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SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

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e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

terça-feira, setembro 27, 2011

Um texto sem tabus…

SOBRE AVEIRO, ANTES DE QUERER, HÁ QUE REVER…

Brasilino Godinho

brasilino.godinho@gmail.com

http://quintalusitana.blogspot.com

Agora que tanto se fala (e se programa) sobre um novo projecto de remodelação da Av. Dr. Lourenço Peixinho, na cidade de Aveiro, a apresentar ao público antes do fim do ano corrente, ousamos sugerir que se releia a crónica que, sob o título acima inserido, publicámos a 02 de Abril de 2008, no “Diário de Aveiro”; visto que o texto mantém pertinência e não perdeu actualidade. Além disso, acresce uma reserva de princípio actuante; qual seja a obrigação cívico/política de os responsáveis, técnicos e decisores, terem o maior zelo, a superior competência e a indispensável certeira objectividade, nas acções a desenvolver: quer na fase de concepção dos estudos; quer na de elaboração do respectivo projecto; quer na aprovação do mesmo; quer na concretização em obra.

Segue a transcrição da mencionada crónica.

Em Portugal as cidades confrontam-se com o grave problema do ordenamento urbanístico; o qual envolve as componentes mais importantes a saber: o trânsito, a mobilidade dos cidadãos, a segurança pública, o saneamento básico, o equipamento urbano e a qualidade de vida. Todas enfermando de uma inconformidade de origem ancestral que foi e continua a ser altamente condicionante da evolução dos seus agregados e bastante penalizadoras para os munícipes e visitantes ocasionais. Essa inconformidade tem tudo a ver com as géneses das suas criações, os diversos formatos que se foram implementando ao compasso do tempo e as modernas acções interventivas dos poderes autárquicos nem sempre merecedoras de aplauso ou reconhecimento.

Nalguns casos as cidades ainda mantêm centros históricos e características medievais que faz todo o sentido conservar em bom estado e melhor usufruição das pessoas. Se isto é realidade atendível em todas as circunstâncias, também se reconhecerão as respectivas implicações. Desde logo a existência nos nossos núcleos urbanos de malhas viárias deficientes e inadaptadas às exigências da modernidade obriga a redobrados esforços no sentido de se encontrarem as melhores soluções em sede de processamento de novos planos de urbanização, com vista a obter-se o imprescindível entrosamento entre as velhas e as novas infra-estruturas. Tal orientação para além da importante componente funcional também se credita pela necessidade de preservar os valores da identidade, do património e da memória cultural de cada cidade.

Apesar dos entraves e complicações decorrentes das variadas características actuais dos tecidos urbanos quando se encara a programação das suas requalificações e expansões ou se elabora qualquer planeamento de natureza urbanística há que manter bem viva nas mentes dos técnicos intervenientes, dos responsáveis dos diferentes poderes político-administrativos e dos cidadãos, a extrema importância de ser conseguida a aludida articulação das soluções de projecto dos novos espaços com as velhas áreas dos aglomerados existentes de modo a formar-se um conjunto harmonioso e, no mínimo, razoavelmente funcional.

Exactamente porque ao longo dos tempos os aglomerados populacionais foram crescendo desordenadamente e sendo delineadas vias rodoviárias que, satisfazendo ou não necessidades e regras construtivas segundo os padrões de exigência em cada época vigentes, é que a partir da segunda metade do século XX, com a exponencial progressão do tráfego motorizado se foi tomando consciência de quanto difícil era enquadrar as precárias e inadequadas infra-estruturas existentes com as modernas fórmulas urbanísticas impostas pela aceleração dos ritmos de crescimento. A que, na actualidade, se adicionam exigentes factores de maior valia técnica na prossecução dos objectivos de melhores condições de vivência no dia-a-dia das populações.

Aveiro é uma urbe antiga. E tal como outras de Portugal teve dificuldades na consolidação da sua área territorial. Até meados do século passado esteve confinada num perímetro urbano dir-se-ia algo limitado entre a Ria e a linha do caminho-de-ferro.

A partir do final da década dos anos sessenta de século XX iniciou a sua expansão. A elaboração do Plano de Urbanização do arquitecto Robert Auzelle foi o sinal decisivo para o arranque do progresso citadino. Vieram as administrações de Girão Pereira que deram efectividade a obras de construção de arruamentos e saneamento básico, abrindo frentes de edificação em vários sectores da cidade. Sucedeu-lhe na presidência da edilidade Alberto Souto de Miranda que desenvolveu uma política de progresso citadino a marcar uma profunda caracterização de uma renovada cidade.

Actualmente, dá para nos apercebermos que a geometria urbana da cidade aveirense era à época dos anos sessenta, como – infelizmente - ainda hoje continua a ser no conjunto de todo o seu perímetro urbano bastante complicada, mui concentrada, extraordinariamente sensível e algo restritiva - o que, sobremodo, induziu a intervenções menos felizes de que estamos sofrendo as consequências em diversos domínios. São aspectos notórios: a desordenação dos tráfegos; a má qualidade de vida; os altos níveis de poluição em certas vias citadinas; a desarmonia estética dos conjuntos habitacionais; a excessiva ocupação do solo com altos índices de edificações; a dificultosa mobilidade dos cidadãos; a pobreza franciscana dos traçados da malha viária; as deficiências das redes de saneamento básico (que deveriam ser fiáveis); a frágil segurança pública (indispensável por força das actuais condições de aumento da criminalidade).

Claro que estão por aí feitas infra-estruturas que deram outra fisionomia ao agregado aveirense. Diga-se que nem todas bem conseguidas e melhor estudadas ou executadas.

Damos alguns maus exemplos: arruamentos e avenidas com passeios de aproximadamente 1,50m de largura onde fizeram caldeiras de árvores a dificultarem a passagem de peões; rotundas com dimensões e traçados incríveis que não cumprem os requisitos de normal funcionamento a darem azo a acidentes; viadutos mal delineados nas avenidas 25 de Abril, 5 de Outubro e o da Esgueira (que aguarda correcção de perfis longitudinais nas ligações extremas); ruas construídas com incríveis perfis longitudinais de sucessivas concordâncias côncavas e convexas e inadmissíveis percentagens de inclinação numa urbe implantada em terrenos planos; pista de ciclistas ao longo do passeio central da Av. Lourenço Peixinho que a desfigurou, gratuitamente posta à disposição das moscas que, por sinal, até dela se afastam - mas que teve a consequência de induzir a rapaziada e alguns adultos (menos atentos aos perigos que potenciam) a circularem pelos passeios laterais da “avenida” e pelos das ruas Eng.º Oudinot e Dr. Alberto Souto (o que já deu oportunidades de acidentes com os peões).

Em matéria de prevaricações urbanísticas em Aveiro há outros registos a fazer. Por exemplo: existem na Av. Lourenço Peixinho alguns abortos sem extirpação à vista. Edifícios em total degradação que constituem um espectáculo de incúria e de mau gosto impressionante. De uns tantos se diz que por serem de arquitectura Arte-Nova são intocáveis. Quer-nos parecer que o assunto não está sendo bem ponderado. Em primeiro lugar a Av. Dr. Lourenço Peixinho é uma manta de retalhos na qual estão misturados vários estilos arquitectónicos e edifícios com cérceas diferentes. Um caos. Na “avenida” existem exemplares de Arte-Nova de duvidosa qualidade artística. Se havia que conservar alguma unidade de conjunto arquitectónico e conjugação harmoniosa de volumes, isso deveria ter sido prosseguido desde a primeira hora de construção daquela importante via urbana. Não o foi em devido tempo. Agora é uma aberração insistir na tecla de uma pretensa solução de fingimentos e postiços a contemplar um problema que é insanável. Acresce que nem se compreende o exagero dos pruridos de certos sectores da sociedade muito sensíveis à preservação de edificações de Arte-Nova pouco representativas da arte que muitos classificam de arte menor ou negligenciável e se aceitaram e continuam a aceitar os postiços que não são carne, nem são peixe como a desfiguradora e envidraçada gaiola que contem no seu interior a filial do Banco Banif. Para além da faceta desagradável de qualquer postiço arquitectónico acentue-se um aspecto que é frequentemente esquecido ou desprezado: qualquer fachada não é delineada por acaso. Ela é sempre uma consequência da planta, da concepção funcional e da distribuição do interior do edifício. Embora a nossa época tenha a matriz de generalizada hipocrisia e fingimento, confrange ver tantas excrescências fixadas em fachadas de impostura nada caracterizadoras de qualquer valor artístico e de correspondência com os equipamentos e utilizações dos seus interiores. Um total desajuste de visão estética, de objecto e de componente artística.

Aliás, demonstrem-nos onde está a peculiar representatividade história, a faceta artística de realçar, a parcela estética merecedora de destaque e a superior qualidade arquitectónica daquele “painel” do gaveto do restaurado edifício, sito à esquina do troço sul da Rua Eng.º Oudinot , frente à Av. Dr. Lourenço Peixinho – que dá a ideia de ter sido transportado de helicóptero e “estampado” sobre a parede?

Decerto que se aplaude a conservação do edifício da Estação da CP, a Capitania e a casa do major Pessoa. Imóveis de valor arquitectónico. Quanto aos exemplares de menor ou quase nula expressão da Arte-Nova haja bom senso. E tome-se a decisão acertada: camartelo sobre eles. O mais depressa possível.

É mau o espectáculo de degradação e abandono que proporcionam aos passantes. Não é justo que os respectivos proprietários estejam cerceados nos seus legítimos direitos de darem rentável aplicação ao seu património, por absurdo capricho de algumas personagens que se julgam iluminadas e donas da sapiência, quiçá guardiães de um espólio de coisa nenhuma.

A haver vontade de recolher em museu a recordação daquilo que foi em tempo mais ou menos recente, ou era em antigas épocas, um imóvel com alguma singularidade de estilo ou de risco, tirem-se fotos e guardem-se em sítio apropriado como aconteceu com as fotografias daquela que foi a ponte-praça, actual Praça Humberto Delgado.

E a propósito: Se fosse hoje aceitavam a demolição da velha ponte – um singular espécime de antiga obra de arte?