PORTUGAL SITIADO NA
DESGRAÇA COLECTIVA
Brasilino Godinho
21/Março/2020
A nação portuguesa está
gravemente enferma. Agora e acima de tudo o que de mau precede de séculos, numa
situação agravada pela calamidade Covid-19. Esta, que adveio por contágios
externos facilitados pelo desleixo e incompetência, da governação estatal.
Mas a curiosidade maior e
bastante demonstrativa da fatalidade histórica de o país ser possuído por gente
política avessa ao bem-estar da grei e mais propensa a zelar interesses
obscuros que muito vêm arruinando o país e empobrecendo a maioria da população desta
lusa pátria; está na actualíssima previsão de Eça de Queiroz quanto aos
factores negativos que deram azo à situação de calamidade pública que tão
tragicamente nos está afligindo.
Claro que não desejaria perturbar
a quietude em que, no espaço etéreo, se encontra o insigne escritor. Porém, as
penosas circunstâncias do nosso tempo presente, obrigam-me ao sacrilégio de o
importunar e trazê-lo à colação – o que faço com a devida e respeitosa vénia.
Eis que datado de 1867, in “O
distrito de Évora”, Eça de Queiroz, se me apresenta hoje resoluto, objectivo e
sem papas na língua, como era seu hábito, descrevendo sem peias e dissimulações,
melhor do que eu o faria, o quadro que se me depara deste País:
“ORDINARIAMENTE todos os ministros são
inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a
faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver
crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a
experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são
regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio,
política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por
interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de
camarilha, será possível conservar a sua independência?”
Apesar da importância desta
apresentação, Eça de Queiroz, ardoroso amante da sua Pátria, traz-nos mais
outras duas apresentações B e C, com cambiantes várias do já referido quadro em
que agora se encontra o país; as quais, relevam da sua extraordinária
capacidade premonitória do que é a penosa realidade sociopolítica da época do
Portugal dos conturbados anos que são os das nossas actuais gerações.
Apresentação B
"Em Portugal não há ciência de
governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o
engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o
movimento político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade,
uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela
intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. A política é uma
arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as
más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a
postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de
tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e
de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os
grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro
há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se,
atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios,
todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com
raiva. À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos
(...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos,
ávidos de consideração e de dinheiro,
Insaciáveis dos gozos da vaidade.”
Apresentação C (inclusa de Farpas lúcidas e vigorosas)
“O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada
e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a
conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não
seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre
os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas,
felizes, exploram. A classe
média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo
está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O desprezo
pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de
cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio
invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias
para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio
definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O
Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um
inimigo.
A certeza
deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por
toda a parte: o país está perdido!”
Comentário de Brasilino Godinho
Em primeiro lugar agradeço a Eça de Queiroz o seu
certeiro testemunho premonitório da desgraça da nação portuguesa, vigente no
corrente século XXI.
Em segundo lugar quero expressar a minha veemente
concordância com os teores das suas precisas apresentações do negro quadro que
tanto nos atormenta a alma e brutalmente atinge o corpo.
Em terceiro lugar apontar um único desacerto nas
considerações formuladas pelo distinto escritor.
Na primeira apresentação, Eça começa por dizer que:
“ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam
com cortesia e pura dicção (…).
Nesta introdução Eça enganou-se. No século XXI, em
Portugal, a maioria dos ministros não são inteligentes, não escrevem bem, falam
mal, discursam sem cortesia e com impura dicção. Alguns fingem que bem se fazem
entender em inglês… Não tardará que papagueiem em chinês…
Até neste aspecto a classe política é geralmente
medíocre e de uma pobreza franciscana…
Pobreza franciscana, sem ter nada a haver com o Papa
Francisco…
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