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e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

terça-feira, setembro 04, 2018



Terça-feira, Abril 07, 2009

Em tempo de compasso…
SALAZAR, GOVERNANTE HUMANITÁRIO?
DOIS REGISTOS PARA A HISTÓRIA.
Por Brasilino Godinho
À medida que, em tempo de compasso, o tempo vai passando ao compasso do tempo, intensificam-se as intervenções de alguns sectores da sociedade portuguesa ligados à extrema-direita que tentam branquear e endeusar a figura de António Oliveira Salazar; o mentor do Estado Novo apeado pela revolução de 25 de Abril de 1974. Persuadidos que as pessoas se vão esquecendo do passado e que as novas gerações estão dele alheadas ou impossibilitadas de lhe aceder, servem-se de tudo e das ideias mais inverosímeis para criar, sustentar ou fazer avançar, o mito da excelência qualificativa da entidade salazarista.
Um dos aspectos recorrentes dos interventores salazaristas concerne aos acontecimentos dramáticos da descolonização das antigas colónias portuguesas. As recordações desses tempos difíceis e dramáticos ainda estão bem vivas na memória das gentes, particularmente daqueles cidadãos e seus familiares que mais foram atingidos e muito sofreram. Todos devemos respeitar as vítimas e consagrar-lhes atenções e sentimentos de solidariedade, que nem por serem tardios deixarão de ter sentido.
Mas se assim deve ser, não se admite que, por razões obscuras e de instrumentação ideológica ou a pretexto de se defenderem as causas ou reivindicações de tantos atingidos pelo infortúnio e a desgraça de terem que abandonar, rapidamente, bens e haveres em terras de África, haja gente que venha apontar Oliveira Salazar como o governante que, se confrontado com semelhantes ocorrências, teria procedido com desvelo, carinho e eficácia, na resolução de tais situações.
É uma atitude cínica. Uma falácia abusiva, sem qualquer nexo à objectividade e à seriedade.
Ao fazer tal afirmação estou a recorrer ao meu conhecimento pessoal centrado no fenómeno da descolonização das colónias portuguesas e da primeira descolonização que se fez em África, a seguir ao fim (1945) da II Grande Guerra Mundial: a descolonização de Marrocos.
Naquela altura, tinha um familiar, um tio, fixado em Meknès, Marrocos e, quando da revolução de 25 de Abril de 1974, uma tia em Lourenço Marques (Moçambique). Até por estes circunstancialismos, estou bem informado sobre o tema em apreço.
Naquela época, Marrocos era um Protectorado Francês.
E logo após a conclusão do conflito entre os países “Aliados” (EUA, Grã-Bretanha e França) e os países do “Eixo” (Alemanha, Itália e Japão), irrompeu em Marrocos uma corrente política nacionalista reivindicando a independência do sultanado, cujo sultão era Sidi Mohammed Ben Yussef. A França, tentando manter a tutela sobre o reino marroquino, tomou a iniciativa de afastar o sultão Ben Yussef e colocou no seu lugar o tio dele, Sidi Mohammed Ben Arafa, valendo-se do apoio que lhe era dado pelo influente e poderoso El Glaoui, Paxá de Marrakech. Entretanto, houve um arrebatamento popular de violência tão intenso e continuado que a França teve de recolocar no trono o sultão apeado e entrar num processo de negociações que culminaram num acordo consagrando a independência da nação marroquina – o que aconteceu em 1956. Alguns escassos anos depois da independência desencadeou-se um novo surto de violência contra os estrangeiros residentes, visando a sua expulsão, que causou numerosas vítimas, grandes devastações e gerou um insuportável clima de terror que obrigou os colonos franceses, espanhóis, portugueses e italianos a debandarem de Marrocos.
É nesta terrível circunstância que os portugueses de Marrocos, desesperados, sem recursos, entram em contacto com o governo de Oliveira Salazar solicitando-lhe auxílio e protecção, tal como os colonos de várias nacionalidades fizeram com os seus respectivos governos.
Porém, enquanto os governos francês, espanhol e italiano, atenderam os seus cidadãos e negociaram com o governo marroquino as justas indemnizações devidas aos espoliados, o governo português foi a “ovelha ranhosa” que se recusou a prestar os auxílios diplomático e material necessários aos portugueses residentes no território marroquino. Apesar de terem feito várias tentativas nada conseguiram. Tudo em vão. A decisão final foi expressa por Salazar, numa entrevista pessoal, concedida a quem intervinha em prol dos nossos concidadãos que enfrentavam a terrível emergência de lhes faltarem os meios de subsistência - tal como aconteceria décadas depois com os retornados das colónias portuguesas de África. Então, Salazar, desumano, peremptório, implacável, sentenciou: Que se aguentem! Ninguém os mandou ir para lá. Melhor fora que tivessem ido para Angola ou Moçambique. Assunto arrumado.
Claro que poucos regressaram a Portugal. Indignados, maldizendo o País e o governante cruel (Salazar) que os abandonaram. Muitos acabaram por se dispersar por vários países; sobretudo, fixaram-se em França onde foram razoavelmente acolhidos pelas autoridades francesas.
Aliás, não foi só nesta ocasião que Salazar se revelou uma pessoa destituída de sentimentos de respeito pela condição humana dos concidadãos, sem disso os portugueses terem tido conhecimento. Ele teve semelhante atitude quando ocorreu a invasão de Goa, Damão e Diu. Queria que os soldados portugueses, sem armamento (em número e qualidade de armas) adequado para enfrentarem os invasores, se arrojassem para as frentes dos tanques inimigos e, assim, morressem ingloriamente sem a dignidade de um combate frontal, plenamente assumido e concretizado. Como se renderam, Oliveira Salazar quis castigá-los. Recusou-se a ir buscá-los.
Foi a ONU que alugou um barco e os foi recolher ao campo de concentração onde estavam cativos como prisioneiros de guerra.
Por estas e outras, que haveria a acrescentar no que concerne à personalidade de António Oliveira Salazar, é que sentimos repulsa e alguma indignação sempre que aparece alguém a falar na – suposta - faceta humanitária do chefe político que dirigiu Portugal durante um largo período do século XX.
Concluindo: Julgo importante que estes dois registos dos procedimentos de António Oliveira Salazar - que a Comissão de Censura, então existente, impediu de divulgação – aqui expostos, fiquem inclusos na História.
História que se quer autêntica. Não ignorante dos factos. Nem branqueadora deles. Tão-pouco, enganosa da grei. Ou fantasiosa das personalidades.
Para já, não vamos esquecer! A fim de não sermos intrujados pelas balelas ditadas por arrivistas irresponsáveis e (ou) ignorantes.
Nota: Entenda-se esta minha intervenção como uma homenagem à memória de alguns milhares de portugueses, ex-colonos de Marrocos, humilhados, queixosos e ofendidos, que pereceram sem, sequer, milhões de portugueses terem sabido do desprezo a que foram votados por Salazar e pelo seu governo.