Um texto sem tabus…
A RENÚNCIA, OS EQUÍVOCOS, O EXEMPLO E… A SUJEIÇÃO!
Brasilino Godinho
A renúncia – Carlos Sousa, presidente da Câmara Municipal de Setúbal, acaba de renunciar ao mandato por imposição do Partido Comunista Português; partido a que pertence e em cuja lista concorrera às últimas eleições autárquicas.
Antes de se propor à presidência da edilidade setubalense cumprira mandatos de funções idênticas
Nos pretéritos meses ter-se-ão gerado situações de descoordenação e desentendimento entre a vereação comunista, com reflexos negativos na gestão corrente do município de Setúbal. Mas de forma imprevista ter-se-á dado a quebra de confiança da direcção partidária no seu camarada. Daí, segundo o que a direcção do PCP informou, foi solicitado a Carlos de Sousa que abandonasse o lugar. E o presidente veio, de facto, a anunciar publicamente que aceitava a vontade do seu partido e renunciava ao cargo de presidente da Câmara Municipal de Setúbal.
Os equívocos – neste caso assinalam-se alguns equívocos. Desde logo, avulta o facto consumado da renúncia de Carlos de Sousa representar o embuste e a hipocrisia do fingimento com que se enfeita o exercício da Democracia em Portugal.
Diz-se aos eleitores que são eles que elegem os seus representantes nos órgãos do Poder e que os eleitos exercem os mandatos que lhes foram outorgados pela soberana escolha dos concidadãos e que é perante estes que eles são responsáveis pelos actos e pelos resultados das suas gerências. Mais: que a sua legitimidade advém de terem sido sufragados pelo voto popular. E que entre eleitos e eleitores devem existir relacionamentos de proximidade com total transparência e subentendida lealdade e franqueza.
Ora tal quadro político, apesar de regulado pela Constituição da República Portuguesa, é simplesmente formal, sem correspondência no efectivo funcionamento do sistema democrático vigente em Portugal.
Geralmente, os partidos preenchem as listas das candidaturas por critérios estritamente partidários sem se empenharem na escolha dos cidadãos mais capacitados. Os eleitores são constrangidos a sancionarem com o voto as preferências das direcções dos partidos. Os munícipes nem dispõem de alternativas de opção. Ressalvando algumas excepções, os eleitos desempenham as funções mais preocupados com a vigilância dos respectivos partidos no sentido de evitarem as censuras e represálias dos aparelhos, do que com o interesse público. Desta sorte, estamos perante tipos de comportamento e de actuação a fazerem lembrar os tempos e os métodos da Ditadura do Estado Novo. Aqui radica um dos vícios mais perniciosos do figurino político-administrativo em uso.
Urge encarar o problema. Temos de nos questionar quanto ao monopólio dos partidos na estrutura da administração autárquica. Há que ponderar a hipótese de se encontrar um outro mecanismo político enquadrando as vertentes eleitoral e o funcionamento dos órgãos do poder local. Parece acentuar-se o inconveniente de o Poder Local ser condicionado pelo sistema partidário, visto que, neste nível, é prejudicial e não têm cabimento a lógica e o combate político pela adopção das ideologias e das políticas adstritas à governação do País. Os partidos têm aí na convergência ao Poder Central a sua específica actividade e razão de existência. Terá sido um erro extrapolar tal esquema e formas de intervenção para o sector da Administração Local.
A demissão de Carlos de Sousa da presidência da Câmara Municipal de Setúbal realçou a faceta negativa da legislação para as eleições e administrações autárquicas. È inadmissível que os partidos se permitam tutelar os presidentes e os vereadores e as juntas de freguesia. Igualmente, afastarem dos lugares da administração pública os eleitos pelo povo. Os autarcas foram empossados nos seus cargos para gerir os destinos das comunidades na perspectiva do Bem Comum e não ali postos para servirem as conveniências dos seus partidos.
Mas como, na realidade, as orientações dos partidos são as que servem de base de actuação dos autarcas vamos aceitar ad perpetuam que nos venham impingir a conversa da treta que os presidentes e vereadores foram escolhidos pelo povo e que dele dependem para a aceitação ou rejeição dos seus mandatos? O que aconteceu em Setúbal é elucidativo. É condenável! Ajudará – como se impõe – a abrirmos os olhos para aquilo que se passa à nossa volta e a sermos mais rigorosos e exigentes para com a classe política.
Outro equívoco decorre não só da formação ideológica de Carlos Sousa mas, sobretudo, da essência da doutrina comunista que privilegia o colectivo em detrimento do indivíduo. O cidadão Carlos Sousa ao admitir a supremacia do partido sobre a função presidente da câmara terá violado o princípio da confiança do eleitorado na sua autonomia e sentido de responsabilidade. Mas nem só. Também caiu no logro da aceitabilidade e da crença na simbiose de duas valências incompatíveis: a condição pessoal de militante subordinado ao partido, com a de personalidade investida em autoridade pública obrigada a cultivar procedimentos de independência e isenção. Um equívoco que gerou a conflituosidade que prosseguida, evoluiu e se tornou insanável. Aliás, estas situações ambíguas de desencontros ente a Causa Pública e as orientações de grupos, de seitas e de partidos são absolutamente intoleráveis: Não obstante, repetem-se em várias autarquias e com todas as associações partidárias ou cultoras do secretismo.
O exemplo – Embora, necessariamente, prevalecendo-nos da reserva já exposta quanto ao processo da ocorrência e ao facto em si, consideramos elementar obrigação cívica destacar, nesta deplorável história, a dignidade assumida por Carlos Sousa e a coerência que manifestou; visto que, ao longo dos anos, foi dizendo que o seu lugar estava à disposição do partido (um erro crasso de perversão do espírito democrático). Certamente, sob o crivo de apreciação da idiossincrasia de Carlos Sousa, terá sido um caso de verticalidade extremamente raro na nossa vida política.
Neste ponto, importa sublinhar que as precedentes considerações não implicam qualquer juízo de avaliação sobre a actuação politico-administrativa de Carlos de Sousa e de toda a edilidade setubalense.
A sujeição - Para terminar e contrariando a posição do demitido presidente da Câmara Municipal de Setúbal, acentuamos que os cargos públicos nunca devem estar sujeitos às intervenções dos partidos. Tutelas das autarquias? Somente as determinadas pela Lei e exercitadas pelos órgãos competentes do Estado.
Neste aspecto, Carlos Sousa, sem glória, pagou a exemplar coerência com língua de palmo enrolada na detestável capitulação perante um prepotente, obsceno e promíscuo expediente de intromissão partidária (no caso vertente, do PCP) que devia, de todo, estar arredado do exercício da administração autárquica e da governação do País.
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