Leitor,
Pare!
Leia!
Pondere!
Decida-se!

SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

ESTÁ SITUADA NA PROVÍNCIA...

QUEM TE AVISA, TEU AMIGO É...

e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

terça-feira, outubro 15, 2019


BRASILINO GODINHO
88.º ANIVERSÁRIO NATALÍCIO
ESTE ANO POR SER DE BONITA CAPICUA 
COMEMORO MEU ANIVERSÁRIO
Com a publicação do 284. APONTAMENTO iniciei o ciclo das comemorações

286 APONTAMENTO
Brasilino Godinho

14/Outubro/2019


RETALHOS DA MINHA VIDA DE ALUNO
DOS ENSINOS PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO
(Continuação do 285. Apontamento)

02. NO ENSINO SECUNDÁRIO

Em Tomar, naqueles anos quarenta, de vacas magras e vitelos esfomeados, tínhamos fartura de muitas carências e bastantes insuficiências.

Presidia à Câmara Municipal o advogado Dr. Fernando Corte-Real que passava os dias no seu gabinete da Domus Municipalis, como se tivesse metido na sua torre de marfim e cumprindo horário, como se também fosse simples “manga-de-alpaca”.

Em Junho de 1945 é nomeado Presidente do Município o coronel do Exército, Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira, que veio a ser o grande impulsionador do desenvolvimento de Tomar e que, ao contrário do seu antecessor, muito percorria a cidade, inteirando-se in loco do andamento das obras e dos problemas que afectavam a regularidade da vida citadina e, mesmo dos cidadãos.

Reportando-me a carências e insuficiências e concentrando memória no sector escolar, nele não existiam cantinas, nem equipamentos desportivos e laboratoriais.

Nas tardes de sábados os alunos estavam obrigados a comparecer no campo de futebol, de terra batida, para se dedicarem às actividades da Mocidade Portuguesa, desinteressantes e chatas. Passavam-se duas horas a fazer exercícios paramilitares e de ginástica, sob a orientação de um sargento do Exército. Relativamente aos primeiros chegava-se ao fim do ano escolar e era um deslumbramento: os instruendos executavam impecavelmente todas as evoluções que as tropas fazem em parada ou em guarda-de-honra.
A rapaziada, chateada, que nem macaco sem banana, desfilava garbosamente (como era exigência oficial) nas marchas comemorativas do 1º de Dezembro de 1640, data da Restauração da Independência Nacional.

A prática da ginástica (que a malta classificava de ginástica sueca) tinha a interessante particularidade de ser realizada com os “ginastas” a gozarem(…) da prerrogativa de estarem dispensados de envergar camisola, calção e sapatilhas, que houvesse propensão de ser traje apropriado. Bastava que estivessem vestidos e calçados com sapatos ou botas. A exigência insólita(…) é que não estivessem nus.

Anoto que a malta detestava toda aquela “parada” de opressiva paródia de vinculação militarista. Com a excepção dos chefes de quina (a quem chamava chefes de esquina) e os comandantes de lança (se bem me lembro da designação); os quais, se sentiam ufanos das divisas colocadas na camisa do fardamento; em cujo cinto do calção estava fixada a fivela com o S de Salazar).  Devo informar que, com poucas semanas de posse do posto de chefe de quina, fui desgraduado em Ordem de Serviço, por uma qualquer atitude de rebeldia, que me hei esquecido.

Mas, a propósito, lembro que o distinto Professor Doutor Serras e Silva, da Universidade de Coimbra, respeitado pedagogo, que começou por ser apoiante de Salazar e de quem se foi afastando, era um acérrimo crítico da Mocidade Portuguesa.
Desde aquela minha época escolar que retenho na memória uma frase muito expressiva do eminente Professor Serras e Silva. Ele escreveu: “FORMAR HOMENS IMPORTA MUITO MAIS DO QUE DIVERTIR O PÚBLICO COM MARCHAS EMPERTIGADAS EM QUE SE AFECTA UM VIGOR QUE NÃO EXISTE E UMA MENTALIDADE QUE É APENAS EXTERIOR E COREOGRÁFICA”.

Devo assinalar que se hoje não se fazem paradas juvenis, vão-se realizando outros eventos, como arruadas e universidades de verão, em que as mentalidades dos envolvidos são folclóricas e não têm substância, nem credibilidade.  

Outrossim de referir, que as meninas estavam livres da penitência daquelas malfadadas actividades da Mocidade Portuguesa…
Elas, já naquela Escola Jácome Ratton, partilhando frequência de algumas aulas com os rapazes, tinham recreios separados no último andar do edifício, sito na Av. Cândido Madureira.
Era já uma pequena evolução relativamente ao ensino primário, no qual vigorava a plena separação dos sexos: nas aulas e nos recreios.

Quanto ao equipamento laboratorial ele não existia na Escola. Tive dois anos curriculares de Física e Química. Nem uma simples proveta esteve ao alcance da minha vista. O ensino destas matérias foi teórico. Mas de grande nível didáctico. A ponto de se conhecerem ao pormenor as experiências descritas no compêndio.

No que concernia à Mecânica (parte da Física), tivemo-la destacada em disciplina curricular, no último ano do curso industrial.
Foi uma aprendizagem empolgante, de gratas recordações. Toda a turma seguia as aulas com grande satisfação. O professor, Eng.ª Freixo, soube, com mestria, cativar os seus alunos. Tinha discurso fácil, objectivo, afável, era sabedor, lecionava com proficiência e raro sentido de bem ministrar as lições e aprofundar estudos das matérias.
Em dada altura, entusiasmado com a atenção com que os discípulos o ouviam e apreendiam os teores dos seus ensinamentos, esteve tentado a ensinar-nos a função integral (ramo das matemáticas superiores) – o que não concretizou por recear ser sancionado pelo director da escola.

Todavia, nos ensinamentos da Cinemática e, sobretudo, da Resistência dos Materiais, leccionou extensamente e em profundidade.
Dou informação de que, 50 anos depois da aprendizagem, o Brasilino Godinho ainda era capaz de deduzir as fórmulas dos movimentos uniformemente acelerados sem ou com velocidade inicial.
Sobre o estudo da Resistência dos Materiais: com facilidade e segurança de acerto, calculávamos os dimensionamentos de vigas de madeira ou de ferro, simplesmente apoiadas ou colocadas em diversas posições.

Assinalo que no mês de Junho, já concluído o ano lectivo, realizou-se o acto de despedida do Prof. Freixo; ao qual compareceu toda a turma. Ocorreu num passeio pela Mata dos Sete Montes, em Tomar. Quando chegados à Charolinha, fizemos pausa. Então o Prof. Freixo, que tinha na mão um volumoso livro de capas cinzentas, com título impresso a cor preta, MECÂNICA PARA ENGENHEIROS, edição em língua espanhola, abre o livro, folheia-o e diz-nos: vejam aqui, os exercícios que vocês fizeram com facilidade. Tratou-se de um momento muito agradável pata todos os circunstantes. Ficámos orgulhosos e reconhecidos ao competente e estimado professor.

Relembro o facto - já divulgado - de que, por aquela altura, também junto à Charolinha, dois colegas me “obrigaram” a tirar fotografia revestido com a capa de estudante universitário (que está reproduzida nestes Apontamentos).

Outro caso que reveste algum interesse mencionar, reporta a ter em Junho de 1945 sido membro fundador do Grupo 49, do Corpo Nacional de Escutas. Mantive filiação até meados de 1947. Gostei de ser escuteiro. E com bastante proveito na minha formação moral e compenetração cívica. Mas detestava participar em procissões.

Nesse ano de 1947, já com apreciável bagagem filosófica, se iniciara o meu afastamento das práticas religiosas e da Igreja.
(Continua no 287. Apontamento)