Um texto sem tabus…
(Escrito em
30/06/2002. Agora aqui republicado na versão integral)
UM SOCO…
QUAL SOCO?
DEVERAS, UM
SUFOCO!...
Por
Brasilino Godinho
Eu não
conheço pessoalmente o João. Mas rezam as crónicas de bem e de maldizer que se trata
de um pinto (sem qualquer hipótese de chegar à identidade de galo), franzino,
ingénuo, talentoso jogador de futebol, rapaz esforçado, bom chefe de família e
amigo de peito do major Valentim Loureiro, célebre personagem do mundo da bola
e, como não podia deixar de ser associado, ilustre político.
Além disso,
que é muito, João Pinto, já usufruiu daquela condição que, segundo vi escrita in illo tempore, é necessária para o
anónimo indígena se poder considerar um bom português: ser do Benfica…
Como artista
da bola acusam-no de, às vezes, fazer teatro nos relvados do jogo da dita, o
que - para muitos conceituados especialistas de ambas as artes - é considerado
como uma indesculpável heresia. Aparte essa pretensa tendência de confundir
palcos de actuação, o famoso Pinto tem-se revelado um autêntico artista no
exercício das suas habilidades futebolísticas, de modo a merecer os aplausos
das multidões.
A culminar
uma época brilhante ao serviço do verde Sporting foi escolhido para integrar a
selecção nacional da modalidade, que representou Portugal no campeonato do
mundo realizado, em 2002, na Coreia do Sul e no Japão.
E foi nesta
competição mundial, precisamente, no jogo disputado pela equipa portuguesa com
a turma coreana que aconteceram coisas do arco-da-velha que estão a dar a volta
ao miolo de muita gente em Portugal e no estrangeiro.
Mas, afinal,
o que houve no desafio com a Coreia?
Se as
palavras podem expressar alguma coisa - e até ver, está por fazer prova em
contrário - adianto que na minha avaliação, da qual assumo inteira
responsabilidade, tudo o que ao caso diz respeito ou, emendando, tudo, neste
caso, a que falta ordem e algum respeito, se resume a um conjunto de grandes
equívocos…
Passo a
descrever o cenário e a referir os comparsas para, com a colaboração dos
leitores, chegarmos às interpretações ambíguas que estão em voga às escalas
nacional e mundial.
O jogo
decorria a meio campo. Num dado momento, eu vi - acreditem! – o João Pinto a
rodopiar, como se dançasse o "Bailinho da Madeira", em volta dos adversários,
à procura da bola que caprichava em fugir-lhe do alcance dos pés e da cabeça.
Pareceu-me algo estonteado (aqui, posso testemunhar que é fácil isso acontecer
a qualquer um, com a evocação das minhas experiências da juventude: sempre que
dançava as valsas de Strauss ficava meio tonto). Certamente, João Pinto
mostrava-se diligente e bem-intencionado. Apesar de evidenciar algum esforço de
contenção nas aborrecidas pausas a que o desenrolar do jogo obriga; instantes
depois, correspondendo ao chamamento de um colega que o incitava a ir à bola e
a mandar-lha, lançou-se em corrida desenfreada ao encontro do esférico. Então,
andava por ali perdido um coreano que de frente para a bola e enfeitiçado por
ela, não terá pressentido a aproximação, por detrás, do Pinto, nem entendido o
apelo desesperado que este, em transe de aproximação e perante a iminência do
choque, lhe gritava a pedir que se desviasse da trajectória que prosseguia.
Nas bancadas
em redor, de vermelho tingidas e no centro do campo das operações
futebolísticas, reinava a confusão, persistia o nervosismo, retumbava a
gritaria. Portanto, não é de estranhar que o nosso João, impossibilitado de
travar a corrida e, também ele, excitado e apressado em atingir o seu
objectivo, não se tenha dado conta que o adversário não compreendia a língua
portuguesa. Assim sendo, prescrito pelo destino, o João Pinto foi atropelar, em
queda não livre, o desprevenido jogador da equipa da Coreia do Sul.
Infelizmente,
como vivemos num "mundo cão", recheado de maldades e de segundas
intenções logo o árbitro, bastante perturbado, num cenário de muita chateação,
interpretou o acidente como manifestação de uma terceira intenção agressiva do
Pinto, talvez, como resultante de algumas desconexas quarta e quinta ideias
hostis (sabe-se lá o que passou por aquela cabeça…). Vai daí, o homem de negro
vestido, possesso, correu na direcção do jogador luso mostrando-lhe,
freneticamente, um cartão vermelho. Por sua vez, João Pinto em marcha rápida
foi encontrar-se com o sujeito. Nestas circunstâncias, o que se poderia
esperar?
É das leis
da Física que dois corpos em movimentos uniformemente acelerados, avançando um
contra outro, em rota de colisão, não podem suster-se repentinamente e muito
dificilmente escaparão ao fenómeno da atracção recíproca de duas porções
distintas de matéria corporal sujeitas às leis da cinemática e da relatividade
formulada por Einstein... Como era
inevitável, deu-se o acontecimento impetuoso.
Bem vista a
situação, o sr. Angel Sanchez, que agitava o cartão vermelho acima da cabeça,
num curtíssimo tempo, não tinha outra hipótese que não fosse a de oferecer o
corpo para amortecer o embate. Para o efeito, a simpática criatura das pampas,
inspirou fundo, fez peitaça como costumam fazer os moços de forcado portugueses
em arena de lide de touros e dilatou a barriga, tanto quanto lhe foi possível,
com o louvável - assaz prudente - tríplice propósito de reduzir a intensidade
da colisão, de aguentar a carga do frágil Pinto e de se manter de pé.
Melhor
apreciados os factos, João Pinto, no momento crucial, teve o reflexo
instantâneo, de génio clarividente, de esticar o braço direito - aquele que lhe
ofereceria maior segurança e confiança; e tendo, também, a extraordinária
perspicácia de prever as terríveis consequências que adviriam do "choque
elástico" para a integridade física do respeitável juiz da partida, achou
por bem encolher as garras (os dedos) afim de evitar que elas, se apontadas em
riste, pudessem - eventualmente - penetrar no tecido adiposo e perfurar o
estômago do seu opositor. Isto foi tanto mais surpreendente e muito de
enaltecer, porquanto o jovem português ainda terá sido empurrado. Com tal
empurrão multiplicou-se, em João Pinto, a força da inércia decorrente do
movimento do seu corpo impelido como se fosse um móvel em aceleração contínua.
Pois,
fechando a mão, o jogador João Pinto, a meu ver, executou uma das mais
escrupulosas jogadas da sua vida:
ele revelou extremo cuidado em oferecer uma maior superfície de impacto e
transformar o contacto físico com o árbitro argentino num efeito de pranchada
amortecedora - o que fez com assinalável êxito, logo comprovado pelo facto do
atingido, Angel Sanchez, não ter ido ao tapete de relva, posto KO, nem esboçado
um gesto de atroz sofrimento; o que seria suposto acontecer se, acaso, tivesse
havido um soco violento, intencional, desferido pelo português sobre uma das
partes mais sensíveis da morfologia humana, como é a que engloba estômago e
rins.
Claro, como
a água cristalina brotando da nascente das termas do Agroal, em noite de luar: João Pinto, no limite descontrolado
de variação da velocidade, com as mãos fechadas e o senhor da vestimenta negra,
pasmado, com o ventre distendido, facilitaram-se - mutuamente - a coisa
acontecida e conseguiram reduzir à expressão mais simples os danos físicos e
mentais. Ao que parece, ínfimos os físicos; ainda assim, grandes e
generalizados os de ordem psíquica.
Pormenor
importante: há fotografias que
comprovam a minha tese, acima exposta. Nomeadamente, foi publicada uma foto
onde se vê a mão fechada de João encostada ao abdómen de Angel e, sublinhe-se,
em posição estática a indiciar um apoio sustentado contra uma eventual queda do
antagonista. E como não se registou trambolhão, nem grito ou nítido esgar de
dor da parte do árbitro do jogo e porque tudo se passou em velocidade
alucinante, assinalo quanto foi notável a rapidez de reflexos do jogador
português e, obviamente, concluo que houve benefício físico para a suposta
vítima (Angel Sanchez), recolhido no gesto providencial de João Pinto. Mentes
perturbadas não o entenderam, nem souberam sobrepujar as falsas aparências
impressas numa película…
Por regra e
como no caso em apreço, as leituras não podem, nem devem, ser apressadas e
demasiado superficiais. Aqui, nesta questão fulcral, tem o maior cabimento o
estudo, a análise e a aplicabilidade dos princípios da Relatividade do
Conhecimento; segundo os quais aquelas dependem da constituição da mente do ser
que conhece ou que as mesmas se formalizam através de uma variável, consoante o
termo que se interpõe com a coisa a conhecer.
Se não se
atentar com espírito de abertura e ânimo perscrutador no objecto e no
significado do que está à vista e aqui fica explícito, certamente que nunca se
chegará a conclusões plausíveis sobre a matéria em causa. O que constituirá um
mau precedente. E mais complicado será, no futuro, apreciarem-se situações
análogas.
É que,
entretanto, pega a moda dos sumários processos de intenções e qualquer dia - só
para dar um exemplo do exagero a que se poderá chegar - sempre que o Dr.
Francisco Balsemão, conhecido dono da "SIC"
e do semanário "Expresso",
aparecer nas entrevistas, na sua pose habitual, com os membros superiores
dobrados em L, a falar à cadência dos gestos das mãos semicerradas, colocadas
ao nível da cintura, com os dedos encurvados, haverá indivíduos que, a seguir,
vão clamar que o respeitado cidadão tentou fazer manguitos ou terá feito alguns
gestos obscenos para os interlocutores, senão para o público em geral. Meditem
nisto, senhores, falsos redentores da moral e dos bons costumes!
Aliás, não
foi por acaso que o jogador Pinto e outras pessoas responsáveis se dirigiram ao
árbitro Sanchez pedindo-lhe desculpas como mandam as boas regras da educação;
não fosse ele julgar que houvera agressão ou intento de magoá-lo. Ademais,
nestas situações, a parte mais fraca é sempre a mais vulnerável e a que mais
fica à mercê dos julgamentos precipitados, pelo que se justificou a iniciativa.
Face ao
exposto, perguntar-se-á: por que motivo o atleta luso correu para o homem do
apito? Porque, sem margem para dúvidas, o João Pinto não gosta da cor vermelha.
São histórias antigas com o Benfica. E não só…
Será fácil
perceber que o rapaz não se revendo, ao que consta, na qualidade de comunista
terá tido a impressão que o argentino lhe queria colocar o rótulo na testa.
Impressão induzida pelo facto de Angel Sanchez levantar o cartão vermelho à
altura da cabeça do jogador e o agitar constantemente como se dispusesse a fixá-lo
nela. Se admitirmos que ninguém gosta de ser classificado por aquilo que não é,
compreende-se o problema e a angústia de João Pinto ao ver-se guindado à
condição de "vermelho" e ao julgar-se confundido com os vermelhos
coreanos do norte comunista, da península coreana, perante milhões de pessoas
dispersas por todo o mundo civilizado.
Por outro
lado, o argentino, naturalmente desconhecedor da aversão do João Pinto à cor
vermelha, foi apanhado em contramão e, surpreso, ficou confuso, sem atinar com
toda aquela bagunçada. Depois, logo no local, transpareceu o incómodo do moço e
as tentativas de explicações dos homens de qualquer dos lados em confronto
(aparentemente, mais de ideias que de desforço) que, dadas as circunstâncias de
tensão e alarido prevalecentes, não chegaram a concretizar-se…
Deste modo
que descrevi, ficam assinalados vários equívocos que se geraram Outros
desacertos pertinentes se poderiam aduzir se esta crónica já não estivesse tão
longa; os quais tendo a ver com aquilo que se julgou ser a realidade das coisas
e a intencionalidade das atitudes de uns e de outros envolvidos na complexa
ocorrência. Geralmente, como no caso vertente, fazem-se apreciações a quente
sem se atentar em pormenores de primordial importância para bem se ajuizar o
que de mais profundo e substancial haverá que considerar…
Razão tinha
o major valentão, digo, o major Valentim quando afirmou com aquele vozeirão e
descontracção que se lhe conhecem que não tinha visto, a milhares de
quilómetros de distância, qualquer agressão ou inofensivo soco perpetrados pelo
João Pinto. E disse-o com certa autoridade que advém do facto de ser o
distanciamento que permite a descomprometida visão da perspectiva da paisagem;
e de esta constituir um factor decisivo para uma racional formalização da
análise que se impõe fazer sobre o objecto em causa, em referência ao horizonte
das coisas, face à ambiência dos meios físicos e relativamente aos parâmetros
dos eventos.
Claro, que a
interpretação dada àquele lance do jogo Coreia-Portugal por tudo que é
comunicação social em Portugal e no Mundo é primária, superficial, tendenciosa,
do género "Maria vai com as outras"… Também, desvirtuamento da minha
explicação dos factos. Esta, fixada no plano da subjectividade autossustentada.
Tanto uma como outra encaixando no espaço virtual, como hoje soe dizer-se…
Modéstia
excluída… por inconveniente oportunidade, ouso prever que esta minha
intervenção, ora lançada no centro da universal discussão, está condenada a ser
a que, com mais isenção, superior inocência e apurado colorido, pinta o quadro
do sucedido naquelas longínquas paragens do Extremo Oriente.
Enfim, que
esta singela iniciativa contribua para amainar a presente tempestade que, a
muita gente, dilacera a alma e oblitera a tola… Oxalá!
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