Brasilino Godinho
Sobre a minha crónica: Não sou Charlie! Mas...
Recebi
o comentário que transcrevo:
Bom
dia
Renovo
os votos de um bom ano. Correcto, prezado Brasilino, percebi o que
quis contextualizar e penso que tem toda a razão. Mas esta análise
é de certo modo uma desfocagem do problema principal. Eu quero ser
incisivo. Eu quero mesmo ir ao assunto e discuti-lo: o atentado ao
media francês.
Começo
sobre tudo o que ouvi de comentários por dar preferência às
palavras sensatas do sheik Munir da nossa comunidade de muçulmanos
portugueses: “a minha liberdade termina onde começa a liberdade
dos outros”.
E
sendo assim sai a principal questão: o que é a liberdade de
expressão? Ela não tem direitos, mas também deveres? Isto
parece-me o principal ponto.
Onde
tocou agora a barbárie e o selvático foi nos media. Sobre isto há
que punir severamente. Mas há que punir tb há um mês atrás, salvo
erro, quando o extremismo selvático europeu lançou bombas em duas
mesquitas na Europa (um caso, acho eu, foi na Holanda e o outro caso
foi na Alemanha). Isto já não é fundamentalismo? Não podemos
chamar a isto extremismo ou fundamentalismo religioso ocidental? Se
fosse um atentado destes numa igreja católica por parte de
fundamentalismos islâmicos, qual seria a reacção das
grandes capacidades intelectuais que proliferam na actualidade
nos nossos orgãos de comunicação (jornalistas, politólogos de
relações internacionais e outros mais)? É só grandes
entendidos sobre o assunto, mas não vimos qualquer reacção deles
quando este fanatismo ocorreu sobre essas duas mesquitas. Ou já não
conta para a contabilidade pq não nos interessa que conte? Pergunto:
qtas páginas da imprensa europeia (inclusive da portuguesa) deu
sobre o assunto? Aqui já não foi utilizado o "Lápis Azul"
em prol da cesura que interessa fazer consoante os contextos? Houve
causas de solidariedade europeia para estes horríveis
acontecimentos?
Vamos
aos acontecimentos condenáveis em França. Foram criados cartoons de
afronta ao Islão. Os muçulmanos na altura de várias partes do
mundo reagiram e contestaram a humilhação (o tal humor de que fala
a imprensa europeia). O que fez este órgão de comunicação agora
devastado com a catástrofe terrorista? Ainda instigou mais à
crispação, publicando outros tantos cartoons... Não foi isto que
ocorreu em nome da tal "liberdade de imprensa"?
Ponhamos
agora a situação de outro lado do “espelho”. Imagine-se um
jornal muçulmano a fazer um cartoon de uma realidade que acontece em
várias partes do mundo por bastantes clérigos católicos
(pedofilia): obviamente que estaria a referir-me por exemplo a um
cartoon em que Jesus seria postulado na imagem dado como pederasta e
em posição de sodomização. Este cartoon em face da realidade
actual do que nos narram estas tristes histórias da igreja católica
está sem qualquer dúvida em equidade com o cartoon da bomba
desenhada no turbante de Maomé.
A
pergunta que eu faço é esta: como reagiriam alguns católicos mais
ortodoxos? Aceitariam estes católicos o que designam os media
europeus como a liberdade de expressão produzindo humor? Dou outro
exemplo: o caso irlandês e as convulsões constantes com mortes e
atrocidades entre católicos e protestantes. Estamos a falar de quê?
Isto já não é fundamentalismo nem extremismo?
Eu
percebo que os media queiram aglutinar a favor da sua causa pq lhes
tocou no âmago com a retórica de um novo tipo de radiação ou uma
nova forma de terrorismo. Mas no meu caso não me convencem. O que
aconteceu aqui foi um ataque específico sobre uma instituição que
há muito se tinha posicionado para que esta possibilidade ocorresse
(mais ainda, com a soberba de ter continuado a instigar, a provocar
na argumentação retórica da “liberdade de expressão”). Sabe
de certeza, estimado Brasilino, que há um velho ditado que diz “quem
com ferros espeta, com ferros morre”. Eu não alinho em cambalachos
e às vezes penso que não devo pertencer a este mundo.
Se
tivesse que criar um “memorando constitucionalista europeu” ou um
“parlamento das ideias” teria como tópico principal:
respeitem
os povos, respeitem os dogmas de cada um, condene-se o extremismo e o
fundamentalismo, mas também a falta de respeito e abuso sobre
os valores das civilizações e que promovem estes fanatismos.
No
caso do Islão tenho um profundo respeito até pela minha identidade
portuguesa. Eu tenho como antepassados que aqui viveram na idade
Média (são de facto meus antepassados) iranianos, iemenitas,
sírios, egípcios, marroquinos, tal como foram meus antepassados
judeus e cristãos. Eu tenho um profundo respeito pela história
portuguesa e pelos meus antepassados (se a história da Expansão e
dos Descobrimentos foi o nosso apogeu na história mundial, muito de
se deve à cultura muçulmana e ao seu conhecimento que na nossa
Ibéria circulou).
Aliás,
eu farto-me de rir como actualmente fazem a leitura do conceito de
Califado colando-o ao fundamentalismo. Porque não estudam
verdadeiramente como era a governação de um califado em vez de
estigmatizações? Mas este badalado “califado islâmico” tem
rigorosamente algo de plausível com a conceptualidade teórica da
governação de um califado? Eu não vou em tretas, nem em balelas
espúrias de discursos vazios sem qualquer conhecimento dos assuntos
que mencionam.
Se
olhassem para história ibérica perceberiam que se há conceito
teórico de soberania onde o consenso de vários povos e várias
religiões conviveram pacificamente foi de facto a soberania de um
califado (Omíada). A teoria tão propalada da “convivenza” dos
três reinos foi durante a governação deste califado (obviamente
que não vamos pôr isto exclusivamente num altar de candura, pois há
sempre tensões). O fundamentalismo entre cristãos e muçulmanos (e
o “disco rígido” da Reconquista Cristã) só surgiu quando este
califado foi destruído pelos Almorávidas (estes os verdadeiros
“canibais” fundamentalistas interpares com os canibais
fundamentalistas templários godos).
Eu
não misturo fundamentalismo com islamismo. E não aceito que se faça
humor com actos de muito pouco respeito para com dogmas religiosos.
Respeite-se os dogmas, tal como se respeita o secularismo ou o
laicismo. Há temas com que não se deve brincar. E a determinada
altura o que este jornal fez já não foi produzir humor, mas sim,
provocar, acicatar à crispação. Naturalmente que todo e qualquer
fundamentalista religioso, pôs este jornal como registo da “lista
negra” e esperou pela oportunidade para se vingar. O que aqui
ocorreu foi um ataque específico a um jornal que nada fez para que
essa crispação deixasse de ocorrer. Portanto, não vale a pena
agora criarem argumentos de novas ampliações estratégicas de
terrorismo. Tudo treta.
Estimados
cumprimentos do Jesus :-
___________________________________________________________________________
A publicação
do presente texto da autoria do doutorando em Estudos Culturais,
Pedro Jesus, foi precedida do respectivo pedido de autorização: o
qual, se transcreve em seguida.
Prezado Senhor
Dr. Pedro Jesus
Agradeço o seu
brilhante comentário que assino por baixo.
Peço-lhe autorização
para o inserir no meu blogue:
http://quintalusitana.blogspot.com
http://quintalusitana.blogspot.com
e o encaminhar aos meus
contactos.
Entretanto, fico
aguardando a sua decisão.
Com os melhores
cumprimentos.
Brasilino Godinho
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