A BRASILIANA CRIATURA FACE AO
MAGNIFICENTE ETERNO FEMININO
(Continuação)
Parte III
Por Brasilino Godinho
Continuando a
narrativa do episódio havido com a professora Luísa que me lecionou de
Português no ano lectivo de 1943/44, menciono que ela teve uma única reacção ao ler a peça escrita do Brasilino (a última, das
redacções, de que fez leitura em aula): foi ficando ruborizada e concluindo o
acto, pronunciou: “Parece impossível! - Podem sair!”
Não mais tocou no assunto. Nem
depois trocou palavras com o aluno Brasilino. Este, para passar de ano
precisava de ser classificado com 29 valores no fim do ano lectivo. Teve a nota
final de 28 valores. E o ano de Português foi um ar que lhe deu, Foi à vela!
No ano lectivo seguinte (1944/45) o
menino Brasilino repete a disciplina de Português, então lecionada pelo Professor
Bretes.
Durante o decorrer do ano
assistiu-se à consagração do aluno Brasilino por parte do Professor Bretes; o
qual, não perdia as oportunidades para realçar a capacidade do aluno. Ele que
até tinha fama de ser parco a dar notas de classificação.
Acontecia que interrogava os alunos
e sempre que eles erravam virava-se para o Brasilino e dizia: o Brasilino sabe
e vai responder. Ora, tal expediente gerou em mim um sentimento de grande
responsabilidade para não desiludir a confiança do Professor Bretes.
O que precede, ora relatado, para
destacar o contraste de passar dois anos votado ao ostracismo por um professor e
uma professora e, no terceiro ano consecutivo, ter tido a satisfação de ser justamente
avaliado por um professor, Bretes, bem compenetrado da sua missão educativa e
pedagógica,
Esta referência, primeira que,
publicamente, apresento tão explícita sobre o Professor Bretes é uma justa homenagem
que presto à sua memória; a qual, anoto, peca por ser tardia.
Caso curioso e algo insólito é que
nos meus percursos: escolar (cursos primário e secundário) e universitário,
nunca reprovei por inaproveitamento.
As únicas reprovações que tenho no
meu currículo de vida foram nos anos lectivos de 1942/43 e 1943/44, na
disciplina de Português, do 1.º ano do curso industrial (secundário), da Escola
Jácome Ratton e que neste texto são mencionadas.
Foi facto que no ano lectivo
1942/43, antecedente ao do ano lecionado pela professora Luísa (se bem me
lembro do nome) reprovei na disciplina de Português por decisão do professor Nicolau
da Mata de me atribuir a classificação de 27 valores (o somatório de noves
repartidos pelos três períodos de aulas) quando precisava de 29 valores – o que
suscitou alguma perplexidade aos professores que participaram na reunião de
apuramento das classificações, perante a inflexível posição do seu colega,
Mata. Por sinal, matou as aspirações dos menino Brasilino, naquele primeiro ano
de Português – o que fez a condizer com o seu apelido letal.
O leitor interrogar-se-á: O que
sucedeu então?
Algo de invulgar no campo escolar em qualquer época.
Explico:
O aluno Brasilino Godinho, nascido
no mês de Outubro de 1931, quando ingressou em Outubro de 1942 no seu primeiro
ano do curso secundário tinha onze anos de idade e em Junho ou Julho desse
mesmo ano fizera o exame da 4.ª classe do Ensino Primário tendo obtido a
classificação de Distinto.
E nesse primeiro ano, na
disciplina de Português, teve como professor o Dr. Nicolau da Mata.
Aconteceu o primeiro
dia de aulas consagrado à apresentação do professor. E, também, uma raridade: o
professor manteve durante uma hora exaustiva prédica instruindo os alunos sobre
os comportamentos que deviam cumprir nas suas aulas: porte erecto, mão não
apoiando a cara, interdito o cruzamento de pernas, não braços estendidos sobre
o tampo da carteira, silêncio absoluto, concentração máxima e atenta às
palavras do professor, etc,etc, etc.
Entretanto, o
professor já falava a largos minutos e o aluno Brasilino, inadvertidamente, em
dado momento, pousou o cotovelo no tampo da carteira e de braço levantado apoiou
o queixo na palma da mão. De imediato, o Professor fita-o, olhos nos olhos e
interpela-o: “O menino aí da primeira fila como se chama?” E o menino responde;
“Brasilino!” Professor: “O menino Brasilino não ouviu eu dizer que não admito
isso?” Julgo que terei balbuciado: “Ouvi!”
O professor retomou o
uso da palavra e a enunciação programática da disciplina e formalidades a que
os alunos ficavam obrigados a cumprir.
Eis senão quando o
Brasilino, de-repente, cruza os braços e os assenta sobre o malfadado tampo da
carteira. Aí o caldo ficou entornado e de que maneira. O professor Mata
interrompe-se e em tom irado dirige-se directamente ao aluno, momentaneamente,
prevaricador: “Brasilino, se volta a repetir a gracinha vai para a rua com duas
faltas injustificadas!” A partir da primeira aula de Português, com o Professor
Nicolau, o menino Brasilino ficou marcado.
Porém, o pior estava
para acontecer ainda a meio do primeiro período de aulas. Um dia, na parte da manhã
o Brasilino é chamado ao quadro. E logo, o professor lhe diz: “Dê a definição
de substantivo comum de dois”. E o Brasilino dá-la sem titubear. Professor
irritado observa: “Está errado!” Brasilino contrapõe: “Está assim na minha
gramática.” Professor, agastado: “Vá buscá-la!” E dá recado assustador: “Se não
estiver, vai para a rua com duas faltas.”
O aluno Brasilino, nas
calmas, dirige-se à sua carteira, localizada a meio da sala, pega na gramática
e deslocando-se pausadamente, desfolhando as páginas do livro, retorna junto do
professor, estende-lhe o livro e diz-lhe: “Está aqui!” O professor lê e em tom
ríspido ordena: “Repita!” E o menino Brasilino repetiu. Célere, Professor
manda: “Vá sentar-se!” E o Brasilino assim fez. Foi sentar-se no seu lugar e
assentou-se no seu imo a ideia de que, a partir daquele momento, ficava
assentado o seu chumbo na disciplina - o que foi sendo confirmado ao decorrer
do tempo escolar, pois não mais foi interrogado, nem houve realização de testes
de aproveitamento escolar. E como mencionei nos antecedentes parágrafos fui
contemplado com a classificação reprovadora de 27 valores.
Enfim, a tantos anos
de distância e conservando em fresca memória os episódios, muito me admiro como,
sendo uma criança, reagi com tanta calma, firmeza e sem constrangimentos.
Por outro lado, reportando-me
ao tempo presente e se me é permitida a ousadia, a imodéstia e o deslustre da intemperança,
assinalo a minha vaidade por mais uma minha singularidade: a de ter tido na
minha vida duas únicas reprovações e não correspondentes a demonstrações de
insuficiente apreensão da matéria objecto de estudo. No caso vertente: o
Português.
De facto, convenhamos
que isto, aqui relatado, não é vulgar acontecer no meio do Ensino em Portugal.
Ainda frequentando a Escola Jácome Ratton fui surpreendido a quando
da fundação do Grupo 49, do Corpo Nacional de Escutas (CNE), a 01 de Julho de
1945, e precedendo o cerimonial da promessa de escuteiro, por ser jovem de
empenhada escolha por parte da prendada
Senhora D. Adosinda Figueiredo que fez questão de ser minha madrinha, dando azo
a posterior e desenvolvida, recíproca,
empatia que bastante me sensibilizou.
Também recordo um fenómeno de empatia pessoal da maior
relevância ocorrido anos depois que deveras me impressionou.
Com a idade de 50 anos de idade, casado, fui
durante alguns meses usufruindo a honrosa qualidade de confidente de uma
respeitável senhora casada que em mim depositava plena confiança, seguindo uma
praxis irrepreensível e num clima da mais apurada seriedade mútua. Em tão boa
hora e com tal assinalado êxito que a ajudei a superar uma delicada e complexa
questão de natureza familiar, com reflexos muito positivos para toda a família.
A alternativa: concretizar o intento em vias de consumação, teria sido muito
desastroso.
Isto referido como apontamento de um sucesso que
considero como coroa de glória de quem (Brasilino Godinho) dispensa atenção e a
maior deferência para com as pessoas do género feminino, a ponto de elas
percepcionarem quanto uma e outra das
disponibilidades de espírito fraternal, são genuínas e intrínsecas na
personalidade da brasiliana criatura.
O que isto representa do SER da GENTE?
Aqui me
permito expressar, em linguagem poética, o entendimento de Brasilino Godinho.
O SER DA GENTE
Se aquilo que pensa a gente
É, também, o que a gente sente,
A coisa que se pensa e sente
É, com certeza, o Ser da gente!
GENTE,
Pensa…
E sente…
Não cala!
Não mente!
E quando fala ou escreve,
Transmite o que pensa
E sente
A GENTE.
(In UM
DIA DESCI À CIDADE…, Brasilino Godinho, p. 85, 2001)
(Continua
na Parte IV)
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