Domingo, 05 de Novembro de 2006
Um texto
sem tabus…
NÃO MORTA… NÃO SOLTEIRA… NÃO VIRGEM…
SIMPLESMENTE, DIVORCIADA…
Por sentença do Tribunal.
Brasilino
Godinho
Pois aconteceu! Ela andava por tudo quanto é sítio
disfarçada. Quase sempre escondida. Apática, não reagia aos estímulos. Permanentemente
envolvida por um manto de vergonha, mostrava-se sorumbática e hostil às
aproximações das virtuosas almas que, normalmente, vivem num estado de pecado
mortal. Assustadiça, não se mostrava de ânimo leve à luz do dia, nem na
escuridão da noite. Muitos desconheciam o facto de existir. Bastantes, fingiam
não a conhecer; sequer de nome. Gente melhor informada tinha uma vaga ideia da
sua existência.
Neste ponto, decerto que o leitor interrogar-se-á: Que modo
e sentido da presente escrita? Que existência?
Respondemos: Tal como faz o moço-de-forcado que na arena
pega o touro pelos cornos, aqui escrevemos sobre a CULPA. Seja ela –
como melhor soar aos ouvidos das pessoas sensíveis - a responsabilidade ou a
causa da queda da Ponte de Entre-os-Rios, sobre o Rio Douro, no Município de
Castelo de Paiva, Distrito de Aveiro.
E porque ela, CULPA, apesar da comprovada
incomodidade em si imanente, se faz notar e sobressair pela sua esquiva
natureza e gritante ausência, muitos de consciência pesada, dela se afastam
como o Diabo costuma fugir da cruz - segundo rezam as lendas transmitidas de
geração em geração. (Verdade, que ainda ninguém teve a lata de referir
encontros com esse malfazejo ser. Pelo sim e pelo não, muitíssimos lorpas
baralhados na incerteza, mas jogando na cautela e saboreando os caldos de
galinha, dele querem distância…).
Exactamente, nos precisos termos, o que vem sucedendo à CULPA
pelo funesto acontecimento de Entre-os-Rios. Tal e qual como os detentores
do Poder encararam os esforços desencadeados, ao longo dos seus últimos anos de
vida, pelo distinto mestre de engenharia de pontes e viadutos, engenheiro Edgar
Cardoso, no sentido de serem inspeccionadas e reparadas as pontes e os viadutos
das vias rodoviárias nacionais.
O professor engenheiro Edgar Cardoso porfiou ingloriamente
em chamar a atenção dos governantes deste país para as graves situações de
degradação já então existentes em numerosas obras de arte espalhadas por todo o
território continental. Os ex-ministros das Obras Públicas e Comunicações,
Engº. Ferreira do Amaral, Engº. João Cravinho e Dr. Jorge Coelho e os quadros
superiores dos órgãos superintendentes nas estradas nacionais, não ligaram
patavina aos alertas lançados pelo extraordinário técnico. Fizeram orelhas
moucas. Assobiaram displicentemente para o lado. Como se o assunto não lhes
dissesse directamente respeito.
Não foi preciso esperar muito tempo para se ajuizar das
razões das insistências do Prof. Engº. Edgar Cardoso nos cuidados de manutenção
e reparação das citadas obras de arte. Anota-se: intervenções que, objectivando
as condições de segurança do tráfego rodoviário, jamais podem ser descuradas.
Até que se deu a tragédia da derrocada da Ponte de
Entre-os-Rios; precedendo a queda de um viaduto de peões na região de Lisboa,
no tempo do mandato ministerial do Engº. Carmona Rodrigues. Neste caso do
viaduto o acidente ocorreu devido ao terrível efeito da colisão de uma
borboleta destrambelhada que, estupidamente, se precipitou sobre o tabuleiro.
Apesar do alvoroço causado no público, o acontecimento foi abafado e ainda hoje
não se sabe se a malvada compareceu em juízo. Ou se o processo da ocorrência
foi convenientemente arquivado…
Já no caso da desgraça de Entre-os-Rios as causas ainda
estão indeterminadas por douta apreciação do tribunal que, recentemente, julgou
o respectivo processo judicial. Contudo, atendendo á confirmada circunstância
de ter derruído um dos pilares que provocou o desabamento do tabuleiro, em dada
altura começou a esboçar-se a plausível teoria de terem sido as ratazanas - que
há anos se entretinham (quiçá, alimentando-se dos resíduos granulares) a roer a
sapata da fundação - as anónimas entidades responsáveis pelo que aconteceu
naquela fatídica hora. Na actualidade, como parece não haver interesse nos
meios geralmente bem acomodados em aprofundar a questão, está posta de parte a
hipótese da conspirativa actuação dos roedores ser devidamente estudada,
analisada, certificada ou rejeitada, pelos cientistas e atendida pelos agentes
de investigação criminal. Uns e outros, agradecem não ser incomodados…
Quando se deu o infausto acontecimento o ministro das Obras
Públicas e Comunicações, Dr. Jorge Coelho, demitiu-se proclamando que a CULPA
não podia morrer solteira. Logo, houve quem estranhando a inquietação e a
solicitude do governante pelo estado civil da criatura se interrogasse:
Por que razão ou impedimento haveria ela de ser virgem ad perpetuam?
Infelizmente, até hoje, a questão não foi esclarecida...
Não obstante, conservamos na memória a impressão sentida
pela opinião pública. Ou seja: a inocente sensação de ter sido da parte da
ministerial figura uma atitude que, embora ilusória, relevou ternura e inegável
simpatia para com a CULPA. Ela, naquele transe, bem precisava de ser
alentada. Viviam-se momentos dramáticos. A malta quase se deixou possuir pela
comoção. Muita gente ficou enternecida… Porém, alguns parentes afastados do
Zé-Povinho, “amigos da onça”, cínicos, incrédulos, não se coibiram de
filosofar: Pois quê?... Pois, sim!... E à socapa, iam balbuciando: “Quando a
esmola é grande o pobre desconfia”…
Agora, com o desfecho do processo no tribunal chega-se à
conclusão que ela, a CULPA, casada (melhor dizendo: amancebada) que foi
no momento da tragédia, não mais se pode considerar solteira. Muito menos,
virgem imaculada…
O Dr. Jorge Coelho, naquela altura, enganou-se
redondamente. Há dias, num programa televisivo, voltou a enganar-se. Com
veemência declarou que a CULPA, afinal, morreu solteira. Confrange a
falta de percepção do conhecido político. Daqui lhe confidenciamos Dr. Jorge
Coelho: O senhor incorreu num clamoroso erro! A CULPA está vivinha da
costa. Recomenda-se por muitos anos que ainda tem de vida à sua frente e aos
olhos do Zé-Povinho. De facto e, surpreendentemente, de direito, ela está
divorciada. Por decisão judicial o divórcio foi decretado. Uma desvinculação
matrimonial colectiva, porque abrangendo os vários amantes que promiscuamente
compartilharam vida comum. Entre eles, o destaque para os ex-ministros já aqui
citados devido a serem, em diferentes épocas, os chefes do respectivo agregado
familiar.
E ao Dr. Jorge Coelho talvez não ficasse mal elucidar-nos
sobre o que representa isso da sua assunção de responsabilidades. Assumir
responsabilidades só por se ter demitido? O cargo, o penacho, as mordomias,
eram assim coisas tão valiosas, seguras, gostosas, queridas e rentáveis, que,
abdicando delas, se possa admitir que o Dr. Coelho caiu no desemprego ou que
houve prejuízos nos rendimentos pessoais e na sua carreira política? (Obviamente,
que da profissional não vale a pena falar… certo ou errado?). Quais os danos
morais? Dessa atitude de demissão qual foi a penalização dela decorrente? Que
sacrifício expiatório? Que castigo cumpriu?
Porquê os ministros não hão-de ser penalizados pelas graves
omissões que cometem? E qual a razão da Justiça se alhear da, por vezes,
extrema gravidade das consequências da negligência dos governantes, como
aconteceu com a tragédia da Ponte de Entre-os-Rios?
Insistimos: Mas que responsabilidades? Se no momento da
demissão disse que assumia responsabilidades por que, desde logo, não se dispôs
a enumerá-las, nem chegou a dar sua pessoal definição e um seu qualquer modo
individual de as concretizar? Tão-pouco, uma indispensável e inequívoca
afirmação de sua existência e enumeração?
Interpelamos: Das eventuais responsabilidades do Dr. Jorge
Coelho o que ele nos transmitiu? Na prática, nada! De facto, coisa nenhuma!!!
Os portugueses ficaram contemplados com o gesto
espectacular, mas inconsequente. Entretanto, o Dr. Jorge Coelho satisfeito
consigo mesmo, provavelmente, dispôs-se a “dar uma volta ao bilhar grande”…
Outro aspecto a considerar no estado de separação da CULPA
da tragédia de Entre-os-Rios é que ele se constitui como um gritante divórcio
da realidade factual e da inapelável quota de responsabilidade de quantos,
tendo sido advertidos dos perigos latentes, pela maior autoridade portuguesa no
domínio da engenharia daquele específico tipo de obras de arte, se estiveram
nas tintas para, em devido tempo, tomarem as medidas que se impunham para
obstar à ocorrência de acidentes como o da Ponte de Entre-os-Rios.
Surpreende o “esquecimento” dos factos, dos ensinamentos,
das críticas, dos “avisos” e das recomendações, por parte dos responsáveis da
Administração Pública, dos serviços da Justiça, dos tribunais e dos órgãos de
soberania. A dar crédito à conhecida observação popular, deve ser gente que
come muito queijo no verão. Pelos vistos, hábito alimentar que provoca crises
de amnésia de fixação nas horas cruciais…
As considerações expostas remetem-nos a outra pertinente
questão: o quadro penal do nosso ordenamento jurídico não contempla a figura da
negligência criminosa? Mesmo quando ela se sobrepõe aos inadiáveis cuidados de
prevenção e ao atempado conhecimento ou informação das situações de risco?
Enfim, a CULPA não é virgem, Não se encontra
solteira porque naquela fatídica hora da tragédia de Entre-os-Rios se amancebou
com vários sujeitos. Agora, não tendo morrido, arrasta uma envergonhada e
penosa existência de divorciada E como está viva a todo o tempo, tem de ser
demandada em juízo. A CULPA tem de expiar a sua culpa…
Nota importante: Urge
desmistificar as histórias mal contadas das rápidas e inconsistentes assunções
de responsabilidades por parte dos vários governantes e políticos que,
sobranceiros, se exibem no circo da politiquice e se passeiam na vastíssima
área do “faz-de-conta”.
A presente crónica visa esse
objectivo.
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