Catalunha 2 – Madrid 0
Depois da aplicação do art.º 155 que suspendeu a autonomia catalã e demitiu o seu Governo, um conhecido comentador português afiançava, definitivo, que os partidos pró-independência «já estão em minoria nas sondagens» e que Puigdemont seria rapidamente esquecido.Para este comentador, os independentistas, chefiados por um medíocre irresponsável que a história condenaria, Carles Puigdemont, tinham-se comportado como meninos malcriados – mas, depois de postos na ordem, iriam ser severamente punidos nas eleições pela maioria dos catalães.
E os que tinham participado inconscientemente na festa, cairiam em si e entrariam nos eixos.
Como se sabe, as eleições catalãs desmentiram o nosso comentador ponto por ponto: os partidos independentistas obtiveram a maioria absoluta e Puigdemont saiu com o prestígio reforçado.
O problema dos analistas portugueses é que nunca perceberam o separatismo na Catalunha. Analisam-no com a mesma sobranceria com que olham para outros separatismos noutros azimutes. Acharam que, vendo muitas empresas a fugir de Barcelona e o turismo a cair, a maioria silenciosa da Catalunha cerraria fileiras e votaria em massa contra a independência.
Além disso, entenderam que Puigdemont, depois da fuga para a Bélgica, seria visto pelos catalães como um ‘cobarde’, estando politicamente morto.
Acontece que o desejo de independência da Catalunha tem características únicas.
Não é de ontem nem de hoje, vem de há séculos; está profundamente enraizado em todas as classes sociais; nunca recorreu à violência, porque tem consciência da sua superioridade cultural e económica. Assim, é ridículo pensar que é possível resolvê-lo «de uma vez por todas», como às vezes se ouve.
Ainda por cima, Rajoy teve a péssima ideia de mandar uma verdadeira ‘força de ocupação’ para fazer cumprir a lei espanhola à bastonada – reforçando a convicção dos que veem em Madrid a capital de um poder repressivo.
A brutalidade da carga policial no dia do referendo, a suspensão do Governo eleito, a prisão dos governantes, fez irresistivelmente lembrar uma ação em território colonial.
Quanto a Puigdemont, os catalães nunca o viram como um aventureiro ou um fugitivo – mas sim como o corporizador de uma vontade funda e antiga.
Por isso, não o abandonaram.
Há quem diga agora que, com o resultado destas eleições, tudo voltou ao princípio – sendo que os independentistas até têm menos dois deputados.
Também aqui se enganam redondamente!
A grande, enorme diferença é que, antes da suspensão da autonomia, o Governo de Madrid tinha a bomba atómica para usar – o art.º 155 – e agora usou-a e não ganhou nada.
Pior: o grande derrotado das eleições foi ironicamente, o homem que as convocou. O homem que ordenou a carga policial e que suspendeu o Governo catalão.
Depois de demitir Santana Lopes, Jorge Sampaio dizia que, se as eleições o confirmassem como primeiro-ministro, teria de ser ele a sair do cargo.
Em boa verdade, Rajoy deveria ter feito o mesmo: levou os poderes ao limite e ouviu um rotundo não.
Inversamente, Puigdemont, que fugiu para Bruxelas para não ser preso, que disputou as eleições no exílio, surge como o 2.º político mais votado e o único que pode liderar o próximo Governo.
Condenação clara de Rajoy e apoio a Puigdemont – assim se resumem as eleições catalãs.
Poderia ter havido resultados políticos mais claros? Só quem não queira ver…
O outro grande derrotado das eleições foi a Justiça espanhola.
Meteu governantes na prisão, não os deixou sair para fazerem campanha, e eles foram premiados pelos eleitores.
É uma tremenda bofetada do eleitorado na Justiça madrilena.
Para concluir, é preciso dizer uma coisa óbvia: uma questão que não se resolveu em cinco séculos não vai resolver-se em semanas ou em meses ou nos próximos anos por obra e graça do Espírito Santo.
O sentimento de independência catalão vem do fundo dos tempos e da alma da região – e como dizia o poeta «não há machado que corte a raiz ao pensamento».
Os catalães têm uma língua própria (que já foi proibida e renasceu sempre), têm uma cultura própria, têm grandes artistas e pensadores, têm uma economia pujante, têm a maior equipa de futebol do mundo – e só lhes falta mesmo separarem-se de Madrid para serem independentes.
Madrid tem de perceber isto e tentar resolver o problema pelo diálogo – porque pela força já viu que não resolve.
O uso da força só agravará cada vez mais o problema, com o risco de acabar num banho de sangue.
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