Ao compasso do tempo…
UM ELUCIDATIVO
TELEGRAMA DA AGÊNCIA LUSA
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
“Guimarães, 20 Setembro (Lusa) -- O PS conseguiu hoje encher completamente o Pavilhão Multiusos de Guimarães para o comício que assinala o início do ano político socialista, reunindo milhares de pessoas, muitas das quais transportadas em inúmeras camionetas provenientes de vários pontos do país” .
Antes de mais, concentremos atenção na referência às “inúmeras camionetas provenientes de vários pontos do país”. Quer dizer: houve uma mobilização geral e, provavelmente, os “excursionistas” terão sido obsequiados com transportes gratuitos. Algumas perguntas surgem de imediato no nosso subconsciente: Quem pagou as facturas dos transportes? Teria havido ofertas de farnéis? Quem os custeou? Cada indiferenciado participante terá recebido verba pela comparência? Que entidades estiveram envolvidas nos pagamentos?
Como estamos habituados aos espectáculos do circo político, geralmente associados às cantigas e aos volteios dos folclores partidários exibidos pelos artistas das várias trupes que alternam e se confrontam no reservado espaço da política portuguesa que lhes é tão caro, a notícia acima transcrita, do telegrama da Agência Lusa, não causou impressão ou alvoroço.
Mas tem profundo significado. Ninguém que se preocupe com o exercício da POLÍTICA o negará. Sobretudo, os sobreviventes atentos da época da Ditadura que, na época, se insurgiam contra as grandes mobilizações de populares que, transportados em autocarros pagos pelo organismos oficiais e empresas ligadas ao regime, acorriam às festivas celebrações do Estado Novo ou em apoio ao idolatrado chefe Oliveira Salazar.
Em Abril de 1974 aconteceu a Revolução. Nessa altura se dizia que com o seu triunfo acabava o regabofe das manifestações de idolatria, dos pantagruélicos almoços, das jantaradas e das dispendiosas viagens ao estrangeiro à custa do Erário.
Depois da imediata embriaguês a que deu azo a euforia da liberdade e da libertação do jugo da Ditadura, veio o período da ressaca que nos trouxe profundos amargos de boca, nos atingiu o bestunto e nos trouxe, por um vale de lágrimas, ao actual estado de sofrimento, de miséria, de abulia e de estupidez; o qual vai prosseguindo agravado pelas malquerenças de uns tantos figurões de coturno, preponderantes no meio sociopolítico, sempre determinados em complicar a vida do semelhante; sobremodo explorando, chateando, espezinhando e violentando o vulgar indígena.
Porque tais costumes se mantiveram e até atingiram nesta terceira república maior expressão, dir-se-ia que o colectivo dos cidadãos perdeu a memória do tom virulento com que os democratas advenientes, arvorados em fanáticos defensores dos valores da democracia e da ética na política, verberavam nos primeiros meses pós revolução, os procedimentos dos agentes e seguidores do Estado Novo.
Agora, todos os dias, somos confrontados com as práticas dos políticos e as manobras dos governantes que dominam a cena do teatro político em tudo semelhantes às que prevaleciam durante a vigência do salazarismo. É, precisamente, o caso posto em foco nesta crónica.
Tal como dantes, também na actualidade, os clãs partidários, alinhados na disputa do poleiro do Estado, continuadamente mobilizam as hostes para as comparências nos comícios e nas jantaradas. Arrebanham os indivíduos, acenam-lhes com as passeatas, facultam-lhes graciosamente os meios de transporte. Os objectivos são conhecidos: casa cheia, muitas bandeiras desfraldadas, que importa reportar nos telejornais das televisões em horários nobres. É uma festa. Saloia. Estupidificante. Obscena. Mas os presentes em tais eventos gostam. E entre os milhões de papalvos que os contemplam nas imagens transmitidas pelas estações de Televisão, sempre há milhares que, basbaques por deformação mental genética, ficarão entusiasmados e rendidos ao desempenho mais ou menos artístico e falacioso dos protagonistas do acontecimento.
Nessas andanças os oradores usam e abusam dos elogios de si próprios, enaltecem sem pudor as acções que desenvolveram ou prometem realizar. Atitudes pouco escrupulosas que, se bem avaliadas por pessoas idóneas e isentas, decerto, representam um tiro de descrédito saindo-lhes pela culatra. Também, nessas ocasiões os intervenientes aproveitam para atacar, desvalorizar e “condenar” os adversários. Igualmente de forma desavergonhada.
Tudo isto se traduz numa incessante palhaçada que, distraindo o pagode, nada contribui para a creditação da Democracia, nem serve de inspiração, base de suporte ou alavanca para a adopção de uma objectiva política regeneradora do País.
Uma vez que a situação sociopolítica é demasiado séria para andarmos distraídos, resignados (embora sofredores e aflitos), sem cuidarmos de exigir o maior empenho e rigor na adopção de uma nova Política por parte do Governo, impõe-se que se faça a caracterização dos insuportáveis espectáculos das mobilizações de gentes conduzidas como rebanhos, que já cansam e indignam os portugueses.
Sim! Inegavelmente eles são: Espectáculos medíocres… Complicados passatempos de imprestáveis lazeres…. Desempenhos de mau teatro, de um faz-de-conta, pleno de hipocrisia, sem qualquer relação com a realidade e desprovido do sentido de utilidade. Para que servem? Visam confundir e intrujar os cidadãos mais facilmente influenciáveis pelas aparências e pelas palavras cínicas dos grandes manipuladores dos concidadãos mais ingénuos – os quais estão inclusos na definição dada pelo filósofo Le Senne: indivíduos cuja apreciação de qualquer acontecimento é imediata, primária, cingida ao presente e, portanto, sem percepcionarem a sua essência e sem alcançarem a inerente e real compreensão.
Logo: Vamos estar de olhos bem abertos a observar as pantominas e a ler - com natural repugnância - as prosas dos vendedores de banha da cobra. Igualmente, de ouvidos atentos aos ruídos em surdina que nos chegam de certos lugares malcheirosos…
Porquê? Pela imperiosa razão de ser altura de denunciar a podridão existente e dar fim à insuportável parada da paródia…
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