23 Novembro 2011
Ao compasso do tempo…
Brasilino Godinho
FANTÁSTICO!!!
Um despacho incôngruo
com as leis da natureza…
Leiam! Apreciem!
01. Uma singular peça escrita
Despacho da senhora secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, há dias publicado no Diário da República:
Despacho n.º 15451/2011
1 — Nos termos do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio o licenciado António Hilário Tinoco de Almeida e Costa Vaz, técnico especialista da Rede Ferroviária Nacional – REFER, E. P. E., colaborador para realizar estudos no âmbito da sua especialidade.
2 — O nomeado é equiparado para efeitos de vencimento ao cargo de adjunto com despesas de representação, acrescido de 45 % deste montante, com percepção dos subsídios de férias, de Natal e de refeição.
3 — A nomeação produz efeitos a 1 de Novembro de 2011 e manter-se-á em vigor até à cessação das minhas funções, podendo ser revogada a todo o tempo.
2 de Novembro de 2011. — A Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças, Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque.
02. Um despacho paradigmático
Certamente que este despacho é um modelo… na concepção, na inoportunidade, no conteúdo, no mistério, e na adjunção.
A concepção
Terá sido decorrente de uma necessidade de acompanhamento e de assistência técnica de natureza ferroviária sentida pela senhora secretária de Estado. Porventura, tendo em mente providenciar a aceleração da velocidade das reformas a introduzir nas estruturas e nos comboios em circulação nas específicas áreas do Tesouro e das Finanças; os quais, provavelmente, marcham direccionados à famigerada crise. Ou, talvez, como precaução de natureza contabilística, socorrendo-se de um experto ferroviário da REFER a fim de evitar os descarrilamentos do Orçamento similares às crónicas derrapagens orçamentais das empresas de transportes ferroviários. Presume-se que terá sido uma iniciativa brilhante, desde que o especialista não desmereça da confiança que ora lhe é dada…
A inoportunidade
A data da nomeação do técnico especializado em vias férreas - segundo parece aos sofredores indígenas - ocorrendo em tempo de vacas esqueléticas, esfomeadas e sem pastos no campo, não é a mais indicada para o Estado contrair novos e surpreendentes encargos financeiros com os serviços ferroviários do novo funcionário. Todavia, dá-se o benefício da dúvida à ilustre senhora. Porque Sua Excelência certamente terá feito as contas e ponderado no prato da vistosa balança que ornamenta a Justiça, os custos e os ganhos para o Estado advindos da colaboração contratada por ajuste muito directo e chegado à estimável conclusão que valia a pena associar ao seu pessoal mister a componente ferroviária. Ousamos vaticinar que esta surpreendente mais valia (?...) ferroviária sempre representará um factor de inovação, modernidade e incentivo para Sua Excelência alcançar o esplendor mediático no seu agora assinalável e auspicioso desempenho como governante tecnicamente adjungida, muito expedita, bastante atenta, e deveras obrigada; o que é tanto mais credível porque beneficiando da previsível embalagem alcançada pela acrescida velocidade do comboio que irá prosseguindo viagem através da atraente paisagem financial, vulgarmente conhecida pelas designações de erário e tesouro público.
O conteúdo
Cinge-se a um objecto mui preciso. Assegurar os serviços de um técnico ferroviário que se encarregará de desenvolver estudos da sua área especializada com aplicação nas reservas do Tesouro e no atribulado percurso das Finanças – o que à primeira vista dá a entender que naquelas estações (do Tesouro e das Finanças, ali, ao Terreiro do Paço, à beira Tejo, instaladas) paira a ameaça de descarrilamento da composição e das respectivas carruagens; além disso acrescerá a circunstância de que as vias e as suas travessas não estão consolidadas, não são suficientemente seguras ou, simplesmente, nem oferecem confiança à chefe que comanda as operações. Ter-se-á desejado reparar as vias e facilitar as manobras de circulação das composições que, actualmente, dão (conforme as condições climatéricas e os humores dos maquinistas de serviço) livre, acelerado curso nuns casos ou vagaroso encaminhamento noutros, às massas monetárias…
O mistério
Ele impregna, melhor dizendo, fecunda o “Despacho”. Tal é conseguido com linear acomodação ao objecto enunciado. No bizarro documento, que mereceu as honras de ser publicado no Diário da República, não se vislumbram margens ou almofadas (é chique e está na moda citar estes sacos de cabeceira…) susceptíveis de iludir aquele obscuro aspecto; ou que sejam propensas à ignorância da sua intrínseca textura; sequer, permissíveis ao seu apagamento/branqueamento, conforme algum eventual e duvidoso expediente saneador ou segundo recomendada e generosa interpretação do seu respectivo contexto. Por tudo isto, entendam-se as considerações que fizemos no precedente parágrafo como meras conjecturas ou deduções que nos parecem ter razoável sentido de probabilidade ou, se quisermos mais rigor analítico, de objectividade…
Em abono da bondade da coisa… diga-se que ninguém percebe ou faz a mínima ideia da natureza dos estudos que o técnico ferroviário vai fazer no Ministério do Tesouro e das Finanças, ao abrigo do regalo de 45% de um montante que não é desvendado no documento e de subsídios de férias, de Natal (de Natal… quem diria?...) e de refeições. E, ainda, mais acomodado com as despesas de representação sobre as quais recai a suspeita de incidirem os referidos 45%.
A adjunção
Quanto a ela, hemos de entendê-la como a justaposição de uma especializada coisa - configurada na figura de “adjunto” ferroviário - à coisa que se configura na pessoa da senhora secretária de Estado; ou seja a aposição de uma coisa a outra, sem nada a separá-las. Aliás, como expressamente se explica no “Despacho”, a ligação é desde já assegurada pela autora do mesmo. Pois que ela é peremptória: “A nomeação produz efeitos a 1 de Novembro de 2011 e manter-se-á em vigor até à cessação das minhas funções, podendo ser revogada a todo o tempo”.
Assim reza o “Despacho”. Como se fora um casamento. Que tal como o Código Civil até admite o divórcio…
Aliás, assinale-se a conexão pessoal que é conferida ao despacho e que está definida na expressão “cessação das minhas funções”, a traduzir uma confusão de posições: a pessoal que foi assumida; a de Estado e de distanciamento formal que foi omitida e indevidamente substituída pela primeira mencionada. Afinal, estamos perante uma proximidade ou mistura desordenada; sobretudo, indesejável na esfera governativa.
Concluindo: assinale-se outro mistério: O exercício do técnico ferroviário e a elaboração dos seus previsíveis e importantes trabalhos de pesquisa e de projecto só têm cabimento enquanto a senhora secretária de Estado do Tesouro e das Finanças se mantiver no cargo. Quando ela sair, como que por encanto (ou desencanto?), deixam de se justificar os estudos do senhor “adjunto” ferroviário e, muito menos, a sua presença física nos salões do Ministério das Finanças. Qual a explicação de tão insólito enigma?
A partir de agora e face a essa hipótese, fica-nos um temor: Que então aconteça uma desgraça ferroviária no delicado e sensível campo financial da desgovernação portuguesa…
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