"Santo"Antero
de Quental sempre actuante...
Em
1871, interpelando o ministro Marquês D'Ávila.
Em
2014, do Além, vem a interpelar primeiro-ministro Passos Coelho...
Introdução e anotações de Brasilino Godinho
As interpelações - quais certeiras farpas - que,
outrora, Antero de Quental dirigiu, em formato de carta-aberta
(titulada: EU SOU SOCIALISTA) ao ministro Marquês D'Ávila a
propósito da proibição das Conferências do Casino,* haverão
agora, numa curta parcela, de ser reproduzidas fielmente, mantendo
tudo aquilo que o poeta açoriano escreveu; mas com o cuidado de
substituir o nome do destinatário de então pelo da actual figura
cimeira da equipa ministerial a quem é também consagrado o tema,
perfeitamente compaginado na actual conjuntura nacional.
Abreviando, a nós e aqui, cumpre-nos dar a palavra a
Antero de Quental. Até porque nos parece estar o poeta micaelense
profundamente inquieto e atormentado lá no espaço etéreo, onde se
refugiou. Também impelido a fazer-se ouvir no presente tempo de
magras vacas loucas e de não menores aberrações cívicas e
circunstanciais: de políticas, pessoas, tempos e modos.
Eis
Antero, exercitando dedicação pelo interesse público!
Antero de Quental, em tom irritado, dirige-se a
Passos Coelho:
«A política, sr. presidente do Conselho de
Ministros, sabe V. Ex.ª que é uma ciência? Sabe que a ciência,
filha caríssima do Espírito, só tende a elevar, a instruir, a
moralizar, a santificar a vida humana? A
política é o instrumento da justiça social
(sublinhado de Brasilino Godinho).
Revestida, pela autoridade,
dum carácter quase religioso, é uma voz de grandes ecos, que diz à
verdade fala! que
diz à consciência revela-te!
que diz às almas emancipai-vos!
que sobretudo diz aos costumes
moralizai-vos! Para
ter o direito de dizer isto, a política tem mais que tudo de ser
moral - é preciso que todos a julguem mais que tudo moral. V. Ex.ª
é político: diz-se político, e dizem-no alguns dos seus contínuos.
Ora veja V. Ex.ª que juízo faz da capacidade moral da sua política
a opinião daqueles que V. Ex.ª governa... Diz-se (o que não se
diz?) que, antes de se chegar ao terror, se usou de meios mais
brandos - meios suasórios. Diz-se que se ofereceu a alguém uma
candidatura**, quando esse alguém se mostrou resolvido a falar sobre
um assunto pouco palaciano... Como se este encontro de
circunstâncias não pudesse ser filho duma naturalíssima
coincidência! Estes enredos corruptos são só próprios da escola
de Maquiavel, homem de génio infernalmente profundo, sublime quase
na sua corrupção, perverso mas grande. Ora nós temos toda a
certeza de que V. Ex.ª não é por forma alguma Maquiavel, nem há
meio de o tomarmos por seu discípulo. Decididamente, V. Ex.ª não é
o grande Maquiavel.»
* Tal proibição suscitou um desaguisado entre duas
personalidades açorianas: Antero de Quental, nascido na cidade de
Ponta Delgada, ilha de S. Miguel; e António José Ávila, Marquês
D'Ávila e Bolama, natural da cidade da Horta, ilha do Faial.
** Parece-nos não haver dúvidas de que Antero,
atento à gravidade dos obscenos acontecimentos na terra portuguesa e
apesar do seu distanciamento etéreo, se está referindo à recente
candidatura de Miguel Relvas a presidente do Conselho Nacional do PSD
(órgão máximo do partido), apresentada e votada no último
congresso do Partido Social Democrata, realizado a 22 e 23 de
Fevereiro do corrente ano, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
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