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e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

quinta-feira, agosto 06, 2020

473. Apontamento

Brasilino Godinho

05/Agosto/2020


ELE, JUAN CARLOS E SUA

ENIGMÁTICA REALIDADE

01. O ex-Rei Juan Carlos, de Espanha, nascido no ano de 1938, em Roma, figura mais enigmática da Monarquia de Espanha, do período contado entre os anos 40 do século XX e a actualidade, fugiu de Espanha, segundo é referenciado pela imprensa espanhola. Tentando pôr-se a salvo das graves acusações que incidem sobre ele.

Os jornais espanhóis escrevem que ele fugiu por se terem desencadeado investigações judiciais na Suíça e em Espanha, sobre grave conduta delituosa que prosseguiu ao longo do seu reinado e no tempo que leva de vida pós abdicação no ano de 2014.

02. Nunca me cruzei com Juan Carlos de Bourbon, mas desde o início da década dos anos 50 que, à distância, lhe acompanho o decurso de vida. Que teve logo nesses tempos a marca indelével de lhe ter sido reconhecida a autoria de um disparo fatal sobre seu irmão mais velho, com a caracterização de ter sido um triste e fatídico acidente.

O facto foi objecto de lacónico comunicado à imprensa feito pela casa paterna, de Juan Bourbon, Conde de Barcelona. Foi rapidamente silenciado, apesar de alguma obscuridade, quer em Portugal, quer em Espanha.

03. Desperta a minha atenção para a pessoa Juan Carlos, não mais o perdi de vista no abrangente horizonte que se estende desde o Estoril, em Portugal, onde infante e adolescente permaneceu na mansão dos pais e granjeou amizade com Francisco Pinto Balsemão; até Madrid, onde se desenrolou a sua formação militar e política moldada sob a tutela do General Francisco Franco que, precedendo acordo com pai, Juan Bourbon, Conde de Barcelona, o houvera designado como futuro Rei de Espanha.

04. Nunca acolhi boa impressão sobre a personalidade de Juan Carlos e tudo aquilo que se conhece da pessoa e da sua realeza que lhe está intimamente associada, confirma inteiramente todo o negativo juízo que se foi enraizando na minha mente sobre tal criatura.

05. Mas o desenrolar dos últimos episódios protagonizados pelo ex-Rei Juan Carlos, suscitam interesse público de sobre eles haver relato e formulações de análise objectiva e concludente. 

06. Desde logo, de destacar a circunstância de em Espanha e na Europa não haver memória de um chefe de Estado que se tenha comportado tão mal ao ponto de os nativos da Nação, dele se sintam tão envergonhados, como está agora acontecendo em Espanha.

07. Ele mostrou-se mau chefe de família, cometeu vários e escandalosos adultérios e a cujas amantes distribuía milhões de euros. Terá recebido verbas exorbitantes de natureza fraudulenta do Reino da Arábia Saudita.

08. No domínio da política, não tendo interferido, ao que se saiba, num sentido de instabilidade governamental, foi-lhe pressurosamente atribuído por alguns sectores mais comprometidos com a monarquia espanhola um papel decisivo na contenção do golpe militar de 23 de Fevereiro de 1981. 

09. Logo na altura considerei que o golpe militar notoriamente chefiado pelo general Milans del Bosch, militar muito bem relacionado com o monarca, acontecia com o consentimento tácito e encapotado do próprio rei.

A reforçar a minha opinião o facto surpreendente de a intentona ter sido desencadeada às18h:20’ com a entrada do coronel Antonio Tejero e guardas-civis fortemente armados no hemiciclo do Congresso dos Deputados e de enquanto de imediato o general Gutiérrez Mellado, vice-presidente do Governo, corajosamente se ergueu do lugar e dirigiu até junto do coronel Tejero e lhe ordenava que depusesse as armas, o rei Juan Carlos, Comandante Supremo das Forças Armadas, somente pela 1 hora da madrugada apareceu na Televisão a desautorizar o golpe e a impor a ordem de desmobilização dos revoltosos. 

10. Ou seja: o rei Juan Carlos apenas ao fim de seis horas e meia após o arranque do golpe é que tomou posição. Intui-se que esteve aguardando a evolução da situação e unicamente depois de tomar conhecimento da pouca adesão das forças armadas à intentona e inclusive da recusa do general Juste, comandante da Divisão Brunete, unidade de elite, sediada em Madrid, de alinhar com os insurrectos, é que se decidiu fazer a oportunista intervenção televisiva, que hei considerado eivada de hipocrisia.

Esta minha interpretação veio a ser confirmada dois anos depois, em 1983, numa entrevista de Milans del Bosch, dada na prisão, a um jornalista que a publicou sem ela ter tido grande divulgação e em que de forma velada o condenado oficial general se referiu a prévios contactos que tivera com o rei. Compreenda-se que sendo monárquico convicto, e muito leal ao rei, nunca Millans del Bosch se teria metido naquela aventura sem ter consultado o monarca. Este lhe terá observado que agisse, mas sem o comprometer. Os acontecimentos daquela noite de 23 de Fevereiro de 1981 foram bem expressivos do dúplice posicionamento do Rei Juan Carlos. 

11. Outro aspecto a ter em conta relevante é o de outra figura preponderante na chefia do golpe, o general Alfonso Armada ter sido secretário privado do Rei Juan Carlos durante 17anos. Como se pode acreditar que também ele se empenhasse na insurreição sem dela dar cavaco ao soberano?

12. Pois se estas eram as minhas cogitações que nem haviam correspondência com a generalizada prevalência no público espanhol da induzida ideia de que Juan Carlos tivera mérito na contenção da revolta de 23 de Fevereiro de 1981; eis que 31 anos depois (Fevereiro de 2012) a revista DER SPIEGEL, revela um relatório secreto do diplomata alemão Lothar Lahn, à época embaixador em Madrid, em que relatava o teor da conversa que, num encontro solicitado pelo rei Juan Carlos, tivera com ele a título pessoal e uma vez que eram amigos.

13. Nessa conversa Juan Carlos manifestou simpatia para com os revoltosos e “confessou que tencionava exercer a sua influência sobre o governo e os tribunais militares para que não aconteça nada de mais aos putschistas, que apenas quiseram o melhor para o país. E concluiu que a intentona devia “ser esquecida o mais depressa possível”.

14. Conhecida esta conversa de Juan Carlos com o embaixador Lothar Lahn, tida em 1981, fica-se com a certeza da duplicidade do monarca e da sua pessoal conveniência em que o golpe de 23 de Fevereiro fosse rapidamente esquecido – decerto para não se levantarem alterosas ondas em que viesse a naufragar…

!5. O fracasso da intentona de 3 de Fevereiro de 1981, deve ser atribuído ao general Gutiérrez Mellado que logo no instante se opôs firmemente aos golpistas e ao general Juste, comandante da Divisão Brunete que impediu que os seus efectivos ocupassem o Palácio Moncloa, os pontos estratégicos de Madrid e as estações de TV e Rádio, onde se faria a proclamação de vitória das forças revoltosas, conforme estava planeado pelos seus chefes Millans del Bosch e Alfonso Armada.

16. Em referência aos procedimentos ilegais dispenso-me de os mencionar uma vez que a Comunicação Social tem informado com algum detalhe os numerosos delitos e as respectivas naturezas.

17. Mas sublinho que a Juan Carlos não se lhe pode negar o brilhantismo(…) com que durante o seu reinado e depois da abdicação, evidenciou à Espanha e ao Mundo os podres da Monarquia de Espanha.

Assim, paradoxalmente, o ex-Rei há prestado um relevante serviço ao povo espanhol. Talvez tenha entreaberto as portas para a erradicação da Espanha de um regime monárquico que é uma das coisas mais anacrónicas, estúpidas, aberrantes, retrogressivas, estupidificantes, mesmo estruturalmente antidemocráticas, ainda existentes no nosso tempo.

É absolutamente inadmissível que uma família detenha a prerrogativa de chefiar um Estado e encarnar e simbolizar, como se fosse divindade, uma Nação. Aliás nas Idades Média e Moderna, os reis arrogavam-se a prerrogativa de ascendência divina – o que, sobremaneira, iludia e fascinava as populações analfabetas. 

!8. Agora, as peripécias da fuga de Juan Carlos para lugar e país incertos, relatadas pela imprensa, dão mostra do cuidado e do planeamento que lhe está conexo.

Durante vários dias múltiplas diligências terão sido efectuadas e nenhum pormenor terá sido esquecido para evitar que o exilado cidadão espanhol seja surpreendido por alguma falha ou deslize na fuga que o deixe incomodado…

Daí o secretismo sobre o paradeiro de Juan Carlos. Estou propenso a admitir que se encontre em Portugal. Algures, em certa parte…

19. Este é o 473. Apontamento de Brasilino Godinho, inteiramente dedicado à pessoal realeza de Juan Carlos. Toda ela marcada pelo inegável tom e som enigmáticos…