BRASILINO
GODINHO
206.
APONTAMENTO
31
de Março de 2019
O INVULGAR E
GRANDE TABU PROFISSIONAL
DA
VIDA PROFISSIONAL
DE BRASILINO GODINHO
Introdução
A minha vida profissional
dilatou-se por 60 anos.
Teve início no ano de 1947,
três meses depois de ter finalizado o Curso Industrial de Serralharia Mecânica,
de cinco anos, ministrado na Escola Industrial e Comercial Jácome Ratton, de
Tomar, sem dúvida de alta valia escolar (mas que detestava por manifesta falta
de vocação para a componente profissional), e terminou em 2007.
O primeiro emprego como
desenhador de construção civil e de topografia foi no gabinete do Agente
Técnico de Engenharia, Armando Rebelo, na altura ocupado na elaboração de
projectos de caminhos municipais, do concelho de Vila de Rei. Passado um ano e
meio estava desempregado por se ter esgotado a encomenda dos projectos.
Entretanto, a título
precário, fui contratado por alguns meses para prestar serviço como desenhador
na Delegação de Castelo de Bode, da Comissão de Fiscalização dos Grandes
Aproveitamentos Hidro-Eléctricos, dependente da Direcção Geral dos Serviços
Hidráulicos, Ministério das Obras Públicas, chefiada pelo Engenheiro José
Manuel de Oliveira Nunes.
Após o que fiquei outra
vez no desemprego.
Na altura havia grande
dificuldade em arranjar emprego na cidade de Tomar. Por isso tomei a iniciativa
de requerer à Câmara Municipal de Tomar que me permitisse fazer um estágio
profissional na Secção de Engenharia, sem quaisquer encargos financeiros para o
orçamento camarário.
Deferida a pretensão,
realizei durante dois anos e meio um estágio profissional que, sem ter auferido
qualquer remuneração, constituiu uma experiência altamente enriquecedora; de
tal amplitude que sempre o considerei ter sido um grande investimento, profundamente
repercutido no meu futuro.
Investimento configurado:
- na minha formação
profissional como técnico aprendiz de construção civil, de topografia e de engenharia
civil;
- na atenta apreensão do
sistema e funcionamento do poder local;
- na aquisição de
experiências de vida e de conhecimentos em áreas que hoje posso correlacionar
com as ciências sociais.
Seguiu-se o emprego como
desenhador topográfico no gabinete da firma luso/suíça que construiu a Barragem
do Cabril, decorria o final do ano de 1951 – se não me falha a recordação.
Nele tive o privilégio de
conhecer e ter como superior hierárquico, um extraordinário cidadão, poliglota,
de rara envergadura cultural e técnica, mestre excepcional (a quem faltavam
apenas duas cadeiras para ter o diploma de Engenheiro) nos domínios da
Engenharia, da Topografia e da Matemática: Rui Gonçalves Lisboa. Aqui
citando-o, lhe estou prestando sentida homenagem e respeitando, com o maior
apreço, a sua memória.
É fácil intuir quanto
proveitoso foi para mim, o convívio diário de um técnico tão altamente
qualificado e a essa condição acrescentar a qualidade de pessoa de trato
afável.
No mês de Junho de 1953
concorri ao lugar de desenhador de 3.ªclasse da Direcção-Geral dos Serviços de
Urbanização, Ministério das Obras Públicas.
As provas práticas
decorreram no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Éramos uns cinquenta
concorrentes. Vários apresentando-se com instrumentos de grande aparato e
alardeando exuberantemente as suas magníficas aptidões profissionais exercitadas
nos badalados gabinetes de Arquitectura existentes em Lisboa.
Jovem de 21 anos, da
província, perante aquela ostentação e face a tanta gente, senti-me um pigmeu.
Entretanto, fomos introduzidos na vasta sala e fizemos as provas. Algum tempo
decorrido, ocorreu a publicação da lista classificativa. Fiquei em sexto lugar.
Em fins de Abril de 1954
recebi ofício da Direcção-Geral a perguntar se aceitava o lugar de Desenhador de
3.ª classe, na Direcção de Urbanização dos Açores, em Ponta Delgada. Aceitei,
de pronto. Embora empregado na Barragem do Cabril e ganhando razoavelmente,
preferi ir auferir mensalidade inferior, com vista a fixar residência numa
capital de distrito, na perspectiva de nela existirem melhores condições para
preparar o acesso à universidade.
Julgo que a 06 de Maio de
1954 tomei posse na Direcção-Geral, em Lisboa e no dia seguinte embarcava no
paquete Carvalho Araújo, rumo a Ponta Delgada. Já na condição de funcionário
tive, não obstante, de pagar a viagem à minha custa (assim, pelo Estado Novo,
eram tratados os funcionários) – não tendo sido, posteriormente, ressarcido da
despesa efectuada.
Cheguei a Ponta Delgada
na véspera do início da Festa do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Porventura, beneficiando
da providencial atenção do Senhor Santo Cristo dos Milagres e em Ponta Delgada,
edifício da Junta Geral, iniciei a minha carreira de funcionário público.
Nessa temporada açoriana
da minha existência aprofundei conhecimentos e experiências de variada
natureza. Destaco que com o director, Engenheiro Mário Ulisses da Costa
Valente, tive oportunidade de colaborar activamente na elaboração de projectos
de estradas de S. Miguel. Também tive ensejo de recolher dados relevantes do
funcionamento dos poderes local e regional que muito úteis me foram nos tempos
que se seguiram; nomeadamente na minha lida de escritor.
Permaneci em Ponta
Delgada até finais de Junho de 1956. Considero que foi um período muito
gratificante. Foi em Ponta Delgada que conheci e namorei a encantadora mulher
da minha vida: Luísa Maria Albernaz Tápia.
Regressei ao Continente,
transferido, a meu pedido, para a Direcção de Urbanização de Leiria.
E a 08 de Junho de 1957, casei
com a Luísa Maria Albernaz Tápia, na Basílica do Santuário de Fátima.
O casal Tápia Godinho
instalou residência em Leiria, onde nasceram os dois filhos.
Ao
serviço da Direcção de Urbanização de Leiria desencadeei uma intensa actividade
oficial e esforçada prática de projectista de engenharia rodoviária.
Paralelamente, a título particular, dei começo à realização de actividades de
projecto de obras públicas. Trabalhos sempre realizados fora do horário de
funcionamento da repartição. Sempre os trabalhos de campo, levados a efeito aos
fins-de-semana, dias santos e feriados. Por vezes, faltava ao serviço, ao
abrigo do célebre Artigo 4 (de uma lei que já não me lembro do número) daí
resultando que as faltas eram descontadas nas férias anuais, pelo que houve
anos em que as férias foram substancialmente reduzidas.
Enquanto
que as tarefas de gabinete foram, também, sempre executadas aos serões de todos
os dias da semana.
Vem a propósito, fazer um
parêntesis para acentuar que durante dezenas de anos mantive em paralelo - mas
separando as respectivas águas - intensas e absorventes actividades: quer oficiais,
quer particulares. Nunca por nunca ser, fiz qualquer pequenino trabalho particular
em horário do exercício da função oficial (o que, sobremodo, me sobrecarregava
o corpo e o espírito – como facilmente se compreenderá). Devo afirmar que tal
conduta me foi dando, permanentemente, a satisfação do dever cumprido. Mais,
ainda: a suprema – direi mesmo – a sublime autoridade para ser rigoroso na
apreciação crítica e rigorosa dos procedimentos irregulares de quantos, em
Portugal, se estão nas tintas para cumprirem elementares deveres cívicos e
obrigações de estatuto, de desempenho e (ou) de Estado.
Prática projectista que
devo enquadrar no detestável tabu que permaneceu imutável até ao último dia em que
exerci actividades no alargado âmbito da engenharia rodoviária e das infra-estruturas
urbanísticas.
Nota;
Todas as minhas crónicas ou simples textos são escritos com activo repúdio do
fantasiado novo acordo ortográfico de 1990.
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