Volta
Salazar!
Banqueiro
Ulrich espera por ti…
Brasilino
Godinho
O
‘Diário Económico’ traz hoje, 04 de Junho de 2014, uma notícia
que nos despertou a atenção, algum desfrute e grande frustração;
o que, convenhamos, em conjunção de reacções, é raro
acontecer-nos, em simultâneo, num qualquer momento.
A
notícia diz respeito à pessoa de Fernando Ulrich, presidente do
Banco BPI e à sua extraordinária capacidade de produtor e
coleccionador de pérolas cinzentas, de brilho pálido e mui
ofuscante.
Trata-se
de um cidadão que tem a interessante particularidade de cada vez
que, gratuitamente, abre a boca em público, lhe saem pérolas muito
apreciadas em certos sectores do Poder instituído.
Desta
vez, para não fugir à sua identitária regra, voltou a acontecer o
que de habitual se espera da criatura Ulrich.
Vejamos:
O
jornal destaca em título:
«Ulrich
chocado por haver juízes que decidam economia do país».
Depois,
o jornal cita as declarações do presidente do Banco BPI, proferidas
ontem em Leiria. Vamos cingir-nos às partes (as pérolas) que mais
nos sensibilizaram…
Ei-las,
as pérolas de Ulrich:
-
Primeira
pérola.
“A mim choca-me um bocadinho que um grupo, (…) de 13 pessoas (…)”
-
Segunda
pérola.
“(…) as questões de gestão da economia deviam poder ser
decididas pelo parlamento.”
Terceira
pérola.
“(…) preferia que os governos apoiados em maiorias pudessem
funcionar com mais liberdade, (…)”.
Nossos
comentários:
Iniciámos
este texto com a anotação de que a notícia nos tinha despertado
atenção. Devemos acrescentar que atenção habitualmente desperta
sempre que nos deparamos com as pérolas do cidadão Fernando Ulrich.
Desfrute,
porque as pérolas do famoso banqueiro nos proporcionam gozo de
natureza estética face à sua representação em letra de forma.
Gozo aqui e agora exposto ao público.
No
caso em apreço, surgiu, inopinadamente, a frustração que decorreu
da confissão feita por Ulrich, de ter ficado “chocado um
bocadinho”. E a frustração centrou-se na expectativa que nos é
sugerida com a expressão utilizada: um
bocadinho chocado.
É que somos levados a imaginar como ficaria Ulrich chocado um
bocadão. Todavia, cumpre-nos dar nota da nossa fraca imaginação.
Mais: não atinamos quais seriam as formas e os efeitos,
provavelmente tenebrosos para ele, quiçá para Portugal e suas
gentes, se Ulrich tivesse ficado muitíssimo chocado. Decerto, graças
à Divina Providência (cautelar...) valeu-nos e à maioria dos
portugueses famintos, humilhados, ofendidos e maltratados, ter Ulrich
sido chocado pela dose mínima. Outra curiosidade não menos
importante é a de se saber que factos, motivações ou pretextos, e
as respectivas modalidades de ocorrência, poderão, no futuro,
ocasionar tão dramática, transcendente, situação de abalo físico
e espiritual de Fernando Ulrich. Se é que nem nos podemos esquivar
ao vaticínio de que tal hipótese existencial, se concretizada,
poder causar irreparáveis danos no funcionamento e nos resultados de
gestão financeira do banco que dirige… até pondo, eventualmente,
em risco o lugar de presidente do Banco BPI.
Ademais, agora, cabe-nos
manifestar estranheza pelo facto de Ulrich ter mencionado o grupo de
13 pessoas e não se ter apercebido da natureza aziaga do número
treze e logo não haver tomado as precauções adequadas que
evitassem chocar-se um bocadinho. Choque que, pelos vistos, apesar de
diminuto não deixou de produzir grossa mossa e infernizar a sua
delicada mente. Será que tal falha de discernimento poderá
atribuir-se a seus poucos cuidados no que concerne à salutar prática
de higiene mental?
Quanto
à segunda pérola figurada nas questões de economia deverem ser
decididas pelo parlamento, enaltecemos a bondade do propósito em
sede dos interesses de Ulrich, na condição de presidente duma
instituição bancária e nas conveniências da banca. Banca que está
fortemente associada ao Poder e bastante relacionada, em comunhão de
proveitosas vantagens, com o pessoal que assenta na Assembleia da
República. Por tudo isto, ajuizamos onde se focam as dores e os
aborrecimentos de Ulrich; umas e outros causados pelas intervenções
cirúrgicas dos operadores do Poder Judicial Constitucional.
Relativamente
à terceira pérola: “Preferia
que os governos apoiados em maiorias pudessem funcionar com mais
liberdade”, ela
pode ser classificada como: a coisa excelente do momento da elocução
aqui posta em causa; a cápsula gelatinosa de matéria algo opaca;
uma das peças de adorno político mais brilhantes da produção de
Ulrich; acima de tudo: um brado de alma angustiada e sofredora que
carrega o pesadelo de, permanentemente, ansiar pelo retorno de tempos
e modos da História recente, de sua predilecta afeição.
Assim
manifestando o seu pesadelo, Ulrich com primária subtileza está a
evocar Salazar e a intimá-lo que regresse ao seu convívio, à sua
mesa e ao seu reconfortante agasalho.
Pela
nossa parte e fazendo o desagradável papel de nos colocarmos na
posição de Ulrich, diremos que o seu pensamento tem alguma parcela
de lógica no que toca aos desempenhos do parlamento.
Pois
que no tempo de Salazar e parafraseando Ulrich, o governo era apoiado
na maioria parlamentar e funcionava com mais liberdade – com o
supremo requinte de não haver oposição e a máxima consolação de
nunca uma lei ter sido chumbada pela Assembleia Nacional e nem,
sequer, ter sido apresentada qualquer moção de censura. Mais: até
se registava a singularidade insólita de o governo e Salazar,
apoiarem a maioria parlamentar - o que se traduzia no funcionamento
dos poderes executivo e legislativo em regime de harmonia,
reciprocidade e cumplicidade assaz colaborante. Esta era uma
singularidade muitíssima proveitosa para ambas as partes (governo e
assembleia) que em fraterna colaboração dispensavam a existência
de fiscalização de um hipotético tribunal constitucional.
Aliás,
importa anotar que, no nosso tempo, algo de semelhante no domínio da
arbitrariedade e do poder incontrolado sucede em legislaturas de
maiorias absolutas. Estas mais não são que envergonhadas e cínicas
ditaduras de um ou de dois partidos coligados. Ou seja: a hipocrisia
em formato de indecente máscara circense, contemplada em todo o seu
esplendor no seio de uma democracia meramente formal.
Governos
apoiados em maiorias absolutas fazem o que lhes apetece e as suas
actuações pautam-se pelo autoritarismo mais perverso e por
continuados abusos repulsivos do Poder. Tal e qual consta da história
portuguesa desde o século XIX. Também, como acontece actualmente em
Portugal. Embora a nação ainda disponha da activa vigilância do
Tribunal Constitucional.
Tribunal
Constitucional que se afirma cada vez mais como uma reserva moral da
nação portuguesa. O qual nos últimos dias tem sido objecto de
inqualificáveis chantagens e duma escandalosa campanha de soezes
ataques de governantes e dos seus agentes de serviço e de vergonhosa
imagem pública.
Finalizando,
deixamos uma última observação. As pérolas de Ulrich configuram
um apelo nos seguintes termos:
-Volta
Salazar! Banqueiro Ulrich espera por ti…
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