A MINHA CELEBRAÇÃO DE NATAL:
IR AO ENCONTRO DE EU MESMO
Brasilino Godinho
01/Janeiro/2020
TOMO V
COM EMOÇÃO E
DELEITE
TRANSITANDO
ENTRE OS ESCANINHOS
DA INFÂNCIA E
DA ADOLESCÊNCIA
Neste meu percurso pela distante
infância e já prestes a entrar no campo da adolescência dê de caras com o
médico Artur Duarte no seu consultório, instalado no 1.º andar, por cima do
café Havanesa, em edifício localizado na Corredora (Rua Serpa Pinto).
Minha mãe está presente e em dada
altura acontece um facto algo insólito, mas embaraçoso. O médico está
examinando o quadro clínico do menino e às tantas fica estupefacto: descobre
que o menino Brasilino era portador de uma caixa de fósforos e logo repara que
dentro dela estava uma pequena colónia de bichos das ervilhas. Minha mãe, muito
incomodada, apressa-se a pedir desculpa ao clínico que nem se mostrou agastado
com a esquisita situação. O menino Brasilino teria uns 3 anos de idade e antes
da ida ao médico estivera descascando ervilhas. Uma ocorrência de infância
nunca esquecida.
Uns anos mais tarde o Brasilino
aprendeu a sua primeira palavra francesa: doucement. Uma aprendizagem
imprevista, mas proporcionada pelo velho Manuel Martinho, da Póvoa, gazeado ex-soldado
expedicionário da 1.ª Grande Guerra, na frente de batalha, em França. Ele,
quando vinha à cidade, emborcava o seu copito e depois percorria-a gritando: “doucement
em francês, em Portugal, devagarinho”. Mal sabia o velho Martinho que,
involuntariamente, estava iniciando o menino Brasilino na aprendizagem da
língua francesa…
Outro caso. Mas esse aterrorizante
eram as deambulações do “Jeitoso” que, doente louco, percorria as ruas em
correrias aos ziguezagues, a insultar as pessoas e a República. Acontecia que
aterrorizava as crianças e molestava verbalmente os adultos que lhe despertavam
aversão. Os cidadãos lamentavam-se de o louco Jeitoso não ser internado num
hospício.
Também, naquela época, já em tempo
de minha adolescência, existia em Tomar uma pessoa singular e muito popular,
dotada de uma memória extraordinária: o Leonel Carvalhais. Dedicava-se a vender
artigos de costura metidos uma caixa que nunca largava e elaborava e vendia as
listas telefónicas actualizadas que eram consultadas e postas à disposição do
público pelos detentores dos telefones existentes no concelho de Tomar. Ninguém
utilizava as listas dos CTT, porque as do Leonel Carvalhais eram melhores. Naquele
tempo os serviços de telégrafo e telefone estavam integrados na mesma empresa:
CTT (Correios, Telégrafos, Telefones).
As listas eram dactilografadas (não
havia fotocopiadoras) e, simultaneamente no acto de dactilografar, copiadas a
papel químico.
Estou vendo e ouvindo o Carvalhais
percorrendo o corredor de acesso à entrada da Secção de Engenharia, da Câmara
Municipal de Tomar, a saudar em alta voz o tenente reformado Virgílio de Assunção
Matos que ali tinha gabinete de colaborador da autarquia, no mandato do major
Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira.
O Carvalhais ia dizendo: “Sempre a
considerá-lo, senhor tenente Matos”. Chegado ao balcão da recepção, pedia
licença para entrar e logo solicitava permissão para dactilografar as listas
telefónicas. Obtida a permissão sentava-se, colocava as folhas de papel (que
seriam original e cópias intercaladas com os papéis químicos) na máquina e zás:
ali embalava o Carvalhais a bater as teclas e escrevendo por ordem alfabética: os
nomes dos possuidores de telefones, os endereços e os números dos telefones, de
centenas de assinantes sem recorrer a qualquer apontamento ou cábula e sem necessidade
de corrigenda. Fantástico! Fui testemunha ocular, nalgumas ocasiões.
Para remate do relato de infância
aludo ao aspecto geral do tomarense edificado urbano nos anos de 1939, 1940,
1941 e talvez ainda em 1942, coincidindo com esporádicos exercícios de
ocultação de luzes em previsão de ataques aéreos nocturnos. As janelas das
fachadas das casas todas elas tinham coladas tiras de papel amarelado cruzadas
com pequenos intervalos, como forma expedita de evitar a projecção e propagação
de estilhaços de vidros no caso de ocorrência de bombardeamentos por forças
beligerantes inimigas de Portugal.
(Continua no TOMO VI)
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