Há 3 anos
JOÃO SEMANA
A FIGURA LITERÁRIA
E A FIGURA POLÍTICA
Muitos de nós – e não na quantidade de cidadãos que fosse de vanglória do nível cultural da população portuguesa – conhecemos a figura do bom samaritano, João Semana, retratado pelo escritor Júlio Dinis.
Era um médico que a cavalo percorria as aldeias tratando os enfermos com carinho e benevolência e deles recolhendo a recompensa da gratidão. Deixava um rasto de esperança, de confiança e de amizade, por onde passava expondo os seus sentimentos de fraternidade. Marcou a sua época. Mantém-se o registo histórico. Ainda, neste tempo, brilha o mérito do retratista: Júlio Dinis.
Talvez por acaso e decorrência do pós-austeridade de péssima recordação para milhões de pessoas, surgiu em Portugal uma figura de compleição marcelina que parece estar seguindo as pisadas do famoso médico da província, João Semana. Mas se este era médico, recatado e gloriosamente provinciano, o actual João Semana que a qualquer e imprevista hora do dia nos faz visita em nossas casas sem ser solicitado (e muitos de nós, felizmente, sem estarmos sofredores de penosas maletas físicas e mentais), através das pantalhas das televisões que o estão sempre acompanhando, é alfacinha de gema, não se desloca montado a cavalo, visita (muito acompanhado para dar suficientemente nas vistas dos amigos e admiradores e compor o cenário do espectáculo), os doentes nas clínicas e hospitais, as crianças nas creches, os idosos nos lares da terceira idade; frequenta os mercados, feiras, arraiais, fábricas, oficinas, televisões, teatros, fundações, sessões mais ou menos solenes; de vez em quando é localizado no Palácio de Belém; transporta caixas de fruta nos grandes, pequenos, médios armazéns; distribui alegremente comidas, agasalhos, pelos indivíduos sem-abrigo; e em quaisquer lugares, ambientes, ocasiões propícias, faz surpreendente e profusa repartição de abraços e beijos, uns mais apertados e afectuosos que outros – o que é natural numa pessoa sensível.
Depreende-se que tais absorventes actividades do João Semana, nosso contemporâneo, o deixarão completamente derreado – talvez até mais combalido do que o velho João Semana quando, já de noite, regressava a casa. Todavia, no que toca ao João Semana de Lisboa, há que ponderar: a ele lhe gosta o que faz na rotina diária. E quem corre por gosto e por proveito mediático, está nas suas sete quintas e bem poderíamos dizer nas suas sete colinas lisbonenses…
Retrocedendo ao teor do segundo parágrafo e comparando as actividades do João Semana de Ovar e do João Semana de Lisboa é de questionar: Este João Semana marcará a sua época? Terá e manterá o registo histórico das suas façanhas? E haverá retratista que lhe pinte o impressionante - diríamos, maquiavélico - retrato?
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