Leitor,
Pare!
Leia!
Pondere!
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SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

ESTÁ SITUADA NA PROVÍNCIA...

QUEM TE AVISA, TEU AMIGO É...

e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

domingo, agosto 28, 2011

Ao compasso do tempo…

D. AMORIM I, IMPERADOR DAS CORTIÇAS, DISSE:

- “MAS EU SOU UM TRABALHADOR”…

Brasilino Godinho

brasilino.godinho@gmail.com

http://quintalusitana.blogspot.com

Sua Majestade D. Amorim I, Mui Digno e Muito Venerando Imperador das Cortiças, de Aquém-Mar e de Além-Mar, com reais paços assentes em terras de Santa Maria da Feira, no país que há nome de Portugal, ornada de Real Grandeza Suprema, sobejamente conhecida nas várias praças-fortes do comércio mundial e que - por força e proveitos de bem-aventuranças e bem-intencionadas mercês do Grande Arquitecto do Universo, altíssima Divindade que parece ter grande predisposição para patrocinar as não menores fortunas terrenas - é detentor da maior riqueza individual existente em Portugal. Segundo relato há dias vindo a público, foi interpelado por atrevido jornalista no sentido de saber-se da eventual disposição de Sua Alteza em proporcionar modesto contributo financeiro para salvar o país da bancarrota em que está mergulhado.

D. Amorim I, simplesmente, disse: “Mas eu sou um trabalhador”…

Desde logo, conhecida a comovente e importante declaração, releve-se a continência da expressão. Sua Excelência poderia ter-se tentado a dizer que era um modesto trabalhador… Não o fez. Foi uma atitude simpática, invulgar e, provavelmente, reflexa da bondade de sua alma e concernente à magnificência das suas reais prerrogativas. Daquela maneira D. Amorim I mostrou inusitada moderação nas palavras. Tanto mais de exaltar quanto se tenha presente a insuportável algaraviada que vai por aí espalhada aos quatro ventos, por toda a Comunicação Social e por todos os diversos sombrios pátios da república e obscenos circos da paródia nacional.

Ademais, um caso para festejar. Bem observado por D. Amorim I! Também bem dito… Sem papas na língua… Assim a modos de Sua Excelência, candidamente, insinuar que paguem a crise os mesmos (cidadãos e famílias de menores recursos) que são sempre, com generosidade equívoca, contemplados com a primária vontade e a facilitada, habitual, direccionada, sanha dos governantes. Igualmente, subentendido que Sua Excelência Imperador das Cortiças na condição de trabalhador, mesmo rico, está mal amparado no capital que desfruta; embora este esquisito aspecto seja difícil de perceber pelos indígenas. Acresce que D. Amorim I classificando-se a si próprio como trabalhador independente sublinha o facto de, por antecipação, já pagar impostos sobre os rendimentos que aufere nos exercícios das suas multifacetadas actividades, através de recibos que, eventualmente, nem sendo verdes, serão azuis (fineza impõe-se mesmo ao Fisco…) - o que se antevê como voluntário e abnegado cumprimento de uma penosa carga tributária afectando-lhe, sobremodo, a carteira pessoal; e talvez, até, com acrescida e preocupante afectação do seu equilíbrio sensorial… Sob este ângulo, é importante para o Fisco não olvidar ou menosprezar que o ilustre trabalhador em causa necessita de manter esse factor de estabilidade de modo a contrabalançar efeitos, que quando desarmoniosos e preponderantes repercutem no rendimento do trabalho e, consequentemente, na diminuição da matéria fiscal e nas reduções das inerentes receitas do ministério da Fazenda, Afinal um somatório de prejuízos: da Majestade Imperial e do Estado…

Mas Sua Alteza, certamente impelida pela sua natural bonomia e bastante condescendente com as leviandades alheias, mostrou-se à altura da circunstância e formulou uma resposta inteligente… e convincente!

Muito a condizer e (ou) a contrapor perante tão insólita e provocadora interrogação do imprevidente jornalista…

Aqui realço - e por falar na aludida circunstância da interpelação: lugar, tempo, modo e peculiares identidades das pessoas intervenientes - a interessantíssima particularidade de D. Amorim I ter dado soberba e elucidativa expressão à famosa máxima do filósofo José Ortega y Gasset: “yo soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo”. O que equivale a considerar que “O homem é o homem e a sua circunstância”.

E naquele momento em que Sua Alteza D. Amorim I foi posta perante a transcendência da própria circunstância, não haja dúvida que agiu conforme a ela. Operou-se uma dupla salvação, bipolar, comum à própria circunstância (aparentemente embaraçosa para quem só considerasse a imensa fortuna) e à pessoa da distinta personalidade, esta entendida como factor primordial da complexa e ambígua envolvente circunstancial.

Aceita-se que D. Amorim I para além do seu nome significar ser fruto (pêro doce) - que embora pequeno no formato físico é suculento a condizer com a grande massa… que o corporiza no seio da sociedade e lhe dá projecção e lustre – é, sem margem para dúvidas, o Imperador das Cortiças em harmonia com as suas circunstâncias. Estas e ele e ele e elas formam uma rica simbiose, quase perfeita.

Sim, D. Amorim I salvando a circunstância, salvou-se a ele próprio. Grande sábio!

Claro que isto, digo eu. Porém, houve gente que, atendo-se às superficialidades das coisas e prevalecendo-se de juízos precipitados ou preconceituosos, cometeu a indelicadeza, quiçá o desrespeito, de chamar cínica à Veneranda Alteza. Foi uma pena!... Também uma maldade… Provavelmente, devida à falta de apreensão dos significados dos factos e das características intrínsecas das actividades concernentes ao elevado estatuto social da famosa personalidade.

Senão, vejamos.

Se tivermos o cuidado de abstrair das protecções espirituais, sociais e funcionais, dispensadas pela singular Divindade (acima referida) ou, geralmente, a ela associadas, ou mesmo cultivadas nos templos da Veneração, há que ponderar o empenho pessoal de Sua Majestade D. Amorim I em criar, manter e fazer prosperar o seu império; o qual, parece ter domínio absoluto em todos os territórios das cortiças.

Daí não custa prever que o augusto imperador se tenha farto de trabalhar. Quantas repetitivas viagens de negócios? Quantos esforços dispendidos na gestão das empresas? Quantas estadias inquietas, extenuantes, rotineiras, nos melhores e mais recomendáveis hotéis, onde quase se morre de tédio, de atordoamento, de embriaguez face ao luxo envolvente e de frustração existencial? Quantas canseiras por ter de aturar os outros trabalhadores de condição desigual? Quantas noites mal dormidas e de insónias, a cogitar nos negócios? Quantos tempos infindos consumidos a pensar como melhor aplicar os rendimentos? Sempre receoso e angustiado, interrogando-se: como guardar os capitais dos réditos? Quantas maçadoras viagens à estranja? Quantos aborrecimentos no decorrer das estafantes conversações e conferências? Quantos lautos almoços e indigestas jantaradas? Quantas intermináveis observações e infindáveis diálogos, correlacionados com os negócios, a sucederem-se em contínuo? E quantas vezes, D. Amorim I não terá suportado abusos de confiança (eventualmente, nem sempre repelidos) das secretárias, ditados pelas proximidades e intimidades das confidências?...

Assim, sucintamente expostos estes índices de produção corticeira enquadrados num compósito mundo imperial (vulgo, empresarial) que concernem a D. Amorim I será, porventura, absurdo classificá-lo como trabalhador?

Tenham lá paciência: visto, lido, respigado, atendido e festejado, Sua Excelência Imperador das Cortiças é um incansável, superabundante e produtivo trabalhador…

Depois de D. Amorim I se ter esgotado com tão ciclópicas tarefas é previsível que agora lhe falte vontade, lhe mingue o ânimo, lhe feneça o vigor, para partilhar rendimentos ou acudir às necessidades da grei ou às carências do Estado. Com alguma leveza de espírito imaginará que quem precisa deveria ter trabalhado como ele… Preguiçaram ou não foram expeditos, todos quantos o censuram ou lhe pedem auxílio; pois, então, aguentem-se!

Por outro lado, creio que como mui grande obreiro e esforçado trabalhador por conta de si próprio, sem estar vinculado a qualquer entidade patronal e gozando do privilégio de ser patrão da sua augusta pessoa, deveria beneficiar de estatuto especial e ser posto a salvo de contribuir para a contensão do descalabro da desgovernação nacional. Até porque um dia que morra e vá ter com os anjinhos e não obstante ser devidamente encaminhado à fervorosa companhia do Grande Arquitecto do Universo terá, forçosamente, que deixar cá em baixo, nos seus domínios corticeiros, todos os bens terrenos que foi, zelosamente, acumulando. O que será uma grande chatice! Porém, uma ideia a que, provavelmente, já se acomodou…

Aliás, o glutão estado (com letra minúscula, façam favor de entender…) português, a qualquer tempo, poderá desencadear um assalto ao império das cortiças e buscar violentamente algo que o Imperador de serviço, de domínio e de condição, agora, tão pressurosamente lhe nega.

Nunca se sabe o que o futuro reserva. Certamente por isso D. Amorim I não vai à bola com os cantos de sereia que lhe sopram aos ouvidos e com ideias ultrapassadas de fraternidade e caridade; as quais, se apropriadamente tecidas, começarão por contemplar ele mesmo…

Enfim, bem avisado, melhor acomodado e esplendidamente refestelado, este extraordinário Imperador das Cortiças…

Fim