106. APONTAMENTO DE
BRASILINO GODINHO
01 de Março de 2018
ESTÁ NA MODA DOS PODEROSOS
MAS IGNORADO PELOS POBRES
Está na moda. Insinua-se como
chique. É usada indiscriminadamente. Soa em tom suave. Não fere os tímpanos de
gente pacata. Não assusta ninguém. Nem provoca ondas de choque nas avenidas
novas de Lisboa ou nas margens da Linha de Cascais. Às polícias dos bons e maus
costumes das noites sobressaltadas da Mouraria, de Alfama, do Cais de Sodré e
do Intendente, não lhes aquece nem arrefece os sossegados ânimos. Nem se
conhecem casos de atrapalhações nos trânsitos causadas pelos efeitos de
surpresa sempre que é lançada, sem cerimónia e acintosamente, aos quatro ventos
em qualquer área da parvuleza nacional. Não há registo de ter provocado
mal-estar no decurso de congresso, conferência ou seminário, realizado em
Portugal. Não consta que a ela tenha recorrido algum clérigo enquanto faz a
homília da missa diária. Também se julga nunca a ela terem recorrido distintos
treinadores de futebol que, magnânimos, algumas vezes nos divertem com a sua
complexa linguagem em que prevalece a singular conjugação do Verbo com as
agressões, as rasteiras e os fora-de-jogo, aplicados, sem dó nem piedade, à
indefesa Gramática. Os funcionários públicos, os sargentos e praças das forças
armadas e desarmadas estão-se nas tintas para com a insólita, bastarda, figura.
O mesmo acontece com os estudantes de todos os graus de ensino público e
privado. Curiosa é a circunstância de os banqueiros, não lhe ligarem patavina.
Os comerciantes e os industriais ignoram-na por completo. Os senhorios e os
inquilinos, nem dela lhes chegam rumores. Os taxistas, é como se não a ouvissem
e descortinassem ao longe envolvida num manto de nevoeiro. Os camponeses vivem
a leste do paraíso que regala a vida dos poderosos e por isso não conhecem a
malvada que a estes acompanha regularmente no aconchego paradisíaco. E os
agentes de seguro, nunca terão ouvido referências quanto ao seu hipotético
préstimo. A classe dos profissionais de serviços de limpeza vive na santa
virgindade auditiva quanto à sua existência. E os cangalheiros nem sequer lhe
rezam pela fugaz alma.
Por falar em alma tem interesse
anotar-se que Sua Santidade, o Papa Francisco, nunca a citou nas prédicas e
bênçãos papais dos domingos, na Praça de S. Pedro – o que muito significa de
elevação espiritual e autoridade intelectual.
Em contraposição, a fictícia criatura
com génese em ignaro ser humano é a delícia e o adorno de político e governante
que, em transe de inquietação funcional, preze a sua condição; e o brilharete de
jornalista pouco escrupuloso, quanto baste, para se contemplar efusivamente no
acolhimento que lhe faz com persistência que chega a ser confrangedora. Os
intelectuais de fina estirpe de Lisboa, de Cascais, dos Estoris, também lhe
dispensam favorável convívio e festejada veneração.
Aqui chegados, o leitor
perguntará: qual é esse elemento perturbador da nossa vida quotidiana e
colectiva desarmonia social?
Ei-lo:
- Tem a equívoca formulação: POLITICAMENTE
CORRECTO – o que quer dizer que a coisa, o dito e o feito, estão de acordo com
as convenções existentes na sociedade. Todavia, registe-se que tais regras são
muito ignoradas ou desprezadas na actualidade.
E, por consequência, trata-se de
uma expressão cada vez mais vazia de sentido. Se ela, desde logo, quando lhe
deram nascença e estatuto deontológico, tivesse sido alvo de ponderação mais ou
menos sofisticada, rapidamente a retiravam da circulação e sido afastada do
tecido social que, como se sabe, é de textura frágil e muito vulnerável às cruéis
arremetidas dos vândalos desrespeitadores das básicas regras de convivência e
harmonia social.
E, vamos lá, com boa vontade e
ardor prático, bem vistas as coisas nem é curial envolver a política ou o modus faciendi do seu exercício e da sua
aplicação, naquilo que, naturalmente, é atitude e (ou) comportamento individual
e de grupos partidários, religiosos e de seitas. São elementos dissemelhantes
que actuam em campos distintos.
O “politicamente correcto” não
procede de coisa objectiva: política ou comportamental. Não é consequente e
determinante na sua terminologia. Não assenta na lógica. Nem é fundamentada em
termos precisos (embora os dicionários a incluam listada, malgrado meu).
A política é arte de governar e
se há que classificá-la de correcta ou incorrecta terá que se atender a um
factor básico: o de se apurar se ela é praticada bem ou mal em relação às
populações. Não pode submeter-se aos critérios pessoais difíceis de
compatibilizar uns com os outros.
No uso que vem sendo dado à
expressão nota-se que a acção e avaliação de natureza política nada têm a ver
com a atitude, o procedimento e a natureza da opinião expressa num contexto de
vinculação pessoal que, obviamente, não conecta com a política.
Daí que usar-se a expressão “politicamente
correcto” num contexto alheio à política é, de certo modo, sem forçar demasiado
a conclusão, uma incongruência linguística e… uma anormalidade - tal e qual
como é usança nalguns sectores da sociedade portuguesa. Embora em nítida perda
de credibilidade e aceitação pela maioria da Nação.
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