HUMANOIDES
QUE SOMOS,
ARREIGADOS
NO DESERTO
QUE
HÁ NOME PORTUGAL…
Brasilino Godinho
Os portugueses, na sua maioria de milhões de seres mais ou
menos racionais, mamíferos, primatas, quaisquer que sejam as suas raças, os
seus traços fisionómicos, compleições físicas, cores de cabelos e de olhos,
habilitações literárias, credos, profissões, conservam características comuns
às espécies humanas de outros lugares da Terra, mormente as que habitam a
Europa. Porventura, nem dos europeus se diferenciarão muito nas práticas de
procriação, nos hábitos alimentares, no vestir, no calçar, na maneira de andar,
nas rotinas de comportamentos civilizacionais, nas artes e nos ofícios.
Todavia, hemos que exceptuar alguns maus costumes e retrógradas mentalidades,
que constituem as suas desinteressantes imagens de marca, tais como: acérrimos
maldizentes nos convívios das tertúlias; obstinados, mas inconsequentes
acusadores dos governantes; grandes invejosos dos vizinhos; inveterados
cuspidores na via pública; serem falhos de pontualidade; desprezarem,
abandonarem e desvalorizarem, os idosos; vangloriarem-se da esperteza saloia;
praticarem a subserviência perante o estrangeiro; e darem-se, servilmente, à
obediência e veneração face ao senhor abade da paróquia que - diga-se - regra
geral, é solteiro, não constitui família, nem suporta encargos com o sustento e
educação de filharada própria ou alheia (factor importante nestes tempos de
crise e de misérias) e tem o gozo da fama de ser “bom rapaz”, embora pouco
virtuoso e assaz pecador…
Mas, nas últimas décadas reportadas ao fim do século XIX e
com realce desmesurado para o que se vai passando na actualidade do regime
pomposamente rotulado de democrático, assistimos à progressiva desertificação
de Portugal e à consequente passagem regressiva da superior qualidade de
humanos para a baixa condição de humanóides; aqueles classificados como seres
de 1.ª classe e estes últimos catalogados em duas subcategorias: a dos animais
de 2.ª classe (quais resquícios da classe média) e os restantes, pobretanas,
como animalejos de 3.ª classe.
Sem olvidar a transfiguração física do território
continental nas regiões algarvia e alentejana, temos de reconhecer que o país
mais ocidental da Europa é um deserto - lugar onde não vive gente. Dito de
outra maneira: neste canto ocidental europeu não vive multidão de
pessoas; gente, que como tal se sinta. Estamos num deserto de almas. Num ermo
onde, dificilmente, dramaticamente, sobrevivem os humanóides lusos. Assim
estabelecidos num estádio de menoridade, de perene sofrimento e humanóides que
somos a maioria dos seres vivos arreigados no rincão lusitano, permanecemos
condenados a vegetar como seres supérfluos ou a fenecer conforme a um destino
que se pretende como solução final da crise instalada no seio de uma sociedade
que se revê num capitalismo selvagem e opressor que tudo subverte ou aniquila.
Isto processado em Portugal, enquanto todos, figurantes e vítimas do sistema, se
contemplam displicentemente nessa triste e desumana situação. Assim, na desoladora
condição de humanóides, com semelhanças às criaturas de outras atrasadas paragens,
que - para além de vegetarem ou por essa razão - não pensam, nem reagem às
adversidades e aos estímulos. Desgraçadamente perdidos num turbilhão de
perigos, de transtornos, de aberrantes carências e submetidos a inúmeros
atropelos à dignidade do ser humano. Imensos indígenas não lêem, não se
cultivam. Tão-pouco percebem o que ouvem, o que vêem e o pouquíssimo que vão
soletrando com extrema dificuldade. É aterrador o quadro dos três
analfabetismos crónicos instalados no seio da comunidade dos humanóides lusos:
o terrível analfabetismo primário, o desastroso analfabetismo funcional e o funesto
analfabetismo cultural. Tudo conjugado, deu nisto: os humanóides
portugueses estão abúlicos! Conservam-se pasmados. E, simplesmente, como seres
amorfos que são, amocham! O panorama em que se enquadram é desolador. A Nação
sucumbe a cada dia que passa e os indígenas, postergados os seus direitos de
cidadania, permanecem indiferentes. Inclusive, estão perdendo a sua identidade
que lhes é concernente através da linguagem escrita e falada. O Português está
sendo, gradualmente, substituído pelo Inglês, por tudo que é sítio (por
exemplo: Allgarve), estabelecimento, escola, universidade, colóquio, documento,
livro, meio de comunicação social. Os governantes promovem a língua inglesa.
Alguém os vê a incentivarem a aprendizagem e o uso correcto do Português? Será
um expediente para se desculpabilizarem da má prática que fazem da Língua
Portuguesa? Uma vergonha nacional! Um cataclismo social e identitário!
É justo referir que aos humanóides portugueses não se lhes
podem assacar as maiores culpas pelas deploráveis situações que os demarcam,
vergonhosamente, no mundo contemporâneo. Eles são vítimas dos sistemas
políticos que se foram sucedendo e dos predomínios de forças e interesses
ocultos que os cercam, os dominam, os manipulam, os atrofiam e os bloqueiam nas
débeis tentativas de se libertarem das amarras das sujeições que os exploram e
martirizam.
Entretanto, num ou noutros pequenos e selectos espaços que,
significativamente, se designam por oásis, encontram-se acantonados alguns
mamíferos (os tais seres de 1.ª classe) a gozarem, regaladamente, das
bem-aventuranças, decerto conferidas por Deuses mal-intencionados, velhacos e
pouco afeitos aos sentimentos humanos.
Todos sabemos que oásis é lugar onde existe água, que é
fonte de vida, vegetação e culturas, que fornecem alimentação com que se nutrem
os corpos e onde, também, se cria gado que serve de instrumento de trabalho e
de nutrição aos donos. Ao fim e ao cabo, falamos de coisas agradáveis (de cujas
referências vamos rapidamente perdendo memória) agora só ao alcance de privilegiados
que se estão marimbando para as carências e sofrimentos dos humanóides que desgraçadamente,
cada vez mais se vêm afastados das abastanças existentes nos poucos, selectos, oásis
acintosamente parcializados e repartidos pelo espaço nacional.
Porém, há um importante detalhe que devemos ponderar: esses
oásis mais não são que lodaçais; os quais, considerados no conjunto, formam o
tal famoso pântano guterreano (lembram-se?). E nele chafurdam, desenvoltos e
satisfeitos, vários animais asquerosos.
Também não esqueçamos que nas margens dos referidos oásis
pousam aves raras compenetradas das suas prerrogativas e obrigações inerentes à
espécie – o que, de certo modo, dá outro colorido à paisagem e contribui para
algum ligeiro desanuviamento do mau ambiente circundante…
Não obstante, elas mesmas correm perigo. Trata-se de uma
espécie animal em vias de extinção.
Por todas as razões, que nos afligem, dissonantes da
condição humana a que temos direito a aceder, a qual é incompatível com a falta
de qualidade de vida de humanóides que somos (nunca é demais persistir na
afirmativa desta incómoda referência), insistimos que haverá urgência em pôr
ordem no sistema e, rapidamente, desbravar caminho até chegarmos aos
famigerados oásis de algumas opulências, ora estranhas e indecentes, com
localizações conhecidas e dispersas no imenso pântano de que falava o célebre
António de Oliveira Guterres… Afinal, como antes acentuámos, são áreas onde
existe e se regala uma fauna mal cheirosa e repelente…
Fim
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