Caros leitores,
Aproveitando uma necessária pausa nos meus afazeres, acedi, agora, à minha caixa de correio electrónica. E deparei com uma crónica algo satírica, da minha autoria, escrita em Janeiro de 2007, encaminhada por uma pessoa amiga; à qual, vem junta uma pequena nota realçando a actualidade do tema (que, igualmente, assim entendo, embora já não contemplando a figura do ministro em funções à época).
Também, ultimamente envolvido com imperiosos cuidados de saúde, mais sensibilizado, neste momento, estou para a respectiva problemática: saúde, em sentido amplo, a qual, tão complicada está sendo neste país.
Por tudo isto acho oportuno trazer o tema à colação. Em anexo, envio o artigo aos meus fiéis leitores; assim retomando ocasionalmente um contacto há muito adiado.
Saudações cordiais.
Brasilino Godinho
Terça-feira, Janeiro 09, 2007
ESTÁ AÍ O ANO NOVO.
SAUDEMOS A INOVADORA UTILIZAÇÃO
DOS COMBOIOS DA CP…
Brasilino Godinho
Começamos por notar que na história mal contada dos recentes encerramentos das maternidades o Grande Engenheiro do Universo (há quem o designe por “Grande Arquitecto do Universo”) também ele soberbamente imprevisível e soberanamente “discreto”, terá decidido pôr a fortalecida mão por debaixo do conceituado indivíduo que não sendo menino, nem borracho, é aquele Grande Ministro que dir-se-ia ser dos campos da Saúde; o qual, ruborizado quanto baste, docemente, com angélica candura, a muitos e continuados esforços e solavancos nos vai empurrando, sem cerimónia, para venturosos espaços, onde gente da sua confiança e sob a sua batuta de improvisado regente de orquestra a tocar músicas que soam desafinadas aos ouvidos dos médicos, dos enfermeiros e dos doentes dos estabelecimentos hospitalares, se ocupa a destratar da saúde dos idosos, dos reformados, dos desfavorecidos e de todos os desgraçados indígenas que integram a classe média.
Então, não é que, por milagre ardilosamente concebido e de rápido manejo consumado, a função das maternidades que “nem facultavam as melhores condições de funcionamento”, tão-pouco facilidades de esterilização dos gérmenes deletérios e a disponibilidade de cuidados primários de higiene foi, em alternativa, substituída “vantajosamente” pelos voluntários e ocasionais serviços ambulatórios de geração espontânea prestados em automóveis particulares, ambulâncias dos bombeiros e, sobretudo, nas carruagens dos comboios da CP?
É verdade! Com a CP a disponibilizar, imprevistamente, nos comboios, pequenas áreas de operacionalidade obstétrica todos estamos de parabéns! Em primeiro lugar: O Grande Ministro da Doença e da Extinção do Indígena Desprotegido (termos mais apropriados à consignada Política de Retrocesso Maciço, em curso) rejubila e entra em folga de chatices dos protestos da malta ingrata, rebelde e inconformista, que se opõe à política de pôr termo às maternidades, rotuladas de infecto-contagiosas. Em segundo lugar: As parturientes que - circulando acamadas nas ambulâncias, estendidas ao comprido nos assentos dos carros ou confortavelmente sentadas nos bancos dos comboios e beneficiando das trepidações entremeadas de paragens e arranques dos veículos motorizados – entram, rapidamente em força, no trabalho de parto (o que até lhes pode atenuar o sofrimento). Em terceiro lugar: Os profanos, induzidos assistentes dos partos, num ápice enriquecem os seus conhecimentos ao depararem com as aulas práticas de obstetrícia - gratuitas, sublinhe-se!
Caso para alertar os médicos: Ponham-se a pau!... Bem se cuidem… Mas não se queixem! O ministro da Doença não gosta de queixumes. Embirra com isso. E, pragmático, não alinha nessa idiotice da saúde para todos. Nesta linha de pensamento, o ministro da Doença estará convicto que aos médicos cabe o papel de destratar da Saúde os cidadãos mais desfavorecidos, segundo os modernos preceitos da doutrina governamental… Acima de tudo importa reduzir drasticamente as despesas atinentes aos tratamentos e valorizar a conservação da doença por forma a gerar mecanismos biológicos auto-reguladores e mantê-los em funcionamento até ao limite de validade da vida do enfermo; cujo prazo será estabelecido através de normativo fixado numa portaria do Grande Ministro da Doença e da Extinção do Indígena Desprotegido.
Igualmente, há a impressão que quando o Grande Ministro da Doença e Extinção do Indígena Desprotegido é tentado por algumas incertezas sobre a validade dos conceitos em que assentam as teorias da sua hábil política e o cabimento das medidas que decreta, logo, de forma célere, recupera as ideias fixas que não lhe proporcionam descanso à inconformada mente. Tal recuperação desviante, porquê? Porque o ânimo se lhe fortalece com o inebriante bálsamo que absorve do chefe socrático, quando este, com falinhas mansas ou voz estridente, esforçando-se por imitar os balidos de inocente cordeiro pascal, exige os maiores sacrifícios a todos os portugueses. Ao ministro da Doença, nessas alturas, provavelmente, nem lhe desagrada, de todo, que alguns espertalhaços bem fornecidos do vil metal se esquivem à exigência.
Considerando noutra perspectiva economicista: as despesas com os serviços dos partos até se reduzem. Simplesmente, tendo lugar nos comboios, podem corresponder ao preço do bilhete da viagem. Note-se que também é de prever que, no futuro, com o aperfeiçoamento do sistema, as parturientes sigam directamente da próxima estação da CP para os seus domicílios, sem passagem pelas urgências dos hospitais. Aliás, - repare-se no nosso descuido… - esses serviços de necessidades imediatas, perderam-se… abocanhados pelos maus espíritos e destruídos pela fúria dos elementos que se empenham na formação em Portugal do GRANDE PARAÍSO DOS BEM INSTALADOS NA VIDA… Esclareça-se: Com natural exclusão ou eliminação dos indesejáveis…
Para além disso, estas ocorrências nas carruagens dos comboios, têm o enquadramento de boas condições ambientais em esplêndido e arejado cenário, que não sendo intimista é, geralmente, composto e enriquecido com a presença de curiosos que, ou prestam a necessária assistência à parturiente ou se limitam a assistir enternecidos ao fantástico espectáculo do nascimento, em glória, de um ser que, pela graça do Grande Ministro da Doença e da Extinção do Indígena Desprotegido e o altíssimo patrocínio do Grande Engenheiro (ou Arquitecto?) do Universo, veio ao mundo são e salvo. Excepto naqueles fatídicos casos em que o resultado equivale a providencial ajuda ao Grande (des)Governo que agradece à divina entidade, Grande Engenheiro do Universo, a mercê de se ver livre de mais uma boca a alimentar; factor que - atendendo à sujeição de cada vez mais importarmos aquilo que comemos - pesará favoravelmente na balança comercial do país a braços com o défice do comércio externo. Com outra vantagem adicional: porque quase não havendo agricultura nacional também nem são necessários mais campesinos para trabalhar a terra. Além disso, os reclamantes e indignados são muitos e ao Grande Governo do Faz-de-Conta não interessa o aumento do número dos párias e dos desiludidos. Logo, cada vida que se vá desta para melhor pousar no outro mundo etéreo, concretiza uma dádiva aos Grandes Governantes que ficam mais aliviados de preocupações e trabalhos. É nestes alívios que o Grande (des)Governo se revê em comodidade, sossego, eficácia, prosperidade e afirmação do seu poder...
Face a esta nova modalidade de maternidades ambulantes espontâneas que vão funcionar nas estradas, nas ruas e nas linhas dos caminhos de ferro deste país há, igualmente, que saudar o Grande Ministro da Doença e da Extinção do Indígena Desprotegido pela sorte de, inopinadamente, terem surgido as alternativas dos veículos locomóveis e, sobretudo, dos comboios, que asseguram as melhores condições funcionais às parturientes, associadas às eficientes assistências dos parteiros improvisados, disponíveis nas ocasiões dos partos. As mulheres envolvidas em trabalhos de parto, ficam irremediavelmente rendidas aos prazeres da comodidade e benefício dos tremeliques provocados pelas velocidades do equipamento móvel circulante. Já nem é preciso ir a Badajoz transferir a nacionalidade dos nascituros portugueses. Nestas circunstâncias, provou-se o acerto de um ditado popular a condizer com os resultados que vão surgindo. A seguir à tempestade da extinção das maternidades de modelo convencional vem a bonança das maternidades ambulatórias. Sim! É a evolução… da esperteza, que terá sido saloia e que hoje será o quê?
Nem se tratando de aplicação de lei do mercado, prevalece a lei da boa sobrevivência dos predestinados à bem-aventurança do “GRANDE PARAÍSO DOS BEM INSTALADOS NA VIDA” em que se vai transformar Portugal - conforme as sábias previsões dos nossos iluminados Grandes Ministros do não menos Grande (des)Governo de Portugal. Demais a mais, nesse sentido convergem os esforçados passos dados por essas excelentíssimas criaturas.
Atendendo à importância do facto, reveste-se de interesse assinalar que no p.p. dia 27 de Dezembro, na Linha do Norte, da CP, por alturas de Gaia, ocorreu o parto inaugural do novo sistema de maternidades ambulatórias de ocasião. Por aquilo que se deduz da pormenorizada reportagem inserta, com o devido relevo gráfico, na última página do “Jornal de Notícias”, edição de 28 de Dezembro de 2006, o feliz evento teve um êxito retumbante. Sucesso que deve ser considerado em abono da fantástica ideia do Grande Ministro da Doença e Extinção do Indígena Desprotegido. Outrossim, um marco a assinalar no currículo deste Grande Ministro. Porque serviu de comprovação da eficiência do novo sistema idealizado por Sua Excelência. Igualmente, um acontecimento que representará um extraordinário incentivo para a ministerial figura prosseguir com arreganho e firme determinação a sua tarefa… de poupar nessa coisa dos cuidados de saúde, antes prestados pelo Serviço Nacional de Saúde que o Grande Engenheiro do Universo haja e que, agora, é tida como supérflua e indesejável numa sociedade que se quer devidamente seleccionada e expurgada de idosos, desempregados, reformados, desfavorecidos, inválidos, deficientes, pobres, remediados, desalinhados – todos eles excrescências sociais… (os mendigos não se mencionam porque há dezenas de anos foram extintos por decreto de Oliveira Salazar…).
Pois, atentemos e reconheça o Grande Ministro da Doença que daqui para a frente, sempre que uma maternidade fechar, haverá uma janela ou porta de carruagem de comboio da CP que se abre.
Enfim, sejamos realistas. Fixemos a evidência indesmentível: Um parto num comboio da CP é:
- Uma solução barata para a parturiente…
- Um espectáculo grátis para o pagode…
- Um evento excitante e enternecedor…
- Uma hipótese, não desprezível, de fatalidade propensa à extinção das classes pobre e média e, consequentemente, à criação do GRANDE PARAÍSO DOS BEM INSTALADOS NA VIDA.
E, claro: a traduzir redução do Orçamento…
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