Em tempo do compasso…
OS MILAGRES DA ERA DE SÓCRATES (o português)…
Brasilino Godinho
http://quintalusitana,blogspot.com
Em tempo um pouco recuado, no período áureo do Estado Novo, sempre que em Portugal se registava qualquer fenómeno de natureza física no meio ambiente, dizia-se que era um milagre da natureza. Também era a época dos milagres da fé, geralmente associados ao culto mariano e centralizados
Agora, em pleno tempo do Sócrates português, estamos dando conta de que, seguindo a tendência da vulgarização que tudo nivela por baixo, os eventos milagrosos acontecem diariamente e ninguém lhes liga qualquer importância.
Há uma explicação para tão inquietante situação anómala. É que, na actualidade, os antigos milagres desapareceram. Emigraram. Foi um ar amaldiçoado que lhes deu. Coisa do mafarrico. Talvez se tenham fixado noutras galáxias. O espaço lusitano ficou vazio.
Para preencher o vácuo os entendidos da respectiva arte criaram os sucessores. Eles aí estão em força avassaladora. Precisamente, tão correntios que se podem considerar uma praga, pior que as dos gafanhotos vindos dos desertos de Marrocos e do Egipto. Sim, está a dar muito nas vistas uma nova espécie de milagres que (pasme-se!) por demasiado se terem vulgarizado, ninguém lhes dá importância, nem repara nos seus maléficos efeitos.
Quais são os milagres de nova geração? Exemplifiquemos.
Todos nos apercebemos que os grandes politiqueiros e governantes da nossa praça de armas políticas estão todos os dias a viajar pelo país e pelo estrangeiro. Não contentes com tais entretenimentos passam os intervalos a parodiar, sem nenhuma graça, para as televisões. A esta febril actividade de viajantes, regentes de claques e animadores de espectáculos, que se empenham em vender o conhecido produto da banha de cobra, correspondem vários milagres.
O primeiro facto inexplicável pelas leis da natureza e dos homens bem intencionados é o de - numa situação de penúria geral, de muita pobreza envergonhada, de altas taxas de desemprego, de fome sofrida por imensa gente, de degradação das actividades económicas e de enorme falta de moral por parte de bastante riqueza desavergonhada - o Orçamento do Estado e o Erário aguentarem (sabe-se lá de que jeito…) com tamanhas despesas relacionadas com viagens, festas, regabofes, ajudas de custo, benesses, acumulações de reformas milionárias e com as muitas mais do imenso rol que aqui fica omitido. Onde é que se vão arranjar tantos capitais? Alguém dirá: Aos bolsos dos pequenos e médios contribuintes. Certo! Mas estes, os sacrificados do costume, já “estão nas lonas” e de tanga. Não obstante, do alto da pirâmide hierárquica do Estado, as trombetas soam a convocar o povo. Logo seguidas dos modernos arautos das desgraças que gritam: Amocha, povo! E o povo amocha… outro milagre que se repete todos os dias e que deve ser incluído na contagem que estamos fazendo.
O segundo milagre tem a ver com o não cumprimento dos horários de serviço nos gabinetes. Desde logo, surge a interrogação: Como eles, fugidios governantes, podem bem gerir a Administração Pública, se andam sempre a passear envolvidos em práticas de turismo, de relações públicas e cuidando da alimentação assistida em luxuosos restaurantes e hotéis?
O terceiro é o grande milagre de terem sempre à cola equipas das televisões e dos jornais a reportarem as visitas. Há uma enorme curiosidade em saber como os jornalistas “adivinham”(…) todos os passos de suas excelências. O que intriga e faz pensar sobre o que fará correr tantos jornalistas atrás ou à frente de um político, por mais palhaço que ele possa ser nas suas representações para o público.
O quarto milagre é a inaudita (desumana - por que não referi-lo?) capacidade de improvisar pretextos para as deambulações e de nunca lhes faltarem matéria e palavras para as discursatas e entrevistas diárias.
O quinto, agora aqui mencionado, semelhante a tantos outros, foi anunciado há dias. Diz respeito ao famoso Cadilhe do PSD que, após escassos meses de exercício da presidência do falido BPN - Banco Português de Negócios, de Oliveira Costa, terá sido “posto no olho da rua” e, a título de compensação, mui bem “despachado” com a módica quantia de dez milhões de euros. Se, como tudo leva a crer, este “milagre” não teve a bênção divina de certeza, beneficiou da mãozinha do Diabo… O que mais uma vez vem confirmar que o Demo apadrinha os milagres da era socrática com a maior desenvoltura… o que corresponde ao descaro, grande empenho, de quem distribui e de quem recebe…
O sexto, deixa a malta estupefacta. Principalmente devido aos espectáculos mediáticos protagonizados pelo chefe do Governo. A criatura Sócrates viaja imenso e não consegue manter-se calada um instante se, acaso, tem um microfone à frente do nariz. Fala! Fala! Fala! Do antecessor, Guterres, de sua (des)graça, se disse que era uma “picareta falante”. Deste Sócrates se poderá dizer que é um zangão constantemente a zumbir à nossa volta e a molestar-nos os tímpanos.
Rectificamos: neste domínio socrático português não é um milagre. São três milagres: o da resistência física do sujeito, o da quantidade de discursos e das palavras proferidas durante um dia de digressão com várias actuações e o da paciência de alguns indígenas em o ouvirem sem ficarem zonzos das mioleiras…
A este ponto chegados, diremos que haveria muitos mais milagres a registar. Mas uma vez que citámos o chefe Sócrates e para terminarmos esta crónica em beleza socrática de matriz portuguesa, vale a pena referir que há dias ele disse algo bastante interessante a exprimir uma grande tirada do seu fecundo pensamento. De repente e assim como quem não quer dar ênfase ao assunto, Sócrates declarou que “os portugueses podem estar tranquilos”. É uma frase bonita. Agradável ao ouvido. Mas… segundo os seus hábitos, o Chefe não foi claro. E a frase presta-se a ambiguidades. Um truque muito em voga no circo político a que recorrem os respectivos artistas para não se comprometerem. Só que cá estamos nós para afiançar que sua excelência não matou dois coelhos com uma só cajadada. Verdadeiramente, Sócrates quis dar a impressão que falava para todos os portugueses vivos. Aparentemente, sim! Porém ele, que tem a escola completa (ao contrário do que dizem as más línguas), estava dirigindo-se aos vivos de aspecto e mortos de alma que se arrastam por aí com a cerviz dobrada em arco e aos mortos sepultados nos cemitérios. Tenhamos consciência que somente estes portugueses podem estar tranquilos, jazendo nas sepulturas. Estão em repouso absoluto. Não causam reboliço. Nem ao Chefe respondem à letra. Claro que o Sócrates, das nossas actuais desventuras, sabe disso… Ou, em oportuno tempo, ele não lhes tivesse “tratado da saúde”…
Esta “conversa” do Chefe Sócrates é bem elucidativa do cuidado que havemos de ter quando lhe escutamos as falas. O que se impõe para melhor descodificarmos as segundas, terceiras, quartas e outras mais intenções, do grande animador do folclore político nacional.
P. S. – Informo os fiéis leitores (sem excluir os infiéis…) que, por motivos de natureza pessoal, vou interromper a publicação das minhas crónicas durante as próximas quatro semanas.
Relevem-me o contratempo. Fico grato a todos, quantos… isso se permitirem.
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