Leitor,
Pare!
Leia!
Pondere!
Decida-se!

SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

ESTÁ SITUADA NA PROVÍNCIA...

QUEM TE AVISA, TEU AMIGO É...

e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

quarta-feira, abril 12, 2006

Um texto sem tabus…

FUTEBOL, UMA ESCOLA DE CIVISMO?...

Brasilino Godinho

brasilino.godinho@gmail.com)

1 - O futebol é desporto sadio. Suscita o interesse de muitos portugueses e de grande parte da juventude. A sua prática em moldes pedagógicos pode e deve revestir-se da maior utilidade para os jovens. Acompanhada com os necessários cuidados de treino sob orientação de técnicos competentes e vigilância de clínicos dos clubes ou dos estabelecimentos de ensino e desde que não esteja arredada a componente da ginástica, tudo funcionando numa harmoniosa conjugação de procedimentos, constituirá apreciável meio de formação física.

O exercício físico ou melhor dizendo, a educação física é um factor importante mas não suficiente para a formação integral do ser em evolução física e mental. Importa que os diferentes agentes monitores do desporto não descurem a atenção à componente moral e cívica do atleta; seja este encarado como futuro profissional ou amador da modalidade. Fará todo o sentido que os familiares e os vários agentes do ensino não se demitam de exercer o indispensável acompanhamento dos jovens postos sob sua guarda. Sem perda da perspectiva de que formar os homens de amanhã, segundo a sempre actual máxima latina: “mens sana in corpore sano”, é uma imposição de interesse da sociedade e do indivíduo mesmo que ele, devido à sua menoridade, disso não tenha percepção.

Há ainda a considerar que sendo os jovens, por natureza, bastante irrequietos (com tendência para se deixarem possuir dos ímpetos agressivos), indisciplinados e desobedientes aos superiores e refractários ao trabalho, ao esforço, ao método e ao cumprimento das regras e determinações dos pais e dos professores, se torna imprescindível corrigir em tempo útil tais propensões. Logo, a prática do desporto - seja ele futebol ou outro qualquer - pode ser um importante agente propulsor de iniciação à vida adulta; e de aproximação aos valores da fraternidade, da igualdade entre semelhantes e da liberdade responsável. Esta, contida nos precisos limites que não interfiram com a do próximo. Também, um meio de criar e desenvolver nos jovens automatismos de irrepreensíveis comportamentos. Igualmente, rotinas de regulares actividades. Outrossim, hábitos de tácita aceitação das exigências de natureza cívica e moral que todos enfrentamos no dia-a-dia. De modo que, sem grandes dificuldades de adaptação e correcção de atitudes mais ou menos reprováveis, a brincar e com prazer, os jovens façam a correcta aprendizagem da vida.

Por conseguinte, atendendo ao exposto e ao facto de o futebol ser - entre nós - o desporto mais conhecido e apreciado, estão reunidas potencialidades que o recomendam como escola de civismo. Urge expandi-la. Acarinhá-la. E reconhecer-lhe o importantíssimo papel que pode desempenhar na ocupação dos tempos livres da juventude e na boa formação das novas gerações.

2 - O futebol é um espectáculo. E como diversão que está incorporada dos perniciosos vírus identificados com os fanatismos clubistas, raramente proporciona celebrações agradáveis de fino recorte artístico e de razoável convivência entre os praticantes e os adeptos das equipas presentes na realização dos jogos. Nos estádios são frequentes as manifestações mais primárias do instinto da violência e da intolerância que radica na criatura humana. O futebol profissional, em Portugal, está conspurcado em todas as suas componentes. Anda tudo à deriva. Suspeitas de corrupção, adulterações dos resultados, processos vários de apitos dourados, de tramóias, de agressões dentro e fora dos recintos. É um desnorteamento que continua imparável. A qualidade dos jogos deixa muito a desejar. Hoje num campo de futebol a grande preocupação dos jogadores, muitas vezes, não é tocar na bola. É atingir as pernas dos adversários. Também, nestes aplicar grandes cotoveladas na cara, na cabeça, no estômago, com a maior arte do disfarce que for possível para que a falta passe despercebida ao árbitro. Anda por aí um treinador conhecido por recomendar aos jogadores da equipa que dirige que usem a maior violência e os golpes baixos sobre os colegas de ofício da equipa que ocasionalmente defrontem. Claro que com gente desta fibra não admira que o futebol de competição da primeira liga esteja reduzido às expressões mais baixas de indignidade, de negação da verdade desportiva e de franciscana pobreza da espectaculosidade. Daí, o afastamento das pessoas e as magras afluências do público aos estádios. O espectáculo perdeu beleza. Ganhou desmotivação dos adeptos não fanatizados pela cegueira do clubismo exacerbado.

3 - Vem a talho de foice dar uma sugestão ao leitor que não se deixa dominar pela paixão e pelo arrebatamento. Experimente instalar-se na bancada de um estádio, no meio da multidão. Alheie-se do espectáculo que se desenrola no rectângulo verde. Concentre o olhar e a sua atenção no que se passa em redor, nas bancadas. Se levar binóculos a visão será mais abrangente e objectiva a colher certos detalhes interessantes. Nem consegue imaginar aquilo a que vai assistir. Num amplo espaço e enquadradas num cenário colorido e agitado, acontecerão incríveis cenas protagonizadas por milhares de actores. Numa imensa confusão, espontaneamente criada, misturam-se as alegrias de uns com as tristezas de outros. Coincidem e multiplicam-se os esgares dos mais nervosos, os gestos obscenos e agressivos dos mais exaltados. Sucedem-se os cânticos de tom guerreiro, os batuques ensurdecedores, os gritos, os abraços, os pontapés perdidos no ar quando não atingem o vizinho do lado. Se tiver a sorte pelo seu lado até poderá divertir-se face aos saltos acrobáticos de alguns anónimos especialistas. Horrorizado, assistirá aos actos corriqueiros, de escusada agressividade: murros trocados entre antagonistas; insultos ao árbitro, à mãe do mesmo e aos jogadores, proferidos por muitos sujeitos que ali extravasam todos os recalcamentos das suas frustrações diárias. Decerto, que encontrará a seu lado pessoas de aparência calma, às tantas, transfiguradas em temíveis desordeiros. Talvez chegue a presenciar destrambelhadas provocações à polícia. Garantido: vai assistir a uma enorme manifestação de histerismo colectivo e de incivilidade, de má criação. Um tipo de acontecimentos que, tornados rotineiros no ambiente do futebol, já nem merecem uma simples censura das forças vivas da cidade, das respeitáveis instituições civis, religiosas, da segurança pública e dos profissionais da comunicação social. Muito menos, cuidados de análise e de correcção dos comportamentos individuais e das multidões, assumidos pelos governantes e pelo Ministério da Educação – o maior responsável pelo actual estado destas coisas. Também, procedimentos chocantes que são sistematicamente “ignorados” pelos cidadãos mais preocupados com a harmonia social e com a necessária aplicação das restrições impostas pela ética ao livre arbítrio daqueles que se comportam como ignaros assistentes dos espectáculos desportivos.

Por tudo isto, não se pode dizer do futebol praticado nas competições oficiais que seja uma escola de civismo. Infelizmente!

4 - No entanto, da Itália chega-nos um exemplo invulgar de dignidade e de civismo dado por um jogador italiano do futebol profissional. O caso sucedeu no p.p. domingo 19 de Março, no decorrer de um jogo do campeonato italiano. O jogador Di Rossi marcou com a mão um golo na baliza da equipa adversária. De imediato, o árbitro validou o golo por não se ter apercebido da irregularidade. Que fez Rossi? Dirigiu-se ao árbitro a informá-lo do que verdadeiramente sucedera. O árbitro invalidou o golo. O jogo prosseguiu. Um caso raro de honestidade e de ética desportiva. Exemplar! Nossa interrogação: e se isso tivesse acontecido em Portugal? Como reagiria a massa associativa do clube do jogador?

Há que enaltecer a atitude de Di Rossi. A merecer reflexão.

Di Rossi fez a demonstração de que igualmente nos nossos campeonatos futebolísticos poderia haver lugar à instauração de um ordenamento cívico. Desde que precedido de uma séria reformulação do sistema de Ensino e Educação. Também no futebol tudo começa pela Educação.

Outrossim aqui, neste domínio desportivo, uma escola de civismo? Seria, se acaso…

5 - Escrevendo estas linhas lembro-me dos desafios de futebol (assim chamados - ainda não tinha chegado a pacóvia moda ou, se quisermos, o estúpido chiquismo das palavras inglesas) dos tempos da minha adolescência, disputados em campos pelados. Os recintos desportivos estavam sempre repletos. As disputas faziam-se mais com a bola do que com o físico do adversário. Raramente havia evacuações dos jogadores por causa das lesões – o que seria de admitir acontecer frequentemente dadas as perigosas condições do terreno de jogo. Quais histórias de meniscos, de entorses, de contusões, de fracturas de narizes, de membros e quejandos. Os jogos faziam-se com mais lealdade; embora com o maior ardor e empenho dos intervenientes.

Também me lembro do mais belo dos espectáculos de futebol que vi em toda a minha vida. Desenrolado nos anos oitenta (salvo erro) num estádio de uma cidade dos Estados Unidos da América. Assisti pela televisão. Tratava-se da final do campeonato mundial de futebol feminino. Em campo estavam a equipa anfitriã e a turma da China. Um extraordinário espectáculo de arte futebolística. Sublime! Esteve patente o ardor posto na disputa da bola, a velocidade dos lances, a beleza das fintas, a perícia nas jogadas. De arregalar o olho. Impressionante!

Esta lembrança cria o ensejo para a seguinte observação: Temos de incentivar o futebol feminino e dar ânimo às suas praticantes.

Apontamento final: Oxalá que um dia ainda possamos ver em Portugal belas jornadas de futebol masculino, de futebol feminino e… de futebol praticado por equipas mistas. Por que não? E com públicos mais civilizados.