Estimadas senhoras,
Caros senhores,
Juntamos as SARAIVADAS.
Estas, pertinentes…
Com os melhores cumprimentos.
Brasilino Godinho
SARAIVADAS… Ou as confissões do Arq.º Saraiva…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
Tema: Saraiva disserta sobre indisciplina
e recorda o soco do João Pinto…
O arquitecto-jornalista José António Saraiva neste sábado, 29 de Setembro de 2007, brindou-nos com uma crónica interessante sobre “O complexo da indisciplina”. Apreciei!
Não obstante faço dois reparos:
- Saraiva sempre que for explícito, objectivo e coerente, não tem que hesitar “de ir contra a corrente”. Para além de outras considerações tal atitude de afirmação “tem a vantagem de mostrar às pessoas que há outras formas de observar os problemas, levando-as a questionar a sua verdade”. Apoiado!
- Evocando a história de um soco de João Pinto, o arquitecto Saraiva veio dar a notícia de que, naquela época, foi na onda e se deixou influenciar pelas aparências… e pela histeria que se instalou no colectivo dos cidadãos.
Para lhe demonstrar “que há outras formas de observar o problema”, transcrevo a crónica que escrevi dias depois da data do acontecimento protagonizado por um pinto que arrasta o desconforto de jamais ter identidade de galo… Com ela, encerramos o presente embrulho das Saraivadas.
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Um texto sem tabus…
UM SOCO… QUAL SOCO?
DEVERAS, UM SUFOCO!…
Brasilino Godinho
Eu não conheço pessoalmente o João. Mas rezam as crónicas de bem e de maldizer que se trata de um pinto (sem qualquer hipótese de chegar à identidade de galo), franzino, ingénuo, talentoso jogador de futebol, rapaz esforçado, bom chefe de família e amigo de peito do major Valentim Loureiro, célebre personagem do mundo da bola e, como não podia deixar de ser associado, ilustre político.
Além disso, que é muito, João Pinto, já usufruiu daquela condição que, segundo vi escrita "in illo tempore", é necessária para o anónimo indígena se poder considerar um bom português: ser do Benfica…
Como artista da bola acusam-no de, às vezes, fazer teatro nos relvados do jogo da dita, o que - para muitos conceituados especialistas de ambas as artes - é considerado como uma indesculpável heresia. Aparte essa pretensa tendência de confundir palcos de actuação, o famoso Pinto tem-se revelado um autêntico artista no exercício das suas habilidades futebolísticas, de modo a merecer os aplausos das multidões.
A culminar uma época brilhante ao serviço do verde Sporting foi escolhido para integrar a selecção nacional da modalidade, que representou Portugal no campeonato do mundo disputado na Coreia do Sul e no Japão.
E foi nesta competição mundial, precisamente, no jogo disputado pela equipa portuguesa com a turma coreana que aconteceram coisas do arco-da-velha que estão a dar a volta ao miolo de muita gente em Portugal e no estrangeiro.
Mas, afinal, o que houve no desafio com a Coreia?
Se as palavras podem expressar alguma coisa - e até ver, está por fazer prova em contrário - adianto que na minha avaliação, da qual assumo inteira responsabilidade, tudo o que ao caso diz respeito ou, emendando, tudo, neste caso, a que falta ordem e algum respeito, se resume a um conjunto de grandes equívocos…
Passo a descrever o cenário e a referir os comparsas para, com a colaboração dos leitores, chegarmos às interpretações ambíguas que estão em voga às escalas nacional e mundial.
O jogo decorria a meio campo. Num dado momento, eu vi - acreditem! – o João Pinto a rodopiar, como se dançasse o "Bailinho da Madeira", em volta dos adversários, à procura da bola que caprichava em fugir-lhe do alcance dos pés e da cabeça. Pareceu-me algo estonteado (aqui, posso testemunhar que é fácil isso acontecer a qualquer um, com a evocação das minhas experiências da juventude: sempre que dançava as valsas de Strauss ficava meio tonto). Certamente, João Pinto mostrava-se diligente e bem intencionado. Apesar de evidenciar algum esforço de contenção nas aborrecidas pausas a que o desenrolar do jogo obriga, instantes depois, correspondendo ao chamamento de um colega que o incitava a ir à bola e a mandar-lha, lançou-se em corrida desenfreada ao encontro do esférico. Então, andava por ali perdido um coreano que de frente para a bola e enfeitiçado por ela, não terá pressentido a aproximação, por detrás, do Pinto, nem entendido o apelo desesperado que este, em transe de aproximação e perante a iminência do choque, lhe gritava a pedir que se desviasse da trajectória que prosseguia.
Nas bancadas em redor, de vermelho tingidas e no centro do campo das operações futebolísticas, reinava a confusão, persistia o nervosismo, retumbava a gritaria. Portanto, não é de estranhar que o nosso João, impossibilitado de travar a corrida e, também ele, excitado e apressado em atingir o seu objectivo, não se tenha dado conta que o adversário não compreendia a língua portuguesa. Assim sendo, prescrito pelo destino, o João Pinto foi atropelar, em queda não livre, o desprevenido jogador da equipa da Coreia do Sul.
Infelizmente, como vivemos num "mundo cão", recheado de maldades e de segundas intenções logo o árbitro, bastante perturbado, num cenário de muita chateação, interpretou o acidente como manifestação de uma terceira intenção agressiva do Pinto, talvez, como resultante de algumas desconexas quarta e quinta ideias hostis (sabe-se lá o que passou por aquela cabeça…). Vai daí, o homem de negro vestido, possesso, correu na direcção do jogador luso mostrando-lhe, freneticamente, um cartão vermelho. Por sua vez, João Pinto em marcha rápida foi encontrar-se com o sujeito. Nestas circunstâncias, o que se poderia esperar?
É das leis da Física que dois corpos em movimentos uniformemente acelerados, avançando um contra outro, em rota de colisão, não podem suster-se repentinamente e muito dificilmente escaparão ao fenómeno da atracção recíproca de duas porções distintas de matéria corporal sujeitas às leis da cinemática e da relatividade formulada por Einstein... Como era inevitável, deu-se o acontecimento impetuoso.
Bem vista a situação, o sr. Angel Sanchez, que agitava o cartão vermelho acima da cabeça, num curtíssimo tempo, não tinha outra hipótese que não fosse a de oferecer o corpo para amortecer o embate. Para o efeito, a simpática criatura das pampas, inspirou fundo, fez peitaça como costumam fazer os moços de forcado portugueses em arena de lide de touros e dilatou a barriga, tanto quanto lhe foi possível, com o louvável - assaz prudente - tríplice propósito de reduzir a intensidade da colisão, de aguentar a carga do frágil Pinto e de se manter de pé.
Melhor apreciados os factos, João Pinto, no momento crucial, teve o reflexo instantâneo, de génio clarividente, de esticar o braço direito - aquele que lhe ofereceria maior segurança e confiança; e tendo, também, a extraordinária perspicácia de prever as terríveis consequências que adviriam do "choque elástico" para a integridade física do respeitável juiz da partida, achou por bem encolher as garras (os dedos) afim de evitar que elas, se apontadas em riste, pudessem - eventualmente - penetrar no tecido adiposo e perfurar o estômago do seu opositor. Isto foi tanto mais surpreendente e muito de enaltecer, porquanto o jovem português ainda terá sido empurrado. Com tal empurrão multiplicou-se,
Pois, fechando a mão, o jogador João Pinto, a meu ver, executou uma das mais escrupulosas jogadas da sua vida: ele revelou extremo cuidado em oferecer uma maior superfície de impacto e transformar o contacto físico com o árbitro argentino num efeito de pranchada amortecedora - o que fez com assinalável êxito, logo comprovado pelo facto do atingido, Angel Sanchez, não ter ido ao tapete de relva, posto KO, nem esboçado um gesto de atroz sofrimento; o que seria suposto acontecer se, acaso, tivesse havido um soco violento, intencional, desferido pelo português sobre uma das partes mais sensíveis da morfologia humana, como é a que engloba estômago e rins.
Claro, como a água cristalina brotando da nascente das termas do Agroal, em noite de luar: João Pinto, no limite descontrolado de variação da velocidade, com as mãos fechadas e o senhor da vestimenta negra, pasmado, com o ventre distendido, facilitaram-se - mutuamente - a coisa acontecida e conseguiram reduzir à expressão mais simples os danos físicos e mentais. Ao que parece, ínfimos os físicos; ainda assim, grandes e generalizados os de ordem psíquica.
Pormenor importante: há fotografias que comprovam a minha tese, acima exposta. Nomeadamente, foi publicada uma foto onde se vê a mão fechada de João encostada ao abdómen de Angel e, sublinhe-se, em posição estática a indiciar um apoio sustentado contra uma eventual queda do antagonista. E como não se registou trambolhão, nem grito ou nítido esgar de dor da parte do árbitro do jogo e porque tudo se passou em velocidade alucinante, assinalo quanto foi notável a rapidez de reflexos do jogador português e, obviamente, concluo que houve benefício físico para a suposta vítima (Angel Sanchez), recolhido no gesto providencial de João Pinto. Mentes perturbadas não o entenderam, nem souberam sobrepujar as falsas aparências impressas numa película…
Por regra e como no caso em apreço, as leituras não podem, nem devem, ser apressadas e demasiado superficiais. Aqui, nesta questão fulcral, tem o maior cabimento o estudo, a análise e a aplicabilidade dos princípios da Relatividade do Conhecimento; segundo os quais aquelas dependem da constituição da mente do ser que conhece ou que as mesmas se formalizam através de uma variável, consoante o termo que se interpõe com a coisa a conhecer.
Se não se atentar com espírito de abertura e ânimo perscrutador no objecto e no significado do que está à vista e aqui fica explícito, certamente que nunca se chegará a conclusões plausíveis sobre a matéria
É que, entretanto, pega a moda dos sumários processos de intenções e qualquer dia - só para dar um exemplo do exagero a que se poderá chegar - sempre que o Dr. Francisco Balsemão, conhecido dono da "SIC" e do semanário "Expresso", aparecer nas entrevistas, na sua pose habitual, com os membros superiores dobrados em L, a falar à cadência dos gestos das mãos semicerradas, colocadas ao nível da cintura, com os dedos encurvados, haverá indivíduos que, a seguir, vão clamar que o respeitado cidadão tentou fazer manguitos ou terá feito alguns gestos obscenos para os interlocutores, senão para o público
Aliás, não foi por acaso que o jogador Pinto e outras pessoas responsáveis se dirigiram ao árbitro Sanchez pedindo-lhe desculpas como mandam as boas regras da educação; não fosse ele julgar que houvera agressão ou intento de magoá-lo. Ademais, nestas situações, a parte mais fraca é sempre a mais vulnerável e a que mais fica à mercê dos julgamentos precipitados, pelo que se justificou a iniciativa.
Face ao exposto, perguntar-se-á: por que motivo o atleta luso correu para o homem do apito? Porque, sem margem para dúvidas, o João Pinto não gosta da cor vermelha. São histórias antigas com o Benfica. E não só…
Será fácil perceber que o rapaz não se revendo, ao que consta, na qualidade de comunista terá tido a impressão que o argentino lhe queria colocar o rótulo na testa. Impressão induzida pelo facto de Angel Sanchez levantar o cartão vermelho à altura da cabeça do jogador e o agitar constantemente como se dispusesse a fixá-lo nela. Se admitirmos que ninguém gosta de ser classificado por aquilo que não é, compreende-se o problema e a angústia de João Pinto ao ver-se guindado à condição de "vermelho" e ao julgar-se confundido com os vermelhos coreanos do norte comunista, da península coreana, perante milhões de pessoas dispersas por todo o mundo civilizado.
Por outro lado, o argentino, naturalmente desconhecedor da aversão do João Pinto à cor vermelha, foi apanhado em contramão e, surpreso, ficou confuso, sem atinar com toda aquela bagunçada. Depois, logo no local, transpareceu o incómodo do moço e as tentativas de explicações dos homens de qualquer dos lados em confronto (aparentemente, mais de ideias que de desforço) que, dadas as circunstâncias de tensão e alarido prevalecentes, não chegaram a concretizar-se…
Deste modo que descrevi, ficam assinalados vários equívocos que se geraram Outros desacertos pertinentes se poderiam aduzir se esta crónica já não estivesse tão longa; os quais tendo a ver com aquilo que se julgou ser a realidade das coisas e a intencionalidade das atitudes de uns e de outros envolvidos na complexa ocorrência. Geralmente, como no caso vertente, fazem-se apreciações a quente sem se atentar em pormenores de primordial importância para bem se ajuizar o que de mais profundo e substancial haverá que considerar…
Razão tinha o major valentão, digo, o major Valentim quando afirmou com aquele vozeirão e descontracção que se lhe conhecem que não tinha visto, a milhares de quilómetros de distância, qualquer agressão ou inofensivo soco perpetrados pelo João Pinto. E disse-o com certa autoridade que advém do facto de ser o distanciamento que permite a descomprometida visão da perspectiva da paisagem; e de esta constituir um factor decisivo para uma racional formalização da análise que se impõe fazer sobre o objecto em causa, em referência ao horizonte das coisas, face à ambiência dos meios físicos e relativamente aos parâmetros dos eventos.
Claro, que a interpretação dada àquele lance do jogo Coreia-Portugal por tudo que é comunicação social em Portugal e no Mundo é primária, superficial, tendenciosa, do género "Maria vai com as outras"… Também, desvirtuamento da minha explicação dos factos. Esta, fixada no plano da subjectividade autosustentada. Tanto uma como outra encaixando no espaço virtual, como hoje soe dizer-se…
Modéstia excluída… por inconveniente oportunidade, ouso prever que esta minha intervenção, ora lançada no centro da universal discussão, está condenada a ser a que, com mais isenção, superior inocência e apurado colorido, pinta o quadro do sucedido naquelas longínquas paragens do Extremo Oriente.
Enfim, que esta singela iniciativa contribua para amainar a presente tempestade que, a muita gente, dilacera a alma e oblitera a tola… Oxalá!
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