caso curioso e algo insólito é que nos meus percursos: escolar (cursos primário e secundário) e universitário, nunca reprovei por inaproveitamento.
As únicas reprovações que tenho no meu currículo de vida foram nos anos lectivos de 1942/43 e 1943/44, na disciplina de Português, do 1.º ano do curso industrial (secundário), da Escola Jácome Ratton e que neste texto são mencionadas.

Foi facto que no ano lectivo 1942/43, antecedente ao do ano lecionado pela professora Luísa (se bem me lembro do nome) reprovei na disciplina de Português por decisão do professor Nicolau da Mata de me atribuir a classificação de 27 valores (o somatório de noves repartidos pelos três períodos de aulas) quando precisava de 29 valores – o que suscitou alguma perplexidade aos professores que participaram na reunião de apuramento das classificações, perante a inflexível posição do seu colega, Mata. Por sinal, matou as aspirações dos menino Brasilino, naquele primeiro ano de Português – o que fez a condizer com o seu apelido letal.

O leitor interrogar-se-á: O que sucedeu então?
Algo de invulgar no campo escolar em qualquer época.
Explico:
O aluno Brasilino Godinho, nascido no mês de Outubro de 1931, quando ingressou em Outubro de 1942 no seu primeiro ano do curso secundário tinha onze anos de idade e em Junho ou Julho desse mesmo ano fizera o exame da 4.ª classe do Ensino Primário tendo obtido a classificação de Distinto.
E nesse primeiro ano, na disciplina de Português, teve como professor o Dr. Nicolau da Mata.

Aconteceu o primeiro dia de aulas consagrado à apresentação do professor. E, também, uma raridade: o professor manteve durante uma hora exaustiva prédica instruindo os alunos sobre os comportamentos que deviam cumprir nas suas aulas: porte erecto, mão não apoiando a cara, interdito o cruzamento de pernas, não braços estendidos sobre o tampo da carteira, silêncio absoluto, concentração máxima e atenta às palavras do professor, etc,etc, etc.
Entretanto, o professor já falava a largos minutos e o aluno Brasilino, inadvertidamente, em dado momento, pousou o cotovelo no tampo da carteira e de braço levantado apoiou o queixo na palma da mão. De imediato, o Professor fita-o, olhos nos olhos e interpela-o: “O menino aí da primeira fila como se chama?” E o menino responde; “Brasilino!” Professor: “O menino Brasilino não ouviu eu dizer que não admito isso?” Julgo que terei balbuciado:  “Ouvi!”
O professor retomou o uso da palavra e a enunciação programática da disciplina e formalidades a que os alunos ficavam obrigados a cumprir.
Eis senão quando o Brasilino, de-repente, cruza os braços e os assenta sobre o malfadado tampo da carteira. Aí o caldo ficou entornado e de que maneira. O professor Mata interrompe-se e em tom irado dirige-se directamente ao aluno, momentaneamente, prevaricador: “Brasilino, se volta a repetir a gracinha vai para a rua com duas faltas injustificadas!” A partir da primeira aula de Português, com o Professor Nicolau, o menino Brasilino ficou marcado.

Porém, o pior estava para acontecer ainda a meio do primeiro período de aulas. Um dia, na parte da manhã o Brasilino é chamado ao quadro. E logo, o professor lhe diz: “Dê a definição de substantivo comum de dois”. E o Brasilino dá-la sem titubear. Professor irritado observa: “Está errado!” Brasilino contrapõe: “Está assim na minha gramática.” Professor, agastado: “Vá buscá-la!” E dá recado assustador: “Se não estiver, vai para a rua com duas faltas.”

O aluno Brasilino, nas calmas, dirige-se à sua carteira, localizada a meio da sala, pega na gramática e deslocando-se pausadamente, desfolhando as páginas do livro, retorna junto do professor, estende-lhe o livro e diz-lhe: “Está aqui!” O professor lê e em tom ríspido ordena: “Repita!” E o menino Brasilino repetiu. Célere, Professor manda: “Vá sentar-se!” E o Brasilino assim fez. Foi sentar-se no seu lugar e assentou-se no seu imo a ideia de que, a partir daquele momento, ficava assentado o seu chumbo na disciplina - o que foi sendo confirmado ao decorrer do tempo escolar, pois não mais foi interrogado, nem houve realização de testes de aproveitamento escolar. E como mencionei nos antecedentes parágrafos fui contemplado com a classificação reprovadora de 27 valores.

Enfim, a tantos anos de distância e conservando em fresca memória os episódios, muito me admiro como, sendo uma criança, reagi com tanta calma, firmeza e sem constrangimentos.
Por outro lado, reportando-me ao tempo presente e se me é permitida a ousadia, a imodéstia e o deslustre da intemperança, assinalo a minha vaidade por mais uma minha singularidade: a de ter tido na minha vida duas únicas reprovações e não correspondentes a demonstrações de insuficiente apreensão da matéria objecto de estudo. No caso vertente: o Português.
De facto, convenhamos que isto, aqui relatado, não é vulgar acontecer no meio do Ensino em Portugal.

Ainda frequentando a Escola Jácome Ratton fui surpreendido a quando da fundação do Grupo 49, do Corpo Nacional de Escutas (CNE), a 01 de Julho de 1945, e precedendo o cerimonial da promessa de escuteiro, por ser jovem de empenhada escolha por parte da  prendada Senhora D. Adosinda Figueiredo que fez questão de ser minha madrinha, dando azo a posterior  e desenvolvida, recíproca, empatia que bastante me sensibilizou.

Também recordo um fenómeno de empatia pessoal da maior relevância ocorrido anos depois que deveras me impressionou.
Com a idade de 50 anos de idade, casado, fui durante alguns meses usufruindo a honrosa qualidade de confidente de uma respeitável senhora casada que em mim depositava plena confiança, seguindo uma praxis irrepreensível e num clima da mais apurada seriedade mútua. Em tão boa hora e com tal assinalado êxito que a ajudei a superar uma delicada e complexa questão de natureza familiar, com reflexos muito positivos para toda a família. A alternativa: concretizar o intento em vias de consumação, teria sido muito desastroso.

Isto referido como apontamento de um sucesso que considero como coroa de glória de quem (Brasilino Godinho) dispensa atenção e a maior deferência para com as pessoas do género feminino, a ponto de elas percepcionarem quanto uma e outra das  disponibilidades de espírito fraternal, são genuínas e intrínsecas na personalidade da brasiliana criatura.

O que isto representa do SER da GENTE?
 Aqui me permito expressar, em linguagem poética, o entendimento de Brasilino Godinho.

O SER DA GENTE

Se aquilo que pensa a gente
É, também, o que a gente sente,
A coisa que se pensa e sente
É, com certeza, o Ser da gente!

GENTE,
Pensa…
E sente…

Não cala!
Não mente!

E quando fala ou escreve,
Transmite o que pensa
E sente
A GENTE.

(In UM DIA DESCI À CIDADE…, Brasilino Godinho, p. 85, 2001)

(Continua na Parte IV)