A IMPENETRÁVEL,
MISTERIOSA ESFINGE,
QUE HÁ NOME DE CAVACO
Brasilino Godinho
Tal
como as esfinges do Egipto que, no deserto, permanecem estáticas, contemplativas
à cadência da sucessão dos tempos, sem despertarem para a vida; igualmente, o
actual venerando Chefe do Estado - que do alto do Palácio de Belém nos
contempla com ar distante, sobranceiro e bastante arrogante, qual nova esfinge
de formatação portuguesa - se queda mudo e não dá cavaco aos indígenas; mesmo
quando é solicitado instantemente para que desperte do sono pesado em que
parece estar mergulhado e se abstenha das retóricas fantasias com que, de vez
em quando, brinda os seus devotos seguidores e os fanáticos adoradores do
fantasmagórico cavaquismo de tristes recordações e de nefastas consequências
para o povo português.
Vem
a propósito assinalar que sua excelência o venerando Chefe do Estado, Cavaco
Silva, voltou ontem a repetir que não aceita pressões no sentido de debelar a
tremenda crise que avassala Portugal e atormenta os portugueses.
À primeira
impressão, alguns portugueses (sobretudo aqueles que se encontram instalados no
território cavaquistão) até poderiam
julgar que estavam perante um super-homem ou mais apropriadamente, face a uma
superexcelência de Chefe do Estado.
Todavia,
pela nossa parte, mais propensos a termo-nos com os pés bem assentes no chão
pátrio, diremos que o venerando Chefe do Estado, Cavaco Silva, “não aceita
pressões venham elas de onde vierem”, por três ordens de razões:
A
primeira razão, porque está paralisado, refém de si
mesmo, devido a um muito seu bloqueio mental e a uma indesmentível,
prestigiada(...), inanidade funcional, que decorre da peculiar circunstância de
nunca se enganar e jamais ter dúvidas quanto a si próprio e a tudo quanto o
rodeia. E sendo assim configurada a figura presidencial não há que fazer alguma
coisa que, eventualmente, pudesse pôr em cheque o estatuto de pessoa infalível.
Nada melhor que, não arriscando patavina, estar quieto, acomodado, silencioso e
ocupar o tempo despreocupadamente à janela do palácio presidencial a ver passar
os comboios da linha do Estoril, a viajar gostosamente pelo país e pelo
estrangeiro, a visitar, regalado, fábricas de apetitosos chocolates ou de
brinquedos para as inocentes criancinhas que muito se entusiasmam com as
inspiradas observações chistosas do venerando Chefe do Estado logo que ele não
esteja ocupado, muito senhor de si, a cortar as colorida fitas penduradas nas
entradas das instalações fabris ou de outras instituições.
Por
isto, atente-se nas lições - de sabedoria de bem viver e de melhor se
adaptar a hábitos
e a folclóricas
tradições vindas dos tempos da outra prendada senhora finada a 25 de
Abril de 1974 - que, quase diariamente, o venerando Chefe do Estado ministra
proficientemente aos seus dilectos alunos, admiradoras, companheiros, amigos, compadres, servidores, correligionários e...
ao Zé-Povinho.
Amigo
da onça», mas sage quanto baste às conveniências
instaladas na democracia formal em curso de obscena exposição, o actual Chefe
do Estado, é inteiramente merecedor do respeitoso tratamento de VENERANDO.
Sua
excelência o venerando Chefe do Estado, Cavaco Silva - que presta um inestimável serviço público de
presença, pose, decoração,
ostentação e conformação palaciana enquanto ocupante da presidencial mansão de
Belém, - dispensa uma altíssima veneração à sua augusta pessoa.
Tal
estima, reveladora de inexcedível bondade, do venerando Chefe do Estado Cavaco
Silva pela sua pessoal e alta envergadura física, psíquica e intelectual, se é
um brilhante factor de alguns desequilíbrios funcionais na natureza naturada,
também deslumbra e traz muito estupefactos os portugueses - o que,
implicitamente, por elementar rejeição de acutilância ao seu amor-próprio,
inviabiliza qualquer tipo de concordância e aceitação de sua excelência
relativamente às pressões apresentadas por atrevidos indígenas que ousam
interpelá-la com irreverência e algum abuso de confiança.
Uma
confiança que, afinal, nem lhes terá sido concedida por tão ilustre
personalidade da suprema hierarquia da república que temos em continuado
mau uso e persistente descrédito.
A
segunda razão, decorre do facto, amplamente demonstrado
à passagem do tempo, de o nosso actual venerando Chefe do Estado, sofrer de miopia
que o inibe de conhecer a realidade do país; à qual, se costuma chamar miopia
política. Intui-se que sua excelência tenha aversão ao uso de óculos e à
utilização de lentes de amplificar que proporcionem a melhor e correcta visão
dos objectos, dos instrumentos e das paisagens: próxima e distante... Será uma
precaução de sua excelência tendente a manter um confortável alheamento do
estado da nação indígena...
A
terceira razão está radicada no ego da presidencial
figura cavacal. É por demais evidente que o dito valorizado imo de sua excelência
está inteiramente ocupado com a altíssima pressão identificada com a sua
ostensiva (provocatória) auto-suficiência. Nele, pequeno lugar muito íntimo e
recatado, não resta espaço para a intromissão de pressões externas. Mais: o
mesmo conserva a vantagem de servir de escudo protector às hipotéticas
intromissões das famigeradas pressões.
Provavelmente
derivado da conjugação das três
razões/condicionantes prevalecentes na rica personalidade do venerando
Chefe do Estado, é um dado adquirido na sociedade portuguesa que, na criatura
presidencial, sucede algo semelhante ao que aconteceu no tempo do Presidente do
Conselho Marcelo Caetano com os carros da marca Toyota: «Vieram para
ficar».
Pois
que, igualmente, em sede da veneranda personalidade majestaticamente instalada
no palácio de Belém e quando, por demoníaco acaso, as equívocas e abstrusas
ideias acorrem descontroladamente à sua repousada cabeça e não menos
privilegiada mente, ninguém tenha dúvidas que elas ficam irremediavelmente
retidas nas suas faculdades de alma com o sublime estatuto de ideias fixas.
E
ideias contempladas nessa enternecedora condição de fixas, de enaltecida
pertença do venerando Chefe do Estado, Cavaco Silva, quando postas em confronto
com a pungente realidade vigente, anteveja-se e tenha-se a perene certeza de
que mesmo a acontecerem as mais devastadoras calamidades ao País e a
depararem-se as pressões atinentes às desgraças nacionais; podemos todos,
resignados e apalermados, dormir o sono dos justos, porque sua excelência de Cavaco
Silva nem moverá uma palha para, acatando-as, enfrentar os dramáticos
acontecimentos.
Tudo
isto, exposto nesta crónica, se funda na identitária praxe do venerando Chefe
do Estado, Cavaco Silva.
Ou
seja: Os princípios e as certezas do venerando Chefe do Estado português são
infalíveis tal como a infalibilidade do Papa...
Ao
papado ainda o cidadão Aníbal Cavaco Silva não chegou. Mas entronizado no
elevado altar da sua distinta veneração pessoal, ali está ele, em pessoa,
altivo, emproado, pompeante, exposto na capelinha de Belém e, em imagem
prazenteira, acolhido no grande templo de S. Bento, algures na alfacinha
Lisboa (capital da região saloia de Portugal), com todo o circunstancial
esplendor, sempre disponível ao culto dos seus fiéis e beneficiando das práticas
litúrgicas e dos cânticos laudatórios do insigne pregador/cantor Passos Coelho,
por sinal, invulgar excelência de Presidente do Conselho...
Fim
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