Leitor,
Pare!
Leia!
Pondere!
Decida-se!

SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

ESTÁ SITUADA NA PROVÍNCIA...

QUEM TE AVISA, TEU AMIGO É...

e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

segunda-feira, outubro 16, 2006

Um texto sem tabus…

ELA, CRIATURA INDISCIPLINADA,

NÃO É FLOR QUE SE CHEIRE…

Brasilino Godinho

brasilino.godinho@gmail.com)

Quem diria ao vê-lo nascer que o lindo bebé se tornaria um estafermo rejeitado por todos. Que dele querem distância…

E no entanto… a pequenita nasceu saudável, com boas cores, de rosa escarlate. Criança desinibida, mimada pelos seus progenitores, cresceu sempre bem adornada com os enfeites próprios do seu sexo e da sua privilegiada condição de parida no seio de uma família respeitável e com alta cotação na sociedade local. Deve realçar-se que foi crescendo rodeada de todos os carinhos e atenções de quantos lhe davam o pão que o diabo ia amassando e o demais nutritivo sustento. Igualmente, com mãos largas, lhe tratavam da regalada vida.

Até que, em dada altura, a pequerrucha começou a evidenciar preocupantes sinais de desconformidade física e alguma confusão de carácter sensorial quando a iniciaram na prática das operações aritméticas. Ela ficava baralhada e não se explicitava de forma audível e suficientemente compreensível para quem mais de perto a acompanhava na sua vivência diária. Por outro lado, incompreensivelmente, mostrava-se demasiado esquiva e pudica para muitos que, lhe conhecendo a existência, a espreitavam de longe com lânguida curiosidade… Para mais agravar a situação da criatura e não só dela, mas de quantos zelavam pelo seu comportamento e (ou) lhe sentiam a molesta presença, já espigadota, denotava uma irreversível tendência para se mostrar indisciplinada e rebelde, não se dando conta da realidade… das contas do orçamento caseiro que os seus mentores iam fazendo ao sabor da excitante, laureada, vida prosseguida pelo respectivo agregado familiar. Acentuavam-se as apreensões de alguns familiares confrontados com as dificuldades de lhe travar os ímpetos e as extravagâncias. Uma situação a fazer lembrar o que, geralmente, acontece ao cavalo quando toma o freio nos dentes: ninguém consegue detê-lo. Tal e qual ia sucedendo com a criatura em causa.

Eis senão quando se concretizaram as arreliadoras previsões. Ela, para além de ser crescentemente teimosa, irrequieta e desmiolada, sem respeito pela etiqueta, sem trejeitos de graciosidade feminina, sem pose de senhora prendada, talvez por tudo isso e pela gula insaciável a que não sabia resistir, transformou-se numa pessoa gordíssima, repelente, insuportável. Sobretudo, volúvel. Com a particularidade de quase todos os dias se contorcer e mudar a sua desmesurada anatomia. E chegou a um ponto limite, sem retorno. Ninguém a aceita. Muitos dos seus amigos de peito a abandonam ao deus-dará. O seu pai que naturalmente a gerou e carinhosamente a acompanhou nos seus primeiros anos de vida, em dada altura, devido a circunstâncias alheias à sua vontade, foi à vida por outras paragens e deixou-a desamparada no regaço da mãe que, divorciada do progenitor, manifestamente a renega. Veio depois o padrasto que - nem a sentindo como filha e não querendo tomá-la nos braços (apesar de ser pessoa corpulenta), nem se dispondo a consentir que ela se sente no sofá da chefia ou o acompanhe à mesa, com o receio de que aquele móvel ceda ao seu descomunal peso e que a indesejável companhia lhe afecte a pituitária, visto haver o consenso de ela ser flor que não se cheira – não hesita em a menosprezar a todos os instantes. A desgraçada, agora incrivelmente rejeitada pelos familiares, conhecidos de longa data, desconhecidos de relativas proximidades no tempo e nos espaços adjacentes ao seu habitat e por aqueles que são o pai e os tios adoptivos, vai arrastando uma vida dolorosa, de sobressaltos e de indefinições que a deixam num transe de não tugir, nem mugir. Uma crueldade inqualificável…

Ainda por cima, quantos lhe chegam perto para testar a sua capacidade de resistência física e espiritual, dão-lhe grandes safanões que a amolgam ou a dilatam de tal modo que nunca se sabe qual é a sua corpórea dimensão. Assim, por isso e conforme o lado de onde sopra o vento, ela se avantaja como o pavão quando corteja a fêmea ou se encolhe e disfarça como o ouriço-cacheiro e a avestruz se atacados ou receosos do perigo que ronda pela cercania.

Para além das contingências a que tem estado exposta a criatura, nos últimos anos, vem sendo cobaia de intricados estudos de especialistas convocados para estudarem o fenómeno; os quais se empenham em fazer o diagnóstico da sua excessiva envergadura física e intrínseca nulidade de espírito. Só que não têm dado meia para a caixa…

Ultimamente, veio a público que um departamento das Finanças (à revelia do Ministério da Saúde que, aliás, se está nas tintas para dar amplo jus ao seu nome), precedendo uma abordagem feita por técnicos à componente numérica do espólio financeiro da enferma, enviou um relatório preliminar ao patriarca da família adoptiva com uma pouco esclarecedora conjectura de passivos e activos; quais componentes da sua textura corporal. Aquele documento teve o condão de apalpar o terreno e suscitar reacções que, eventualmente, podem dar pistas para um apuro daquilo que será a verdadeira forma e o real conteúdo da entidade física do ser avaliado.

Entrementes, a vizinhança da casa senhorial e os citadinos, atónitos, a todos os momentos, interrogam-se: Sendo do conhecimento público que no palacete existe um numeroso e qualificado grupo de agentes operacionais das mais diversificadas disciplinas por que carga de água não se utiliza alguém competente desse núcleo para tratar da saúde da infeliz enferma. Os peritos que integram o quadro da casa não dispõem da confiança dos patrões? A malta não entende o desperdício das competências internas da referida mansão e os excessivos gastos com as intervenções e consultas externas. Aqui, para os indígenas, está presente uma charada, incompreensível, de obscura resolução…

No meio de todas estas desordenações de natureza clínica, reflexas de ineficácia da acção política segundo os usos e costumes ora em voga, à mistura com dados financeiros, vai se instalando o receio de a contabilidade das peritagens, consultas, relatórios, exames, atingir - daqui a uns anitos - números superiores aos da actual dívida da Câmara Municipal de Aveiro.

Pois, já perceberam… A dívida municipal é a criatura indisciplinada e malcheirosa, objecto desta crónica.