UMA CRÓNICA SOBRE UM CASO FUTEBOLÍSTICO QUE TEVE REPERCUSSÃO MUNDIAL
Crónica elaborada no tempo do campeonato mundial de futebol disputado na Coreia do Sul, que volta à lembrança porque referente a um equívoco suscitado no desafio entre Portugal e a Coreia; o qual, foi há dias evocado num órgão da Comunicação Social a propósito da notícia da hipotética candidatura de Portugal à realização de um campeonato mundial da modalidade.
Por isso, agora, a republico.
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Um texto sem tabus…
UM SOCO… QUAL SOCO?
DEVERAS, UM SUFOCO!…
Brasilino Godinho
Eu não conheço pessoalmente o João. Mas rezam as crónicas de bem e de maldizer que se trata de um pinto (sem qualquer hipótese de chegar à identidade de galo), franzino, ingénuo, talentoso jogador de futebol, rapaz esforçado, bom chefe de família e amigo de peito do major Valentim Loureiro, célebre personagem do mundo da bola e, como não podia deixar de ser associado, ilustre político.
Além disso, que é muito, João Pinto, já usufruiu daquela condição que, segundo vi escrita "in illo tempore", é necessária para o anónimo indígena se poder considerar um bom português: ser do Benfica…
Como artista da bola acusam-no de, às vezes, fazer teatro nos relvados do jogo da dita, o que - para muitos conceituados especialistas de ambas as artes - é considerado como uma indesculpável heresia. Aparte essa pretensa tendência de confundir palcos de actuação, o famoso Pinto tem-se revelado um autêntico artista no exercício das suas habilidades futebolísticas, de modo a merecer os aplausos das multidões.
A culminar uma época brilhante ao serviço do verde Sporting foi escolhido para integrar a selecção nacional da modalidade, que representou Portugal no campeonato do mundo disputado na Coreia do Sul e no Japão.
E foi nesta competição mundial, precisamente, no jogo disputado pela equipa portuguesa com a turma coreana que aconteceram coisas do arco-da-velha que estão a dar a volta ao miolo de muita gente em Portugal e no estrangeiro.
Mas, afinal, o que houve no desafio com a Coreia?
Se as palavras podem expressar alguma coisa - e até ver, está por fazer prova em contrário - adianto que na minha avaliação, da qual assumo inteira responsabilidade, tudo o que ao caso diz respeito ou, emendando, tudo, neste caso, a que falta ordem e algum respeito, se resume a um conjunto de grandes equívocos…
Passo a descrever o cenário e a referir os comparsas para, com a colaboração dos leitores, chegarmos às interpretações ambíguas que estão em voga às escalas nacional e mundial.
O jogo decorria a meio campo. Num dado momento, eu vi - acreditem! – o João Pinto a rodopiar, como se dançasse o "Bailinho da Madeira", em volta dos adversários, à procura da bola que caprichava em fugir-lhe do alcance dos pés e da cabeça. Pareceu-me algo estonteado (aqui, posso testemunhar que é fácil isso acontecer a qualquer um, com a evocação das minhas experiências da juventude: sempre que dançava as valsas de Strauss ficava meio tonto). Certamente, João Pinto mostrava-se diligente e bem intencionado. Apesar de evidenciar algum esforço de contenção nas aborrecidas pausas a que o desenrolar do jogo obriga, instantes depois, correspondendo ao chamamento de um colega que o incitava a ir à bola e a mandar-lha, lançou-se em corrida desenfreada ao encontro do esférico. Então, andava por ali perdido um coreano que de frente para a bola e enfeitiçado por ela, não terá pressentido a aproximação, por detrás, do Pinto, nem entendido o apelo desesperado que este, em transe de aproximação e perante a iminência do choque, lhe gritava a pedir que se desviasse da trajectória que prosseguia.
Nas bancadas em redor, de vermelho tingidas e no centro do campo das operações futebolísticas, reinava a confusão, persistia o nervosismo, retumbava a gritaria. Portanto, não é de estranhar que o nosso João, impossibilitado de travar a corrida e, também ele, excitado e apressado em atingir o seu objectivo, não se tenha dado conta que o adversário não compreendia a língua portuguesa. Assim sendo, prescrito pelo destino, o João Pinto foi atropelar, em queda não livre, o desprevenido jogador da equipa da Coreia do Sul.
Infelizmente, como vivemos num "mundo cão", recheado de maldades e de segundas intenções logo o árbitro, bastante perturbado, num cenário de muita chateação, interpretou o acidente como manifestação de uma terceira intenção agressiva do Pinto, talvez, como resultante de algumas desconexas quarta e quinta ideias hostis (sabe-se lá o que passou por aquela cabeça…). Vai daí, o homem de negro vestido, possesso, correu na direcção do jogador luso mostrando-lhe, freneticamente, um cartão vermelho. Por sua vez, João Pinto em marcha rápida foi encontrar-se com o sujeito. Nestas circunstâncias, o que se poderia esperar?
É das leis da Física que dois corpos em movimentos uniformemente acelerados, avançando um contra outro, em rota de colisão, não podem suster-se repentinamente e muito dificilmente escaparão ao fenómeno da atracção recíproca de duas porções distintas de matéria corporal sujeitas às leis da cinemática e da relatividade formulada por Einstein... Como era inevitável, deu-se o acontecimento impetuoso.
Bem vista a situação, o sr. Angel Sanchez, que agitava o cartão vermelho acima da cabeça, num curtíssimo tempo, não tinha outra hipótese que não fosse a de oferecer o corpo para amortecer o embate. Para o efeito, a simpática criatura das pampas, inspirou fundo, fez peitaça como costumam fazer os moços de forcado portugueses em arena de lide de touros e dilatou a barriga, tanto quanto lhe foi possível, com o louvável - assaz prudente - tríplice propósito de reduzir a intensidade da colisão, de aguentar a carga do frágil Pinto e de se manter de pé.
Melhor apreciados os factos, João Pinto, no momento crucial, teve o reflexo instantâneo, de génio clarividente, de esticar o braço direito - aquele que lhe ofereceria maior segurança e confiança; e tendo, também, a extraordinária perspicácia de prever as terríveis consequências que adviriam do "choque elástico" para a integridade física do respeitável juiz da partida, achou por bem encolher as garras (os dedos) afim de evitar que elas, se apontadas em riste, pudessem - eventualmente - penetrar no tecido adiposo e perfurar o estômago do seu opositor. Isto foi tanto mais surpreendente e muito de enaltecer, porquanto o jovem português ainda terá sido empurrado. Com tal empurrão multiplicou-se,
Pois, fechando a mão, o jogador João Pinto, a meu ver, executou uma das mais escrupulosas jogadas da sua vida: ele revelou extremo cuidado em oferecer uma maior superfície de impacto e transformar o contacto físico com o árbitro argentino num efeito de pranchada amortecedora - o que fez com assinalável êxito, logo comprovado pelo facto do atingido, Angel Sanchez, não ter ido ao tapete de relva, posto KO, nem esboçado um gesto de atroz sofrimento; o que seria suposto acontecer se, acaso, tivesse havido um soco violento, intencional, desferido pelo português sobre uma das partes mais sensíveis da morfologia humana, como é a que engloba estômago e rins.
Claro, como a água cristalina brotando da nascente das termas do Agroal, em noite de luar: João Pinto, no limite descontrolado de variação da velocidade, com as mãos fechadas e o senhor da vestimenta negra, pasmado, com o ventre distendido, facilitaram-se - mutuamente - a coisa acontecida e conseguiram reduzir à expressão mais simples os danos físicos e mentais. Ao que parece, ínfimos os físicos; ainda assim, grandes e generalizados os de ordem psíquica.
Pormenor importante: há fotografias que comprovam a minha tese, acima exposta. Nomeadamente, foi publicada uma foto onde se vê a mão fechada de João encostada ao abdómen de Angel e, sublinhe-se, em posição estática a indiciar um apoio sustentado contra uma eventual queda do antagonista. E como não se registou trambolhão, nem grito ou nítido esgar de dor da parte do árbitro do jogo e porque tudo se passou em velocidade alucinante, assinalo quanto foi notável a rapidez de reflexos do jogador português e, obviamente, concluo que houve benefício físico para a suposta vítima (Angel Sanchez), recolhido no gesto providencial de João Pinto. Mentes perturbadas não o entenderam, nem souberam sobrepujar as falsas aparências impressas numa película…
Por regra e como no caso em apreço, as leituras não podem, nem devem, ser apressadas e demasiado superficiais. Aqui, nesta questão fulcral, tem o maior cabimento o estudo, a análise e a aplicabilidade dos princípios da Relatividade do Conhecimento, segundo os quais este depende da constituição da mente do ser que conhece ou que o mesmo se formaliza por uma variável, consoante o termo que se interpõe com a coisa a conhecer.
Se não se atentar com espírito de abertura e ânimo perscrutador no objecto e no significado do que está à vista e aqui fica explícito, certamente que nunca se chegará a conclusões plausíveis sobre a matéria
É que, entretanto, pega a moda dos sumários processos de intenções e qualquer dia - só para dar um exemplo do exagero a que se poderá chegar - sempre que o Dr. Francisco Balsemão, conhecido dono da "SIC" e do semanário "Expresso", aparecer nas entrevistas, na sua pose habitual, com os membros superiores dobrados em L, a falar à cadência dos gestos das mãos semicerradas, colocadas ao nível da cintura, com os dedos encurvados, haverá indivíduos que, a seguir, vão clamar que o respeitado cidadão tentou fazer manguitos ou terá feito alguns gestos obscenos para os interlocutores, senão para o público
Aliás, não foi por acaso que o jogador Pinto e outras pessoas responsáveis se dirigiram ao árbitro Sanchez pedindo-lhe desculpas como mandam as boas regras da educação; não fosse ele julgar que houvera agressão ou intento de magoá-lo. Ademais, nestas situações, a parte mais fraca é sempre a mais vulnerável e a que mais fica à mercê dos julgamentos precipitados, pelo que se justificou a iniciativa.
Face ao exposto, perguntar-se-á: por que motivo o atleta luso correu para o homem do apito? Porque, sem margem para dúvidas, o João Pinto não gosta da cor vermelha. São histórias antigas com o Benfica. E não só…
Será fácil perceber que o rapaz não se revendo, ao que consta, na qualidade de comunista terá tido a impressão que o argentino lhe queria colocar o rótulo na testa. Impressão induzida pelo facto de Angel Sanchez levantar o cartão vermelho à altura da cabeça do jogador e o agitar constantemente como se dispusesse a fixá-lo nela. Se admitirmos que ninguém gosta de ser classificado por aquilo que não é, compreende-se o problema e a angústia de João Pinto ao ver-se guindado à condição de "vermelho" e ao julgar-se confundido com os vermelhos coreanos do norte comunista, da península coreana, perante milhões de pessoas dispersas por todo o mundo civilizado.
Por outro lado, o argentino, naturalmente desconhecedor da aversão do João Pinto à cor vermelha, foi apanhado em contramão e, surpreso, ficou confuso, sem atinar com toda aquela bagunçada. Depois, logo no local, transpareceu o incómodo do moço e as tentativas de explicações dos homens de qualquer dos lados em confronto (aparentemente, mais de ideias que de desforço) que, dadas as circunstâncias de tensão e alarido prevalecentes, não chegaram a concretizar-se…
Deste modo que descrevi, ficam assinalados vários equívocos que se geraram Outros desacertos pertinentes se poderiam aduzir se esta crónica já não estivesse tão longa; os quais tendo a ver com aquilo que se julgou ser a realidade das coisas e a intencionalidade das atitudes de uns e de outros envolvidos na complexa ocorrência. Geralmente, como no caso vertente, fazem-se apreciações a quente sem se atentar em pormenores de primordial importância para bem se ajuizar o que de mais profundo e substancial haverá que considerar…
Razão tinha o major valentão, digo, o major Valentim quando afirmou com aquele vozeirão e descontracção que se lhe conhecem que não tinha visto, a milhares de quilómetros de distância, qualquer agressão ou inofensivo soco perpetrados pelo João Pinto. E disse-o com certa autoridade que advém do facto de ser o distanciamento que permite a descomprometida visão da perspectiva da paisagem; e de esta constituir um factor decisivo para uma racional formalização da análise que se impõe fazer sobre o objecto em causa, em referência ao horizonte das coisas, face à ambiência dos meios físicos e relativamente aos parâmetros dos eventos.
Claro, que a interpretação dada àquele lance do jogo Coreia-Portugal por tudo que é comunicação social em Portugal e no Mundo é primária, superficial, tendenciosa, do género "Maria vai com as outras"… Também, desvirtuamento da minha explicação dos factos. Esta, fixada no plano da subjectividade auto-sustentada. Tanto uma como outra encaixando no espaço virtual, como hoje soe dizer-se…
Modéstia excluída… por inconveniente oportunidade, ouso prever que esta minha intervenção, ora lançada no centro da universal discussão, está condenada a ser a que, com mais isenção, superior inocência e apurado colorido, pinta o quadro do sucedido naquelas longínquas paragens do Extremo Oriente.
Enfim, que esta singela iniciativa contribua para amainar a presente tempestade que, a muita gente, dilacera a alma e oblitera a tola… Oxalá!
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