À lareira, cogitando…
A “DONA GRAMÁTICA”
IMPÕE-SE E DISPÕE-SE…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana.blogspot.com
A criatura que acorre ao chamamento pelo nome de GRAMÁTICA e, aqui, aparece adornada com a forma cortês de tratamento Dona, é de índole portuguesa. Goza da prerrogativa de ser muito conhecida e respeitada em Portugal e no mundo dos indivíduos, de algum modo, ligado à nação portuguesa e aos portugueses dos diversos lugares e dos mais variados e circunstanciais tempos de antanho e, ainda, das épocas mais recentes.
A digna senhora, gerada, crescida e apadrinhada no seio de numerosa e dispersa família que, deveras, a estimava, chegou aos nossos dias em grande forma física e não menor excelência de estado da alma. Ela, de aspecto austero, mas sempre mostrando-se acessível ou predisposta ao convívio com novos e velhos, sem distinções de classes, de raças, de credos e de sexos, aí está vigorosa e devidamente alinhada com as conveniências da vida social. O aspecto físico denota que não lhe pesam os anos. Dela se conhece a propensão para evoluir naturalmente ao compasso do tempo e para bem tratar as palavras e, através delas, tonificar a raiz do pensamento - o que, diga-se, é uma sublime tarefa. Aliás, em consonância com uma elevada forma de viver em sociedade.
Trata-se de uma magnífica figura que infunde respeito, veneração e à qual se confere o direito a reconhecimento público e veneração particular explícita face ao público ou acomodada no imo de cada um dos admiradores; porquanto, todos dela colhem ensinamentos e orientações tão necessárias e aplicáveis na vida da sociedade e, particularmente, no curso de existência do vulgar cidadão.
È interessante notar que ela se apresenta, à vista desarmada, saudável, bem nutrida, robusta, mui retocada e bastante guarnecida com adereços no vestuário; os quais, em vez de lhe darem um aspecto de burlesco espavento, pelo contrário, lhe conferem alguma graciosidade. Quando a famosa dama é observada mais de perto e tocada com todos os devidos, requintados, marcadores - o melhor jeito, a mais pura das intenções e a imprescindível solicitude - por qualquer indígena, é inevitável que o felizardo observador (mui diligente e… astuto tocador) fica sensibilizado com as suas harmoniosas e delicadas formas.
Particularidade ímpar da sua rica personalidade é a de ser muito culta, dir-se-ia que enciclopédica. Neste ponto, convém sublinhar que é especializada nas matérias que se consubstanciam na sua pessoa. Talvez por isso, jamais a acusaram de ter algo na manga. É que está tudo à vista - esteja esta, ingenuamente, desarmada ou acintosamente armada com preconceitos e aversões de melhor ou pior espécie…
Daí, que personalidades notáveis da história pátria lhe tenham prestado homenagem, companheirismo e amizade. Têm sido muitas e torna-se impraticável enumerá-las neste despretensioso texto. Até para não ferir susceptibilidades de pessoas vivas e desvalorizar, por omissão, as memórias de tantas que, com raro sentido de oportunidade, da lei da morte se libertaram.
Sabe-se que, às vezes, a conhecida senhora é agradável companhia em serões de província, vigílias de estudantes de menores ou maiores idades em várias localidades do País e nos desencontros de afidalgados cavalheiros e de altivas e esforçadas damas em selectos ambientes encenados nos palacetes da média burguesia e nos palácios da alta aristocracia de Lisboa, Porto e Coimbra; nos quais são utilizados os ensinamentos de adequada linguagem fornecidos pelo prestável ser aqui posto em evidência – mesmo que ele não esteja presente fisicamente nos diferentes lugares enumerados.
Também de assinalar o facto de, a insigne criatura, saber dar-se ao respeito. O que certamente, decorre da sageza, acumulada ao longo dos anos, que evidencia e do prestígio alcançado. Outrossim, da grande disponibilidade para a consulta dos pacientes que sofrem do mal da ignorância e dos atropelos da linguagem (seja ela, falada ou escrita). Claro que a mesma senhora dona, da nossa comum estimação, está sempre aberta ao diálogo. E aqui damos realce à circunstância, não despicienda, de ela ser senhora muito virtuosa. Não se lhe conhecem erros. Só se lhe apontam ligeiros pecados: o da gula das palavras, um fraquinho pelos acentos tónicos, a desconfiança face às esdrúxulas, a repulsa pelos tremas, a extrema ternura pelos verbos, a invulgar amizade pelas irmãs gémeas fonética e fonologia, a especial adoração pela morfologia e a irreprimível paixão pela sintaxe. Mas mesmo estes “pecadilhos” são admitidos com rejeição das indulgências papais… Mais: eles são, igualmente, de forma benévola, considerados pelos veneráveis sacerdotes, pelos conscientes discípulos e pelos fiéis admiradores e beneficiários dos créditos facultados pelo augusto ser, como virtudes de alto valor didáctico e com qualidade científica de inestimável importância. É altura de dizer que os aludidos sacerdotes oficiam nos modernos templos do SABER especialmente vocacionados para o culto de Ser aqui contemplado com todo o carinho: as escolas dos diferentes graus de ensino (excluindo, obviamente, as escolas de samba…).
Em todo o caso, registe-se que apesar da idoneidade moral, dos elevados padrões de qualidade e de sabedoria concentrados na sua pessoa, da utilidade que decorre da sua existência e da prestimosa missão que se impôs a si própria, a respeitável senhora é, frequentemente, agredida sem dó, nem piedade, por gente de má língua. Os malfeitores adoptaram um procedimento único de ofensa: o pontapé. É vulgar ouvir-se dizer: “o tipo (ou a tipa) deu um pontapé na Gramática”. Tais actos ofensivos, por vezes, são extremamente violentos. Demasiado obscenos. Quem não se lembra de um desses pontapés desferido por um antigo governante conhecido pelo nome de o Sr. Coelhone? Pois é… Aqui, tocamos na ferida. São os governantes que enfileiram no grupo formado por desordeiros verbais e malfeitores da escrita, que mais agridem a senhora, quando deviam respeitá-la com determinação e, assim, constituírem exemplo para os indígenas. O mesmo se poderá afirmar relativamente aos jornais, às rádios e, sobretudo, às televisões, que a todas as horas a ofendem com descaro e sem vergonha.
À vontade de Deus sujeita e com o apoio de qualificados homens e distintas mulheres ela, “DONA GRAMÁTICA” - sendo um ente superior e impoluto – mostra, através da grandeza da posição a que se alcandorou com sapiência e rectidão, que ninguém consegue macular a sua genética pureza.
Finalmente, damos referência que a “DONA GRAMÁTICA” tem uma nobilíssima ambição: pôr toda a gente portuguesa e do mundo lusíada, a falar e escrever correctamente a Língua Portuguesa.
Também por isso, em casa, fora do lar, nas ruas, nos palácios da governança, nas assembleias dos repúblicos, em toda a parte onde pulsar um coração luso: Honra lhe seja feita! Todas as homenagens lhe sejam prestadas!
P.S. – Dir-me-ão: Mas há gente que não gosta de Dona Gramática.
É verdade! Paciência! Existem gostos para todos os desgostos…
Por exemplo: Há pessoas que vivem durante muitos anos em mancebia com a Dona Ignorância…
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