Há um ano publicado
BRASILINO GODINHO
246. Apontamento
24/Junho/2019
TRÊS
CASOS DA PRÁTICA
DO
ABSURDO E DO IRRACIONAL
Na sociedade portuguesa acontece que muitas pessoas
habituaram-se a falar sem se aperceberem da vacuidade, do absurdo e da
irracionalidade, das expressões que usam na sua linguagem. É uma realidade que
chega a ser confrangedora. E casos há de comunicação oral e transmissão escrita
que se tornam insuportáveis de ouvir ou de ler, devido à persistente insistência
dos mesmos – apesar das advertências correctoras que, por vezes, são efectuadas
publicamente por gente disposta a prestar esse serviço cívico.
A conversar e a ler nos entendemos ou discordamos.
Será pois de interesse mui abrangente no seio da comunidade, que se pratique
uma linguagem correcta e racional na sua formulação coloquial, na exposição
discursiva e na elaboração literária.
Aqui e agora, trato de três casos do mau uso de fraseado
que é de interpretação sem rigor e sem objectividade.
Primeiro caso: “Descanse em paz”.
É uma expressão de pesar muito usada quando a
pessoa comenta uma notícia de um falecimento.
Sempre que ouço ou leio tal disparate apetece-me
dizer: descansa, uma ova!
O descanso é coisa dos seres vivos. Aos mortos só
lhes está destinado o indevidamente chamado “descanso eterno” - a morte; com
todas as implicações de inanidade e de ausência de manifestações de vida que
esse estado comporta no defunto. E que por isso, também é uma designação
inadequada; a qual, existindo no léxico, não tem vera conexão semântica ou real
sentido.
Considerada a expressão no plano religioso ela per se releva de uma insanável
contradição. Se é desejado ao morto um descanso em paz subentende-se que ele se
situará no reino celestial onde, certamente, não haverá guerra e conflitos de
qualquer natureza e onde nem existirão questiúnculas e aversões entre quantos seres
existentes nos domínios do Senhor Deus, Divino Criador. E se no Céu prevalece a
paz celestial não tem qualquer cabimento desejar-se ao falecido o descanso em
paz. É um pouco como “chover no molhado” como diriam os brasileiros…
Pois, como anotamos, a contradição, se até
enquadrada no âmbito religioso, é por de mais evidente e repugnante a quem
preza o rigor e a seriedade em que se contempla a racionalidade exigível num
discurso sensato e objectivo.
Segundo caso: “Até amanhã se Deus quiser”
Esta expressão é frequentemente dita por mutas
pessoas em momentos de despedida de um encontro.
Desde logo, é desperta a questão: E se Deus não
quiser?
Por outro lado, o indivíduo religioso que deseja um
“Até amanhã se Deus quiser” expressa uma dúvida factual e uma redundância
incoerente com a sua fé religiosa. Então ele não acredita que a Deus cabe o dom
supremo de tudo decidir quaisquer que sejam as situações dos humanos.
Devia saber que é dado adquirido que o amanhã será
exclusiva decisão do Ser Supremo. Porquê o “se Deus quiser”? Ou julga que
consegue pressionar ou obrigar Deus a cumprir o que parecerá ser um seu
ridículo, patético e impositivo desejo?
Bem analisado este caso é sob o ponto de vista
religioso um aberrante desacerto linguístico e algo ofensivo quanto ao
sentimento religioso da fé e veneração de Deus.
Ainda há que apontar outro aspecto. Este
concernente aos cidadãos laicos. Para eles a equívoca fórmula religiosa de
despedida, aqui colocada em foco, é-lhes indiferente e, decerto, que nem terá
aplicação na sua linguagem corrente.
Como curiosidade assinalo que, em Portugal, temos
uma respeitável senhora locutora de Televisão que todos os dias, no seu
programa, termina a emissão dizendo “Até amanhã se Deus quiser”. Costumo
identificá-la como a “Senhora do amanhã se Deus quiser”. Já tive o cuidado de,
numa crónica, lhe recomendar que esteja em permanentes boas graças de Deus, não
vá ele um dia aborrecer-se com ela por lhe fazer tantas e repetidas, absurdas
recomendações.
Terceiro caso: “À última da hora”.
Esta expressão é repetida até à exaustão. Pela malta
e por altas personalidades da nossa Partidocracia.
Faço votos que haja apóstolos do Templo da
Sabedoria em Linguística Nacional que ensinem os pecadores do linguajar
português de que devem dizer e escrever: À ÚLTIMA HORA.
Fim
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