CONSELHO
DE ESTADO, OS ESTADOS DO CONSELHO
E
A LITURGIA DO CAVACO* NO TEMPLO DE BELÉM...
Brasilino
Godinho
Fotografia dos membros do
Conselho de Estado reunidos, em sessão plenária, no Palácio de
Belém
Breves
considerações gerais
Sempre
que em tempo de reunião do órgão oficial Conselho de Estado, vejo
a fotografia do Venerando Chefe do Estado, Prof. Doutor Aníbal
Cavaco Silva, sentado à mesa/altar da sala/capela de culto, do
templo presidencial de Belém, sito na alfacinha cidade, rodeado dos
devotos conselheiros que se quedam em pose de veneráveis, vem-me à
lembrança o quadro da 'Última Ceia” de Leonardo da Vinci e
a
'Ceia
dos Cardeais', de Júlio Dantas.
'A
Última Ceia'
Uma
cena da peça 'A Ceia dos Cardeais'
Tal
reunião de cavaqueira no templo presidencial é, certamente, a
versão moderna das celebradas confraternizações de antanho, aqui
mencionadas, mas com uma diferença abissal relativamente à 'Ceia
dos Cardeais'. Enquanto nesta se chamava a atenção para as
virtualidades do amor em Portugal, nas habituais sessões de culto
cavaqueio do templo cavaquista, contempla-se o desamor em Portugal
e... com regular persistência, o famigerado sexo dos anjos.
Se
falo do Conselho de Estado e daquilo que vai transparecendo para o
público no que toca aos desenvolvimentos do culto esotérico que
nele é praticado em extensos horários de exercício, forçosamente
espiritual(...), tenho de atender a uma pertinente observação, de
dupla natureza. Ou seja: o estado do próprio Conselho e o Estado
(nação organizada politicamente) segundo a configuração que lhe é
atribuída pelo seleccionado Conselho.
O
estado do Conselho de Estado
Como
existe e quer suposto com a funcionalidade estatutária ou quer pela
operacionalidade que é apercebida por indígena observador, o
Conselho de Estado não serve para coisa nenhuma. Desde logo,
desacreditado como órgão de consulta do Venerando Chefe do Estado,
Cavaco Silva, está-lhe retirada, na prática, a respectiva
prerrogativa, visto que sua excelência atempadamente preveniu a grei
que nunca se engana e raramente tem dúvidas. E assim sendo, de
presidencial condição cavaquista, não se espera que das opiniões
expressas durante o cerimonial de culto dos veneráveis conselheiros,
resulte qualquer achega de inequívoca utilidade e aproveitamento por
parte do Venerando Chefe do Estado. Ele, que ouve, ouve, ouve e...
depois decide pela sua privilegiada cabeça, sem dar o mínimo cavaco
a ninguém - coisa que se julagaria algo estranha num qualquer ser
cavacal, de fina estirpe algarvia...
Ademais,
e - anote-se - porque de específica e congénita formatação de
alma, ele que, Venerando e à semelhança do Papa, está possuído de
infalibilidade nas suas decisões. E, a propósito, repare-se na
sintomática diferença entre Oliveira Salazar, figura máxima do
Estado Novo e Cavaco Silva, personagem tutelar do Estado Cavaquista:
Salazar, que quase foi elevado aos altares como santo, limitou-se a
dizer no discurso proferido em 27 de Abril de 1928, na sala do
Conselho de Estado, o seguinte: “Sei muito bem o que quero e
para onde vou”; Cavaco, pelo contrário, sempre admitiu a sua
superior condição de criatura infalível, embora não haja
conhecimento que percorra uma via de santidade - apesar da
enternecedora assistência de D. Maria que, por sinal, segundo rezam
as crónicas que têm sido publicadas, é uma senhora que inspira
muita devoção.
Há
que anotar uma coisa muito simples: se algum aspecto interessante
advém de uma sessão de cavaco*
no âmbito do designado Conselho de Estado, ele se expressa na
pictural representação folclórica a que dá figuração de suporte
e larga publicidade a série de fotografias e filmagens da família
conselheiral, mais os emblemáticos contrastes fisionómicos dos
participantes: uns risonhos e satisfeitos, quais amigos do peito;
outros, taciturnos e com caras de amigos da onça. O que
proporcionando diferentes visões dos participantes na liturgia,
celebrada segundo os preceitos rituais do templo de Belém e,
eventualmente, prestando-se a várias e hilariantes especulações
dos habituais comentadores de serviço às televisões e ao
cavaquismo, nada mais faculta à sociedade e ao engrandecimento do
país.
Portanto,
e sem margem para dúvidas: o Conselho de Estado não serve para
coisa nenhuma.
Esta
circunstância, suscita um reparo: será que os veneráveis
conselheiros nem se dão conta do ingrato papel de ingénuos,
manipulados, actores participantes de um ritual oco?
Mais
outra observação: para que serve o numeroso grupo de assessores,
secretárias, consultores, instalados no Palácio de Belém? Uma
pergunta que nem se admitiria, não fora o caso que, ao formulá-la,
me esqueci por fugidios momentos, de que o Venerando Chefe do Estado,
como ser que nunca se engana e raramente tem dúvidas, não precisa
de receber opiniões e pareceres de ninguém. Nesta conformidade, vai
sendo tempo de o Venerando Chefe do Estado despedir todo esse pessoal
que, pelos vistos, será um peso morto e acarreta um incontestável
desperdício financeiro e grande rombo no Erário. A Bem da Nação!
Como diria o falecido ex-Presidente do Conselho, António Oliveira
Salazar.
Agora, de súbito, apercebo-me que venho citando
Oliveira Salazar. Sinceramente, no contexto da vigente democracia
cavaquista, lembrar o criador da democracia orgânica acho
que é um tanto esquisito. Mas, sublinho, sem menosprezar o sentido
de oportunidade. No entanto, deixo a pergunta: por que terá sido que
a minha memória trouxe à colação Oliveira Salazar?...
O
Estado português congeminado pelo Conselho de Estado
O
Estado (nação organizada politicamente) do Conselho de Estado é
aquela entidade nacional que o dito Conselho chamou a si como filha
querida e adoptou como se fora existente em Portugal. Mas que não
tem correspondência com o Estado que o mundo dos indígenas
portugueses conhece.
A
congregação dos conselheiros, bastante alheada da realidade
portuguesa e dando-se sobranceiros ares de outra galáxia, cinge-se
muito às aparências e às definições da chamada legalidade
democrática e a uma situação do País, de contornos e essência
irrealistas, bastante diferente da que é percepcionada ou sentida
pela maioria da população portuguesa.
Isso
traduz um facto de nocivas consequências: o de o Conselho de Estado
contemplar-se demasiado no falso axioma de Portugal ser um Estado de
Direito. E com essa atitude sugestionar negativamente a população –
o que é facilitado e incentivado pela propaganda oficial.
Também
a partir desta incongruência fica irremediavelmente comprometida a
eficácia do referido órgão, mesmo sendo ela admitida como factor
de ajuda e colaboração ao Venerando Chefe do Estado que, como se
sabe, persiste no erro de inculcar o falso axioma.
A
liturgia do cavaco* no templo de Belém.
A
época que atravessamos de inúmeras dificuldades obriga a cuidados
redobrados no nosso viver quotidiano e a fazermos o melhor uso
possível do tempo que dispomos para o trabalho diário e para o
imprescindível ócio. Sob esta óptica do lazer estaria tentado a
considerar que a visão dos actos associados à liturgia do cavaco*
que é inerente ao funcionamento ocasional do Conselho de Estado,
poderia servir de recreio para a malta se divertir. Porém, ela é
tão menor, insignificante e mui notoriamente afastada da observação
dos indígenas, que nem para isso serve.
Fim
*
cavaqueira.
P. S. Esta
crónica vem a propósito da inconsequente reunião do Conselho de
Estado que teve lugar no dia 03 de Julho de 2014, no Palácio de
Belém, em Lisboa.
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