SARAIVADAS…
Ou as confissões do Arq.º Saraiva…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
Tema: SARAIVA, mais profundo que nunca:
No preciso momento… Mariza cantava…
o avião transportando… Cavaco aterrava…
01. Definindo SARAIVADAS
Após terem passado bastantes luas volto, sem promessa de regularidade - o que se deve ao facto de, nos tempos próximos, continuar muito ocupado em tarefas bastante absorventes - ao convívio dos leitores através da apresentação das SARAIVADAS. Estas peças, escritas em ordem analítica e em tom geralmente crítico, referem-se às crónicas da autoria do arquitecto-jornalista José António Saraiva, insertas no SOL e na revista TABU.
Uma vez que há longo tempo hei omitido a informação referente aos Saraivas com maior projecção social quero, agora, indicar que a nação portuguesa tem, entre o numeroso grupo de seus ilustres filhos, quatro Saraivas com lugar cativo na História. São eles: o célebre cardeal Saraiva; o professor doutor António José Saraiva, co-autor com o professor doutor Óscar Lopes da História da Literatura Portuguesa, importante obra de consulta indispensável para quem se interessa pela arte literária nacional; Dr. José Hermano Saraiva, extraordinário comunicador que se distinguiu em inúmeras intervenções e programas televisivos; e arquitecto José António Saraiva que, sendo filho do Prof. Doutor António e sobrinho do Dr. José, se vem creditando como um jornalista com singulares e importantes prestações na imprensa portuguesa.
Convém acentuar que as SARAIVADAS se limitam à consideração da escrita do arquitecto-jornalista José António Saraiva, sem quaisquer conotações com os outros Saraivas.
02. Após um longo interregno…
Nas últimas duas semanas, retomei o contacto com as produções do famoso arquitecto-jornalista, José António Saraiva. Verifico que ele se mantém igual a si próprio. Continua a escrever num português escorreito, o que no tempo actual - em que desde licenciados de direito, médicos, engenheiros, jornalistas, arquitectos, a ministros e até presidentes da República, fazem gala em falar mal e escrever pior o idioma pátrio - é caso raro a destacar e a enaltecer. Também nele persistem: a paradigmática confusão do seu espírito; as habituais contradições; e o preocupante pendor para a credulidade (repare-se na facilidade com que acedeu à entrega de um saco apresentado inopinadamente por um desconhecido no aeroporto de Lisboa, conforme é referido no texto “Um voo banal”, in Tabu, 30/7/2010). Além disto, a saraival criatura agrega a irresistível tendência para a atracção do abismo configurado no indecifrável, no enigma, no mistério, nas enunciações incompatíveis com a racional interpretação ao alcance do anónimo indígena.
Apesar dos aspectos incongruentes da escrita de José António Saraiva ou talvez por isso mesmo, já tinha alguma saudade de ler as suas prosas que, geralmente por serem estranhas, causam algum espanto ou perplexidade… Cumpre-me deixar expresso este registo. É que não devo ignorar ou guardar egoistamente só para mim a satisfação pessoal que delas recolho. Desde logo, o realce para a faceta aliciante da curiosidade, o interesse objectivo de lhes captar significações e o sentido perspectivo de nelas colher matéria de reflexão susceptível de enriquecimento pessoal; dado que as ditas proporcionam oportunas intervenções, facultam meios e induzem tempo de o leitor (que sou, atento e obrigado) exercitar o espírito crítico e de, correlativamente, cultivar a ironia. Sob este ângulo de apreciação e perante a bondade da oferta, estou grato ao jornalista José António Saraiva.
Claro que as considerações precedentes não têm nada a ver com qualquer ideia de acolhimento da afirmação autoconfiante formulada pelo arquitecto-jornalista de ser “a maior cabeça pensante deste país” ou de se imaginar candidato vitalício ao Prémio Nobel de Literatura. No entanto e verdadeiramente, se bem cuidarmos a intrínseca problemática e não ligando à configuração física da pessoa em questão, nem custa admitir que tenha a maior cabeça pensante, desde que, com afoiteza, se acredite que, eventualmente, poderá vir a ser classificada em 1.º lugar num qualquer concurso televisivo do tipo daquele promovido pela Maria Elisa, que elegeu Salazar como o maior estadista português. Sobra a circunstância de o conhecido jornalista ser uma fonte inesgotável de pensamentos vários, por mais desencontrados que sejam e deles dar vasta reprodução em letra de forma. Assim, com base nos factores quantidade e diversidade, seria possível a consagração de José António Saraiva como a maior cabeça pensante de Portugal. Que não realmente pensador.
Fixemos: José António Saraiva não é pessoa que reflicta sistematicamente com sageza e profundidade as grandes questões filosóficas, sociais, políticas, económicas, culturais, que se colocam às sociedades, na sucessão dos tempos. Nem sequer exercita a reflexão dos temas na forma tentada, minimalista. Porquê? Por uma simples e pertinente razão: ele não tem um pensamento estruturado. Profundo. Coerente. Substantivo. Fenece-lhe a essência das coisas e do ser. Carece-lhe a doutrina. Sobremaneira, falta-lhe conteúdo filosófico, provavelmente por insuficiência de estudos de Humanidades (Filosofia) na sua formação académica em Arquitectura. Daqui resulta que o discurso do respeitável cidadão José António Saraiva é irreflexivo, vago, inconsistente, casuístico, superficial, contraditório, inconsequente. Absolutamente nulo porque não exprime nada.
Este aparte tem cabimento visto que não invalida outras suas reconhecidas capacidades e porque, como referi, José António Saraiva já tem lugar assegurado na História pela sua meritória actividade jornalística e não precisa de outros hipotéticos louros que lhe tragam mais achegas, de todo desnecessárias para lhe conferir a glória póstuma.
03. Analisando “Um voo banal”…
A crónica “Um voo banal” inserta na revista Tabu, de 30 de Julho de 2010, é bastante elucidativa quanto às características da escrita de José António Saraiva. Começa logo no desacerto do título. É que pelo que se depreende da descrição do voo de Lisboa para Luanda que Saraiva teria efectuado, o mesmo terá sido fora do comum. Pelas circunstâncias e peripécias logo iniciadas a quando do embarque; pela presença da distinta personalidade, Mariza, envolvida na troca do lugar junto à janela, tão ansiado pelo passageiro Saraiva; pelo insólito sono do passageiro do lado que bastante o irritou e impediu de dormir; pela inesquecível proeza desse “fulano” ter aberto um olho e não dois, o que não passou despercebido à perspicácia do conceituado jornalista. Em contraposição e por irritante contrariedade, aconteceu a absurda e muito frustrante circunstância de o seu espírito de observação ter ficado irremediavelmente comprometido pela desatenção que o levou a confessar: “julgo que até ao fim da viagem (de sete horas) o fulano não mais acordou”. Caso para os leitores se interrogarem: Julga? Para onde estava a olhar o Saraiva e por onde pairava a sua cabeça que nem desse importante pormenor se deu conta durante as sete horas da viagem. É certo que ainda teve tempo para cogitar que “o homem em Lisboa não devia ter ido à cama”; mas isso nem admira porque José António Saraiva, a todos os instantes, em quaisquer situações e lugares, está sempre a pensar... Para mais embaraçar o leitor, deixando-o na dúvida, Saraiva dá relato de que “o fulano preferiu frango – aliás como eu (confessa ingenuamente) – que no entanto, pela cor, parecia ser peru”. E qual era o sabor?... Fica-se aguardando a indicação que inexplicavelmente falhou no texto…
Depois, o articulista Saraiva informa que “o fulano” imediatamente à acção de abrir um olho adormeceu e deixou “o garfo de plástico enfiado na perna do frango”. E se o garfo tivesse sido enfiado na perna do famoso jornalista? Um caso de sorte benfazeja para Saraiva... que lhe não terá despertado regozijo… O que surpreende…
A crónica ainda regista outras ocorrências que só servem para ilustrar que o voo reportado não foi banal, mas sim cheio de casos que não se enquadraram na rotina das viagens de José António Saraiva entre Lisboa e Luanda ou vice-versa; a tal ponto invulgar que eles lhe suscitaram matéria para um extenso relato jornalístico. Daqui se poder concluir que o título peca por desajustado à descrição dos factos.
A peça escrita de Saraiva termina com uma misteriosa referência, caída de pára-quedas no cantinho final: “Entretanto, no preciso momento em que Mariza cantava A Nossa Terra, o avião transportando Cavaco Silva aterrava no aeroporto de Luanda”. Esta tirada é um enigma. O que encerra ou subentende? Como decifrá-lo? Quais os significados: Do preciso momento? Da Mariza cantar A Nossa Terra? Logo naquele preciso momento? O avião transportando Cavaco Silva? E se transportasse o Chico Fadista? E o facto de aterrar em Luanda? No preciso momento em que a Mariza cantava? Nada mais, nem menos que A Nossa Terra? Qual A Nossa Terra? A terra de Saraiva? A terra dos angolanos? De nós, portugueses? Ou a terra da Mariza? Que terra é a da Mariza? O que haverá aqui de mistério, de bruxaria, de coincidências significativas, de ilações, de manifestações esotéricas, de vantagens, de prejuízos, ou de complicações mais ou menos encobertas? E o que tudo isso interessa aos leitores da Tabu?
Por último, a intrigante ubiquidade do arquitecto-jornalista Saraiva: ele estava, entusiasmadíssimo, em pessoa física no Estádio dos Coqueiros a ouvir o canto de sereia da Mariza, no preciso momento em que Cavaco Silva desembarcava no aeroporto de Luanda; porém, em simultâneo, terá cronometrado ou pessoalmente assistido à recepção ao presidente português. Uma ocorrência fascinante!... Ela, também, com o seu quê de misteriosa…
Porventura, em consonância com a tal predeterminada “maior cabeça pensante” multifacetada do Portugal menos profundo, todo ele configurado no castiço brejo da alfacinha cidade…
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