Com
a devida vénia transcrevemos da Esquerda.net, através do Facebook,
a seguinte Carta Aberta do novo chefe don governo grego.
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Aberta de Alexis Tsipras aos cidadãos alemães
A 13 de janeiro deste
ano, Alexis Tsipras dirigiu a todos os cidadãos alemães uma carta
aberta, publicada no jornal económico Handelsblatt, em que explica
a posição do Syriza sobre a dívida grega e defende que a atual
tática “adiar e fingir” aplicada pela Europa será muito
onerosa para o contribuinte alemão e condenará uma orgulhosa nação
europeia à indignidade permanente. A tradução é do Aventar, a
cujos responsáveis o Esquerda.net agradece.
30 de Janeiro, 2015 -
12:34h
Tsipras: está a nascer na Grécia uma grande
oportunidade para a Europa. Foto de FrangiscoDer -
A maior parte de vós, caros leitores do
Handelsblatt, terá já uma ideia preconcebida acerca do
tema deste artigo, mesmo antes da leitura. Rogo que não cedais a
preconceitos. O preconceito nunca foi bom conselheiro,
principalmente durante períodos em que uma crise económica reforça
estereótipos e gera fanatismo, nacionalismos e até violência.
Em 2010, a Grécia deixou de conseguir pagar os
juros da sua dívida. Infelizmente, as autoridades europeias
decidiram fingir que o problema poderia ser ultrapassado através do
maior empréstimo de sempre, sob condição de austeridade
orçamental, que iria, com uma precisão matemática, diminuir
drasticamente o rendimento nacional, que serve para pagar
empréstimos novos e antigos. Um problema de insolvência foi
tratado como se fosse um problema de falta de liquidez.
Dito de outro modo, a Europa adoptou a táctica
dos banqueiros com pior reputação, que não reconhecem maus
empréstimos, preferindo conceder novos empréstimos à entidade
insolvente, tentando fingir que o empréstimo original está a obter
bons resultados, adiando a bancarrota. Bastava bom senso para se
perceber que a adopção da táctica “adiar e fingir” levaria o
meu país a uma situação trágica. Em vez da estabilização da
Grécia, a Europa estava a criar as condições para uma crise
auto-sustentada que põe em causa as fundações da própria Europa.
Bastava bom senso para se perceber que a adopção da táctica “adiar e fingir” levaria o meu país a uma situação trágica.
O meu partido e eu próprio discordamos
veementemente do acordo de Maio de 2010 sobre o empréstimo, não
por vós, cidadãos alemães, nos terdes dado pouco dinheiro, mas
por nos terdes dado dinheiro em demasia, muito mais do que devíeis
ter dado e do que o nosso governo devia ter aceitado, muito mais do
que aquilo a que tinha direito. Dinheiro que não iria, fosse como
fosse, nem ajudar o povo grego (pois estava a ser atirado para o
buraco negro de uma dívida insustentável), nem sequer evitar o
drástico aumento da dívida do governo grego, às custas dos
contribuintes gregos e alemães.
Efectivamente, passado menos de um ano, a partir
de 2011, as nossas previsões confirmaram-se. A combinação de
novos empréstimos gigantescos e rigorosos cortes na despesa
governamental diminuíram drasticamente os rendimentos e, não só
não conseguiram conter a dívida, como também castigaram os
cidadãos mais frágeis, transformando pessoas que, até então,
haviam tido uma vida comedida e modesta em pobres e mendigos,
negando-lhes, acima de tudo, a dignidade. O colapso nos rendimentos
conduziu milhares de empresas à falência, dando um impulso ao
poder oligopolista das grandes empresas sobreviventes. Assim, os
preços têm caído, mas mais lentamente do que ordenados e
salários, reduzindo a procura global de bens e serviços e
esmagando rendimentos nominais, enquanto as dívidas continuam a sua
ascensão inexorável. Neste contexto, o défice de esperança
acelerou de forma descontrolada e, antes que déssemos por ela, o
“ovo da serpente” chocou – consequentemente, os neo-nazis
começaram a patrulhar a vizinhança, disseminando a sua mensagem de
ódio.
A lógica “adiar e fingir” continua a ser
aplicada, apesar do seu evidente fracasso. O segundo “resgate”
grego, executado na Primavera de 2012, sobrecarregou com um novo
empréstimo os frágeis ombros dos contribuintes gregos, acrescentou
uma margem de avaliação aos nossos fundos de segurança social e
financiou uma nova cleptocracia implacável.
O recente e modesto aumento do PIB real, ao ritmo de 0,7%, não indica (como tem sido aventado) o fim da recessão, mas a sua continuação.
Recentemente, comentadores respeitados têm
mencionado a estabilização da Grécia e até sinais de
crescimento. Infelizmente, a ‘recuperação grega’ é
tão-somente uma miragem que devemos ignorar o mais rapidamente
possível. O recente e modesto aumento do PIB real, ao ritmo de
0,7%, não indica (como tem sido aventado) o fim da recessão, mas a
sua continuação. Pensai nisto: as mesmas fontes oficiais
comunicam, para o mesmo trimestre, uma taxa de inflação de -1,80%,
i.e., deflação. Isto significa que o aumento de 0,7% do PIB real
se deveu a uma taxa de crescimento negativo do PIB nominal! Dito de
outro modo, aquilo que aconteceu foi uma redução mais rápida dos
preços do que do rendimento nacional nominal. Não é exactamente
motivo para anunciar o fim de seis anos de recessão!
Permiti-me dizer-vos que esta lamentável
tentativa de apresentar uma nova versão das “estatísticas
gregas”, para declarar que a crise grega acabou, é um insulto a
todos os europeus que, há muito, merecem conhecer a verdade sobre a
Grécia e sobre a Europa. Com toda a frontalidade: actualmente, a
dívida grega é insustentável e os juros não conseguirão ser
pagos, principalmente enquanto a Grécia continua a ser sujeita a um
contínuo afogamento simulado orçamental. A insistência nestas
políticas de beco sem saída, e em negação relativamente a
simples operações aritméticas, é muito onerosa para o
contribuinte alemão e, simultaneamente, condena uma orgulhosa nação
europeia a indignidade permanente. Pior ainda: desta forma, em
breve, os alemães virar-se-ão contra os gregos, os gregos contra
os alemães e, obviamente, o ideal europeu sofrerá perdas
catastróficas.
Quanto a uma vitória do SYRIZA, a Alemanha e, em
particular, os diligentes trabalhadores alemães nada têm a temer.
A nossa tarefa não é a de criar conflitos com os nossos parceiros.
Nem sequer a de assegurar maiores empréstimos ou, o equivalente, o
direito a défices mais elevados. Pelo contrário, o nosso objectivo
é conseguir a estabilização do país, orçamentos equilibrados e,
evidentemente, o fim do grande aperto dos contribuintes gregos mais
frágeis, no contexto de um acordo de empréstimo pura e
simplesmente inexequível. Estamos empenhados em acabar com a lógica
“adiar e fingir”, não contra os cidadãos alemães, mas
pretendendo vantagens mútuas para todos os europeus.
Caros leitores, percebo que, subjacente à vossa
“exigência” de que o nosso governo honre todas as suas
“obrigações contratuais” se esconda o medo de que, se nos
derem espaço para respirar, iremos regressar aos nossos maus e
velhos hábitos. Compreendo essa ansiedade. Contudo, devo dizer-vos
que não foi o SYRIZA que incubou a cleptocracia que hoje finge
lutar por ‘reformas’, desde que estas ‘reformas’ não
afectem os seus privilégios ilicitamente obtidos. Estamos dispostos
a introduzir reformas importantes e, para tal, procuramos um mandato
do povo grego e, claro, a cooperação dos nossos parceiros
europeus, para podermos executá-las.
A nossa tarefa é a de obter um New Deal europeu,
através do qual o nosso povo possa respirar, criar e viver com
dignidade.
No dia 25 de Janeiro, estará a nascer na Grécia
uma grande oportunidade para a Europa. Uma oportunidade que a Europa
não poderá dar-se ao luxo de perder.
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