Ao
compasso do tempo…
E DAS TREVAS DO PATRIARCADO EMERGE
A BAÇA LUZ REFLECTIDA NO GOVERNO…
Brasilino Godinho
01.
Das trevas e da baça luz
Quem diria que dos reservados e não
expostos ao sol, aposentos do Paço de Santana, sito em Lisboa, surgiria, de supetão,
o intransparente fluxo radiante que dir-se-ia fadado para induzir brilho e
colorido de vistosos e atraentes tons naquele campo onde se situa a actual, desconchavada,
anómala, desconcertante, governação de Portugal?
Ontem, dia 12 de Outubro, por acaso
véspera do 13 de Maio, das grandes celebrações da Cova de Iria, aconteceu o
fenómeno - qual milagre, que não sendo de Fátima, nem do Entroncamento, foi do
Patriarcado de Lisboa.
Tal pretensiosa luminosidade sendo, já
de si, por sua natureza, frouxa e deficientemente modelada na sua textura
molecular e, obviamente, dirigida para um espaço coberto de névoa, cinzento,
demasiado sombrio, não trouxe ao debilitado executivo qualquer brilho à sua
imagem; qualquer achega a uma recuperação orgânica; sequer, incentivo à
melhoria funcional de tão inoperante, nefasta, estrutura da Administração
Pública.
Tratou-se de um evento que resultou num
fiasco completo: quer no plano formal e devaneio pessoal do protagonista; quer
no hipotético alcance de aliviar a pressão sobre os governantes; de lhes dar
alguma cobertura; e, também, de justificar as gravosas medidas de austeridade
que têm sido impostas com excessiva dureza e uma enorme falta de sensibilidade
pelo sofrimento dos cidadãos, tão barbaramente atingidos na dignidade e nos
direitos inerentes à cidadania.
O fenómeno configurou-se nas declarações
do Cardeal Patriarca de Lisboa prestadas aos jornalistas. Delas, decorreu uma
generalizada observação: a personalidade declarante ficou muito mal na
fotografia. E os governantes nem minimamente beneficiaram com opiniões tão
desajustadas à realidade da dramática situação que os portugueses estão
penosamente suportando. E disso vêm dando conta os meios de comunicação social
e as apreciações de inúmeras entidades.
02.
O que disse Sua Eminência
Tem
sido feita uma larga difusão das palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa e das
reacções que elas suscitaram. O que nos dispensa de grandes transcrições, até
para não alongar demasiado esta crónica. Portanto, far-se-ão breves registos:
01.
Desde logo, anota-se que o cardeal patriarca de Lisboa não teceu críticas ao
governo.
Um
facto que sendo raro, tem algo de milagroso - visto que “todo o mundo” julga
desfavoravelmente o executivo chefiado por Passos Coelho.
02.
Para ele, cardeal, “O que está a acontecer é uma corrosão da harmonia
democrática e do nosso sistema constitucional”.
Nossa
curiosidade: O que entende Sua Eminência por harmonia democrática? E harmonia
do sistema constitucional?
03.º
Diz que “Não se resolve nada contestando, indo para manifestações”.
Interrogamos:
E suportar agravos, calar injustiças, sofrer, passar fome, não aceder a
cuidados de saúde, perder o emprego, resolve alguma coisa? Haverá o colectivo
dos cidadãos simplesmente amochar?
04.º
Acrescenta: “A reacção colectiva a este momento nacional dá a ideia de que a
única coisa que se pretende é mudar o governo. Meus queridos amigos não sei se
é esse o caminho, nem tenho opinião a esse respeito”.
Observamos:
Uma vez que o governo tão mal governa, se revela incompetente e determinado a
arrastar o país para o abismo onde cabe a miséria de milhões de pessoas, a
destruição da classe média e a ruína da nação, é agora a inadiável altura de
demitir o governo e conferir posse a um governo de salvação nacional.
Também
assinalamos que o cardeal patriarca de Lisboa se está dirigindo aos amigos;
incógnitas criaturas que nem sabemos se são os governantes ou as pessoas que
lhe estão mais próximas por relações de amizade ou de natureza religiosa e
ideológica; quando seria suposto que se dirigia a todos os seus paroquianos. No
entanto, é uma expressão não usual em encontros com jornalistas.
Outrossim,
importa destacar que Sua Eminência não sabendo qual é “esse caminho”, nem tendo
“opinião a esse respeito”, não se absteve de emitir presunções e formular
juízos condenatórios das várias manifestações de protesto e de indignação que
têm acontecido por todo o território nacional. O que releva de contraditório e
de inconsequente no teor das suas declarações e na forma de expressar as suas
mui discutíveis opiniões.
05.
Adverte: “Sejamos objectivos e tenhamos esperança, porque penso, e há sinais
disso, que estes sacrifícios levarão a resultados positivos – não apenas para
nós, mas para a Europa”.
Atemo-nos
ao singular facto de o senhor cardeal pensar. Talvez seja esse o mal da pessoa
cardinalícia. Então ser objectivo é ter esperança? Qual a garantia da
objectividade assentar nela? E é porque o cardeal pensa que a objectividade vai
assentar nas consciências de todos nós, associada à sujeição impositiva da
esperança que, milagre proposto, “estes sacrifícios levarão a resultados
positivos”? Com a suprema benesse: “Não apenas para nós, mas para a Europa”?
Fértil imaginação. Prognóstico fascinante…
Só
que Sua Eminência esquece que inúmeros economistas fazem previsões com sentido
realista, coincidentes com todos os indicadores que vão em sentido contrário.
Até o próprio FMI coincide na previsão da continuidade do descalabro. Mais,
reconhecem o grande falhanço das medidas de austeridade.
06.
Termina com mais uma preciosidade(…) de linguagem inconsistente: “ Nós os
bispos temos de ser muito discretos. Não nos compete a nós pronunciar-nos sobre
situações concretas”.
Os
jornalistas insistem e perguntam se a situação não é demasiado grave para os
bispos ficarem em silêncio. O cardeal patriarca incorrendo numa contradição com
a frase anterior, respondeu:”Quem disse que vamos ficar em silêncio?” Ele! Sim, o próprio cardeal.
“Os
bispos têm de ser muito discretos”. Esta afirmação tem piada. Caso para se
colocar a questão: Sua Eminência, na circunstância em causa, terá sido
discreto?
“Não nos
compete pronunciar-nos sobre situações concretas”. Com esta frase o antístite
lisboeta, embora de um modo enviesado, acertou: pois as suas declarações
referem-se a um mundo virtual, sem correspondência com a realidade. De facto,
nem se pronunciou sobre a situação concreta de Portugal. O que terá sido uma
habilidade e uma fuga às responsabilidades inerentes à cidadania e às
implicações morais da alta função eclesiástica.
Tal
divagação no “discurso” da entidade cardinalícia é de imediato rejeitada
quando, respondendo aos jornalistas, lança no ar a pergunta: “Quem disse que
vamos ficar em silêncio?”. Esta interrogação subentende um propósito de
intervenção pública a acontecer no futuro; a qual, se formula em manifesta
contradição com a citada contestação aos pronunciamentos sobre as designadas
“situações concretas”.
Conclusão
a extrair: muito desastrada e confrangedora a intervenção pública do cardeal
patriarca de Lisboa; qual, incrivelmente generosa, descabida, excessiva, inteiramente
absurda, bênção do venerável D. José
Policarpo, aqui comentada.
Afinal: esta, a
bênção patriarcal que faltava para compor o tenebroso quadro da desgraça
nacional…
(Crónica escrita a13 de Maio de 2012)
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Página Principal