Terça-feira, Abril 07, 2009
SALAZAR,
GOVERNANTE HUMANITÁRIO?
DOIS
REGISTOS PARA A HISTÓRIA.
Por Brasilino Godinho
À medida que, em tempo de compasso, o tempo vai
passando ao compasso do tempo, intensificam-se as intervenções de alguns
sectores da sociedade portuguesa ligados à extrema-direita que tentam branquear
e endeusar a figura de António Oliveira Salazar; o mentor do Estado Novo apeado
pela revolução de 25 de Abril de 1974. Persuadidos que as pessoas se vão
esquecendo do passado e que as novas gerações estão dele alheadas ou
impossibilitadas de lhe aceder, servem-se de tudo e das ideias mais
inverosímeis para criar, sustentar ou fazer avançar, o mito da excelência
qualificativa da entidade salazarista.
Um dos aspectos recorrentes dos interventores
salazaristas concerne aos acontecimentos dramáticos da descolonização das
antigas colónias portuguesas. As recordações desses tempos difíceis e
dramáticos ainda estão bem vivas na memória das gentes, particularmente
daqueles cidadãos e seus familiares que mais foram atingidos e muito sofreram.
Todos devemos respeitar as vítimas e consagrar-lhes atenções e sentimentos de
solidariedade, que nem por serem tardios deixarão de ter sentido.
Mas se assim deve ser, não se admite que, por razões
obscuras e de instrumentação ideológica ou a pretexto de se defenderem as
causas ou reivindicações de tantos atingidos pelo infortúnio e a desgraça de
terem que abandonar, rapidamente, bens e haveres em terras de África, haja
gente que venha apontar Oliveira Salazar como o governante que, se confrontado
com semelhantes ocorrências, teria procedido com desvelo, carinho e eficácia,
na resolução de tais situações.
É uma atitude cínica. Uma falácia abusiva, sem
qualquer nexo à objectividade e à seriedade.
Ao fazer tal afirmação estou a recorrer ao meu
conhecimento pessoal centrado no fenómeno da descolonização das colónias
portuguesas e da primeira descolonização que se fez em África, a seguir ao fim
(1945) da II Grande Guerra Mundial:
a descolonização de Marrocos.
Naquela altura, tinha um familiar, um tio, fixado em
Meknès, Marrocos e, quando da revolução de 25 de Abril de 1974, uma tia em
Lourenço Marques (Moçambique). Até por estes circunstancialismos, estou bem
informado sobre o tema em apreço.
Naquela época, Marrocos era um Protectorado Francês.
E logo após a conclusão do conflito entre os países
“Aliados” (EUA, Grã-Bretanha e França) e os países do “Eixo” (Alemanha, Itália
e Japão), irrompeu em Marrocos uma corrente política nacionalista reivindicando
a independência do sultanado, cujo sultão era Sidi Mohammed Ben Yussef. A
França, tentando manter a tutela sobre o reino marroquino, tomou a iniciativa
de afastar o sultão Ben Yussef e colocou no seu lugar o tio dele, Sidi Mohammed
Ben Arafa, valendo-se do apoio que lhe era dado pelo influente e poderoso El
Glaoui, Paxá de Marrakech. Entretanto, houve um arrebatamento popular de
violência tão intenso e continuado que a França teve de recolocar no trono o
sultão apeado e entrar num processo de negociações que culminaram num acordo
consagrando a independência da nação marroquina – o que aconteceu em 1956.
Alguns escassos anos depois da independência desencadeou-se um novo surto de
violência contra os estrangeiros residentes, visando a sua expulsão, que causou
numerosas vítimas, grandes devastações e gerou um insuportável clima de terror
que obrigou os colonos franceses, espanhóis, portugueses e italianos a
debandarem de Marrocos.
É nesta terrível circunstância que os portugueses de
Marrocos, desesperados, sem recursos, entram em contacto com o governo de
Oliveira Salazar solicitando-lhe auxílio e protecção, tal como os colonos de
várias nacionalidades fizeram com os seus respectivos governos.
Porém, enquanto os governos francês, espanhol e
italiano, atenderam os seus cidadãos e negociaram com o governo marroquino as
justas indemnizações devidas aos espoliados, o governo português foi a “ovelha
ranhosa” que se recusou a prestar os auxílios diplomático e material
necessários aos portugueses residentes no território marroquino. Apesar de
terem feito várias tentativas nada conseguiram. Tudo em vão. A decisão final
foi expressa por Salazar, numa entrevista pessoal, concedida a quem intervinha
em prol dos nossos concidadãos que enfrentavam a terrível emergência de lhes
faltarem os meios de subsistência - tal como aconteceria décadas depois com os
retornados das colónias portuguesas de África. Então, Salazar, desumano,
peremptório, implacável, sentenciou:
Que se aguentem! Ninguém os mandou ir para lá. Melhor fora que tivessem ido
para Angola ou Moçambique. Assunto arrumado.
Claro que poucos regressaram a Portugal. Indignados,
maldizendo o País e o governante cruel (Salazar) que os abandonaram. Muitos
acabaram por se dispersar por vários países; sobretudo, fixaram-se em França
onde foram razoavelmente acolhidos pelas autoridades francesas.
Aliás, não foi só nesta ocasião que Salazar se revelou
uma pessoa destituída de sentimentos de respeito pela condição humana dos
concidadãos, sem disso os portugueses terem tido conhecimento. Ele teve
semelhante atitude quando ocorreu a invasão de Goa, Damão e Diu. Queria que os
soldados portugueses, sem armamento (em número e qualidade de armas) adequado
para enfrentarem os invasores, se arrojassem para as frentes dos tanques
inimigos e, assim, morressem ingloriamente sem a dignidade de um combate
frontal, plenamente assumido e concretizado. Como se renderam, Oliveira Salazar
quis castigá-los. Recusou-se a ir buscá-los.
Foi a ONU que alugou um barco e os foi recolher ao
campo de concentração onde estavam cativos como prisioneiros de guerra.
Por estas e outras, que haveria a acrescentar no que
concerne à personalidade de António Oliveira Salazar, é que sentimos repulsa e
alguma indignação sempre que aparece alguém a falar na – suposta - faceta humanitária
do chefe político que dirigiu Portugal durante um largo período do século XX.
Concluindo: Julgo importante que estes dois registos
dos procedimentos de António Oliveira Salazar - que a Comissão de Censura,
então existente, impediu de divulgação – aqui expostos, fiquem inclusos na
História.
História que se quer autêntica. Não ignorante dos
factos. Nem branqueadora deles. Tão-pouco, enganosa da grei. Ou fantasiosa das
personalidades.
Para já, não vamos esquecer! A fim de não sermos
intrujados pelas balelas ditadas por arrivistas irresponsáveis e (ou)
ignorantes.
Nota: Entenda-se esta minha intervenção como uma
homenagem à memória de alguns milhares de portugueses, ex-colonos de Marrocos,
humilhados, queixosos e ofendidos, que pereceram sem, sequer, milhões de
portugueses terem sabido do desprezo a que foram votados por Salazar e pelo seu
governo.
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