Ao compasso do tempo…
UM MILAGRE SCALABITANO…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
Face a ele, numa reacção imediata, poder-se-ia dizer: Moita-carrasco! Mas tal expressão nem teria sentidos de oportunidade e de objectividade. Desde logo, porque não se justifica o silêncio. Tão-pouco pensar que o autarca Moita, com flores ou sem flores, não responde aos estímulos…
E tratando-se de um milagre valerá a pena reconhecê-lo e divulgá-lo num país que tem grandes tradições milagreiras e bastantes cultos e devoções…
E por falar em milagres e tradições recordamos o acontecimento milagroso atribuído à Rainha Santa Isabel, que um dia, levando no regaço bastante ouro para distribuir pelos pobres, foi interpelada pelo Rei D. Dinis sobre o que levava consigo. Então, ela, serena, digna, mostrou-lhe o regaço, dizendo-lhe: “Rosas, senhor!”.
Agora, sete séculos depois, desta vez em Santarém, tendo por protagonista sua senhoria Moita Flores, presidente da Câmara Municipal de Santarém, sem interpelações, mas, decerto, com grande fervor na devoção, dá-se um duplo milagre à vista de toda a gente, sem margem para dúvidas ou dúbias interpretações. A multidão dos fiéis e dos ímpios - ou profanos, conforme melhor soar aos ouvidos de gentes mais susceptíveis… – tomou conhecimento ou viu como, num ápice, de inexpressivas, quiçá inexplicáveis, flores da moita criatura, derivaram duas medalhas de ouro – quais douradas flores.
As semelhanças e diferenças entre o duplo milagre de sua senhoria Moita e o de sua majestade a Rainha Isabel, ressalvando as abissais distinções de temporalidade e de importância das personalidades, são as seguintes: Enquanto a Santa recatava a intenção e o gesto, o milagreiro aqui em causa, fez gala em se exibir sem pudor e com a maior espectaculosidade. Também outra diferente transformação: no caso da Santa o ouro transformou-se em rosas, enquanto que com Moita as suas específicas, incaracterísticas, flores se metamorfosearam em medalhas de ouro. Depois, os ouros medalhados não foram destinados aos pobres; mas sim entregues a Cavaco Silva e a José Sócrates, pessoas de condição abastada e grandes figuras decorativas da política nacional.
Dito isto, convém assinalar o carácter invulgar do fenómeno ocorrido em Santarém, com origem nos respectivos Paços do Concelho.
O milagre representa-se no singular facto de - num país de pelintrice, sem dinheiro (nem vontade dos governantes), para satisfazer necessidades básicas da população e em que as médias e superiores entidades públicas, normalmente, não reconhecem o trabalho, a dedicação às causas, a competência, a integridade de carácter dos cidadãos, o apego das pessoas aos deveres da cidadania, nem enaltecem as manifestações de inteligência e os melhores desempenhos dos indivíduos; mas, em contraposição, elogiam, premeiam, condecoram e festejam a mediocridade, a incompetência, a estupidez, a corrupção, a vigarice, sob a capa do compadrio, das amizades, do tráfico de influências e de interesses obscuros e, ainda, das comprometidas solidariedades - o autarca de Santarém se ter apercebido dos grandes e cansativos esforços, das surpreendentes aptidões e dos altíssimos préstimos, demonstrados pelos dois senhores da política nacional (Cavaco e Sócrates), que, certamente, com bastantes sacrifícios, se empenharam nas tarefas transcendentes de: o primeiro mencionado, escolher a cidade Santarém para palco das cerimónias do 10 de Junho; e o segundo (recolhendo os louros do governo por si chefiado), ter dado o aval à entrega do Convento de S. Francisco à Câmara Municipal de Santarém. Todos concordarão que tais gestos magnânimos atinentes a tarefas hercúleas, só ao alcance de predestinados, justificam as medalhas de ouro que, em momento de feliz inspiração sob os auspícios do Divino Criador, o presidente da edilidade da capital do Ribatejo, entendeu por bem e relevante significância atribuir aos dois abnegados dirigentes da República. Ter o intrépido Moita compreendido toda a abrangência dos casos Cavaco e Sócrates releva da sua perspicácia e do dom que lhe é adstrito por mercê do espírito sobrenatural que o protege e o determinou no extraordinário milagre. É que para recompensar tamanhas façanhas (a cavacal e a socrática), naturalmente, só - ajustadas, merecedoras e proveitosas - tão ricas recompensas. Bem assim, dadas e entregues em mão com as recomendáveis pompa e oportunidade… Por certo, em ambas as circunstâncias, algum conspícuo sacerdote ou fascinante sacerdotisa do templo mais à mão de semear, terá aproveitado a ocasião para, em estado de êxtase, lançar a bênção e exclamar: AMEN!
Para ultimar este nosso apontamento, uma referência com toque sentimental. Os jornais deram a informação que o chefe do governo, Sócrates (o português da Beira interior), sem aquele desprendimento e fortaleza de ânimo do seu homónimo da antiguidade grega, durante a solene cerimónia de entrega da medalha de ouro teve um momento de alguma fragilidade de natureza emotiva, do género lágrima ao canto do olho, talvez devido ao cansaço provocado pelo excessivo e persistente trabalho eleitoral que o tem ocupado todos os dias, nos últimos anos. E tal desfalecimento ou alvoroço psíquico compreende-se: se um homem (Sócrates ou Cavaco) nem é de pau, também não é de ouro, mesmo na ocasião em que (Sócrates ou Cavaco) dele está possuído, a título gracioso…
Aliás, a malta também se comoveu… A bem dizer, todos devemos estar comovidos e… agradecidos a suas excelentíssimas excelências, integrantes do assombroso milagre de Santarém. Sobretudo, pelo irresistível encantamento suscitado pelo brilhante metal precioso, pelos espectáculos e pela beleza formal, sofisticada e (in)consistente das explicações do impagável e devoto Moita – coisas e loisas que por todos foram pagas através da expedita via do Erário que, sofregamente, se alimenta dos dinheiros dos contribuintes.
Em todo o caso, tendo em atenção os rombos no Orçamento e os assaltos às bolsas dos cidadãos visados pelo Fisco, será desejável que não pegue a moda dos milagres camarários – do tipo aqui referido - de proveito ocasional e segundo a inspiração do desembaraçado, experto, famoso e mui fraterno Moita Flores… (pelos vistos, possuidor de um sentimento de fraternidade mui relativa e bastante selectiva, na medida em que dela, escandalosamente exclui a sofredora, compungida, determinada, senhora titular de todos os, ora recordados, desencantos dos mal-assombrados tempos de ministerial figura dos governos cavacais - de sua simplificada graça, Drª. Manuela Ferreira Leite).
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