APOLOGIA, CULTO E A PRÁTICA
DO FACILITISMO EM PORTUGAL
Brasilino Godinho
07/06/2022
Em Portugal para além das seitas maçónicas, dos grupos religiosos, dos clãs partidários, dos núcleos de admiradores do presidente Marcelo, das numerosas claques dos clubes ditos desportivos, das pequenas hostes que seguem fanaticamente o Chefe Cavaco Silva, o Coelho de Passos incertos e o beijoqueiro Paulinho de Portas abertas para muitas feiras e viagens turísticas, cresce um bando de seguidores de um novo culto que se assemelha a um agrupamento de fiéis devotos de uma também nova irmandade que professa a doutrina do facilitismo, sub-repticiamente introduzido na sociedade portuguesa.
Para já, um culto que conta com o proselitismo da locutora da Televisão (do “até amanhã, se Deus quiser”) que nos seis dias úteis de cada semana, qual sacerdotisa, apregoa que cada espectador deve acatar o seu apelo:
“Agarre sempre o lado mais positivo da sua vida para que tudo lhe possa parecer mais fácil”, diz a jornalista no momento em que se despede dos espectadores.
Para além da insólita recomendação que releva de inusitada missão de evangelização do incoerente culto, há que apontar a extrema dificuldade - do desprevenido indígena receptivo ao apelo - em encontrar o lado mais positivo da sua vida e conhecer-lhe tal caracterização. Desde logo, uma contradição insanável entre as dificuldades de localizar o lado mais positivo e o tudo, dele decorrente, para o mesmo lhe parecer mais fácil. Diga-se que um parecer bastante redutor e, de todo, frustrante e absurdo, com seu quê de patético. Como se a vida tivesse, forçosamente, de ser sempre mais fácil de suportar no decorrer do dia-a-dia.
A propósito, cito o meu caso pessoal. Se me orientasse pela doutrinação da senhora locutora da TV certamente que, aos 77 anos de idade, não teria iniciado o meu percurso de oito anos de vida universitária; ele, concluído com 15 valores na Licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas e Doutoramento em Estudos Culturais por decisão unânime do respectivo júri; pois que é fácil intuir terem sido cursos que, integralmente, completados sem recorrer a equivalências e com prestação de todas as provas de avaliação curricular, foram muito trabalhosos e sem recorrer a facilidades.
Portanto, disponho de autoridade moral e cumpro obrigação cívica para repudiar vivamente tal apologia das facilidades que tão nefastas têm sido para a nação portuguesa.
Infelizmente, cresce o número de nativos que se mostram obstinados fiéis cultores de múltiplas facilidades. Entre as mais destacadas figuras públicas que seguem esse incrível padrão de vida, destacam-se o presidente Marcelo, o primeiro-ministro Costa, os ministros, os repúblicos deputados, o cidadão Duarte Pio de Bragança e seus associados monárquicos.
Todos estão dando notório contributo para a disseminação do facilitismo.
O presidente Marcelo, sobremodo, facilita o exercício da função presidencial ao viajar diariamente por tudo que é sítio público, ao fotografar-se a todas as horas e instantes, ao falar constantemente face às câmaras dos jornalistas. Aliás, pouco se acomoda no Palácio de Belém. Porém, quando isso acontece, quase por mero acaso, permite-se a facilidade atinente aos actos de adornar com insígnias das ordens honoríficas os peitos valorosos dos futebolistas e actores do circo político, dos teatros de muitas comédias e do cinema.
Outrossim, impressionante a facilidade demonstrada na transformação das instalações palacianas de Belém em bares de espectáculos folclóricos e de esplanadas para amigos e compinchas petiscarem e assistirem às transmissões dos jogos de futebol.
Quanto ao primeiro-ministro Costa e seus ministros é um espanto como todos os dias viajam pelo país e estrangeiro sempre embalados na contemplação do umbigo e usando paleio de chacha, demasiado gasto a que pouca gente presta atenção.
Relativamente às facilidades que os repúblicos da Assembleia se concedem a si mesmos nem vale a pena “chover no molhado”.
Deveras engraçadas são as entrevistas da criatura Duarte Pio de Bragança que relevam da facilidade discursiva(…) com que se expressa emotivamente e risonho, prazenteiro, cofiando o bigode, nas entrevistas periódicas que concede aos jornalistas, convencido de que consegue reavivar na sociedade portuguesa a pequena chama mortiça do seu ideal monárquico, de triste, apagada e vil tristeza de que falava o imortal Luís de Camões.
Mais uma palavra para mencionar a facilidade com que a maioria da população portuguesa se vem confrontando e resignando com o percurso de decadência do País e as precárias condições de vida criadas pela desgovernação que tão gravemente se reflectem no fatídico colapso da sobrevivência de milhares de cidadãos.
Reflexa desse desvario colectivo são as facilidades que estão ao alcance do comércio expansionista das revistas de fofocas que proliferam em Portugal; as quais dão precisa ideia do atraso cultural, do culto de facilitismo e da prevalecente iliteracia de grande parte da população portuguesa.
Tomemos consciência que o apego ao fácil e ao superficial, incentivado pelos sacerdotes e sacerdotisas do respectivo culto que conservam assentos nas cadeiras/púlpitos das televisões, rádios, jornais e revistas, é inadmissível e deve ser combatido vigorosamente através de uma luta pertinaz e sem desfalecimentos.
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