480. Apontamento
Brasilino Godinho
15/Agosto/2020
MAIS UMA “PRECIOSIDADE”
DO LINGUAJAR GOVERNATIVO
Ministra da Segurança Social, ontem, em hora de inspiração, quiçá também de aspiração conceptual, declarou em conferência de imprensa que:
COVID-19, dimensão dos surtos em lares “não é demasiado grande”.
Ao ler esta informação fiquei aturdido. Por duas razões:
- pela crueza e ambiguidade do teor e pela notória insensibilidade da criatura ministerial;
- por não se ter suscitado nos repórteres a natural interrogação: qual seria para a Ministra da Saúde a dimensão dos surtos para ela ser considerada demasiado grande?
Atente-se na terrível realidade: é elevada a percentagem dos casos de contágios e de mortes nos lares da terceira idade em Portugal. Nalguns, contam-se por muitas dezenas as pessoas infectadas e as inumeráveis que sucumbiram.
Outrossim, tal circunstancialismo indica que prossegue paulatinamente o extermínio da “peste grisalha”, conforme foi intenção do deputado de triste figura, da Guarda, filiado no PSD, manifestada na Assembleia da República, sem esta a ter reprovado vigorosamente – como lhe competia!
Mais, fica aventada a incrível e macabra hipótese de a senhora ministra desejar o aceleramento e maior intensidade desse processo mortífero, para daqui uns tempos vir proclamar em tom triunfal que a dimensão dos surtos da Covid-19, finalmente, se tornou grande e assim terá sido possível acabar com os velhos (a “peste grisalha) – o que significa alívio no orçamento do Instituto Financeiro da Segurança Social.
Tudo isto ponderado na sequência das óbvias ilações decorrentes da fala da personagem ministerial.
Pois que – sublinhe-se - vir a público uma Ministra de Segurança Social dizer que tais ocorrências epidémicas ainda não atingiram dimensão demasiado grande é uma “preciosidade” de expressiva e inequívoca linguagem de impiedade e de displicência funcional que incomoda, sobremodo, quantos cidadãos têm elevado apreço pelos valores da solidariedade e de respeito pela vida humana.
Também, uma grave ofensa tida para com as memórias dos milhares de mortos vítimas do coronavírus.
De tal procedimento da Ministra da Segurança Social o que se depreende? Que a Segurança Social pressupostamente inclusa nas atribuições do respectivo ministério é diminuta, imprecisa e que não faculta credível segurança: seja ela social ou individual.
Sobre a omissão dos jornalistas - aludida no início desta peça - importa anotar o papel redutor de se limitarem a gravar todas as disparatadas falas dos governantes – o que poderia ser feito por qualquer indiferenciado indivíduo munido com um gravador; pois que, certamente, o resultado seria igual.
Tais noticiaristas, noutras ocasiões, nos espaços públicos ou nas entradas e saídas de locais de celebrações de diversas naturezas, em contraposição censurável, surpreendem e massacram os governantes com perguntas estapafúrdicas, patéticas ou já respondidas até à exaustão.
Ou seja: tais jornalistas, geralmente estagiários/as, procedem com larga amplitude do oito para o oitenta.
Não há pachorra para os ouvir ou ler-lhes os palavreados; sobretudo, quando dizem ou escrevem que o político A ou o governante B, ao dizer qualquer besteira, ipso facto a GARANTIU. Uma expressão que se tornou moda no jornalismo prafrentex que, todos os dias, nos chaga a paciência e nos envenena o espírito.
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