Aqui exposto,
um importante documento
com profundo significado
e de grande actualidade.
Iniciativa
de Brasilino Godinho
A AMIGA DE PINOCHET
Decididamente, tenho cada
vez mais dificuldade em publicar textos meus nos jornais, e não será certamente
pelo facto de estar a escrever pior do que já escrevi - nem certamente pior do
que os artigos escritos com os pés publicados quase todos os dias nos jornais.
Poucas horas depois de
saber que Margaret Thatcher tinha morrido, escrevi, ontem, dia 8, o artigo que
a seguir reproduzo («NA MORTE DA AMIGA DE PINOCHET») e enviei-o, ainda ontem à
tarde à direcção do PÚBLICO solicitando a publicação.
Recebi hoje a resposta (não
interessa de quem) do seguinte teor:
«Caro Alfredo
Barroso: neste momento, excepcionalmente, tenho compromissos para publicação de
artigos extra praticamente todos os dias até terça-feira. Fica tarde de mais…».
Só
me resta, assim, enviá-lo aos amigos e conhecidos do costume, que constam das
listas (porventura desactualizadas por acção e por omissão) arquivadas no meu
computador, e publicá-lo na minha página do «facebook», onde não muito
apropriado afixar textos longos. Há certamente directores de jornais que
esfregarão as mãos de satisfação ao constatarem que estão a fechar-se todas as
portas a este «dissidente» politicamente incorrecto, incómodo e «impertinente».
Não sou crente mas apetece-me dizer-lhes: deus os guarde e lhes conceda muitos
«frutos» do trabalho tão «dedicado» que estão a fazer… Aqui vai, então, o meu
artigo:
NA MORTE DA AMIGA DE PINOCHET
por ALFREDO BARROSO
Morreu Margaret Thatcher, uma das
principais responsáveis pela contra-revolução neoliberal que há mais de 30 anos
vem devastando os regimes democráticos ocidentais, deformando a economia,
tornando as sociedades democráticas cada vez mais desiguais, destruindo a coesão
social, impondo o «casino da especulação monetária» e a ditadura dos mercados
financeiros globais que hoje mandam em nós.
Morreu, além disso, a amiga de Pinochet,
um dos ditadores mais sanguinários e corruptos da América Latina, que permitiu
que o Chile se tornasse banco de ensaio das políticas ultraliberais
preconizadas pela famigerada «escola de Chicago» e levadas a cabo pelos
«Chicago boys», apadrinhados por Milton Friedman e Friederich von Hayek,
figuras tutelares do pensamento de Margaret Thatcher, além da mercearia do
pai.
Não faço esta acusação de ânimo leve.
São factos conhecidos, designadamente a sua acendrada admiração por Augusto
Pinochet, como se projectasse nele aquilo que ela desejaria impor, mas nunca
conseguiria, na velha democracia inglesa. Há muitas fotos em que aparecem ambos
sorridentes, lado a lado, quer quando o ditador estava no poder, quer quando o
detiveram em Londres na sequência do pedido de extradição efectuado pelo juiz
espanhol Baltazar Garzon, que o acusou de ser responsável, durante a ditadura,
pelo assassínio e desaparecimento de vários cidadãos espanhóis.
Esta mulher a quem chamaram «dama de
ferro», como poderiam ter chamado «de zinco» ou «de chumbo», nutria um profundo
desprezo pelos grandes intelectuais ingleses do seu tempo, designadamente
Aldous Huxley, John Maynard Keynes, Bertrand Russell, Virgínia Woolf e T. S.
Eliot, conhecidos como o «círculo de Bloomsbury» (do nome do famoso bairro
londrino de editores e livreiros e de boémia intelectual). A frustração dela
perante o talento e a inteligência que irradiavam deles, e que ela não
conseguia captar, levaram-na a considerá-los «intelectuais estouvados, que
conduziram o Reino (Unido) pelos caminhos nada recomendáveis da segunda metade
do século XX». Ao diabo as «literatices» da «clique de Bloomsbury», dizia ela.
«O meu Bloomsbury foi Grantham» (onde o pai tinha a famosa mercearia) (…) Para
compreender a economia de mercado, não há melhor escola do que a mercearia da
esquina». Deve ser por isso que as mercearias estão a falir…
Thatcher considerava «a distância entre
ricos e pobres perfeitamente legítima» e proclamava «as virtudes da
desigualdade social» como motor da economia. A verdade dos números é, no
entanto, bastante diferente. Como salienta John Gray, um dos mais importantes
pensadores contemporâneos, na Grã-Bretanha da chamada «dama de ferro» os níveis
dos impostos e das despesas públicas eram tão ou mais altos, ao fim de 18 anos
de governos conservadores, do que quando os trabalhistas deixaram o poder, em
1979. Ao mesmo tempo, nos EUA de Ronald Reagan, co-autor da «contra-revolução
neoliberal», o mercado livre e desregulado destruiu a civilização de
capitalismo liberal baseada no New Deal de Roosevelt, em que assentou a
prosperidade do pós-guerra.
Convém dizer que John Gray, autor de
vários livros editados em português, entre os quais Falso Amanhecer (False
Dawn), chegou a ser uma das figuras dominantes do pensamento da chamada
«Nova Direita», que teve uma grande influência nas políticas que Thatcher pôs
em prática. Mas ficou desiludido e alarmado com as terríveis consequências
dessas políticas e tornou-se um dos críticos mais lúcidos e implacáveis dos
«mercados livres globais», cuja desregulação tem causado os efeitos mais
perversos nas sociedades contemporâneas, provocando a desintegração social e o
colapso de muitas economias. O capitalismo global parece funcionar, segundo
Gray, de acordo com as regras da selecção natural, destruindo e eliminando os
que não conseguem adaptar-se e recompensando, quase sempre de maneira desproporcionada,
os que se adaptam com sucesso. Estas são, logicamente, as inevitáveis
consequências do pensamento de Thatcher, ao pôr em prática «as virtudes da
desigualdade social» como motor da economia.
A pesada herança de Margaret Thatcher,
tal como a de Ronald Reagan - adoptadas não apenas pela direita ultraliberal,
mas também por uma certa esquerda neoliberal (Tony Blair, Gerhard Schröder e
alguns discípulos da Europa do Sul, designadamente lusitanos) - é esta crise
brutal em que a UE e os EUA estão mergulhados há já cinco anos. E o mais
terrível é que é o pensamento dos principais responsáveis por esta crise que
continua e prevalecer na maioria dos governos que prometem acabar com ela à
custa da austeridade, do empobrecimento dos cidadãos e do confisco dos seus
direitos sociais.
Lisboa,
8 de Abril de 2013
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